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2. DINÂMICA DE USO E COBERTURA DAS TERRAS E AS MUDANÇAS

2.2. Histórico do Uso e Cobertura das Terras na Amazônia Brasileira

2.2.1. Aspectos Gerais

Nesta seção, é apresentado um panorama geral do histórico do uso e cobertura das terras e as principais políticas territoriais que originaram a organização espacial atual da Amazônia Legal Brasileira, sendo descritos os principais sistemas de produção vigentes para melhor compreender a diversidade de configurações espaciais da região e o mosaico de paisagens existente. O objetivo é apresentar uma visão ampla sobre o assunto, uma vez que existem trabalhos que tratam com maior detalhe desta temática (Kitamura, 1994; 1995; Becker, 1997; 1998; 2000; 2001a; 2006; Alves, 2001; Porto-Gonçalves, 2001; Mello, 2004; Batistella e Moran, 2005; Homma, 2006; Almeida, 2009). O que se pretende aqui é realizar um exercício de entendimento evolutivo sobre os modelos de sistemas produtivos e sobre as tendências futuras do desenvolvimento sustentável, para situar melhor a discussão sobre potenciais serviços ambientais dos sistemas agroflorestais, alvo desta pesquisa.

Esta região, devido à sua extensão territorial, é composta por um mosaico de paisagens, definido pela heterogeneidade tanto dos ecossistemas existentes, como da ocupação e o desenvolvimento local. O espaço Amazônico pode ser visto como um espaço segmentado e organizado de acordo com usos e agentes predominantes de ocupação, assumindo diferentes identidades sócio-econômicas e institucionais (Godfrey e Browder, 1996).

Dessa forma, este universo amazônico está distante de uma imagem uniforme como caracterizada por muitos. Constituindo-se como uma região altamente pluralizada, a Amazônia é, sobretudo, região da diversidade de vegetação e de povos.

Há várias Amazônias na Amazônia; há Amazônia dos rios de águas brancas e de águas pretas; há Amazônia dos cerrados, dos manguezais e das florestas; [...] Assim como há Amazônia dos índios, caboclos e seringueiros (Porto-Gonçalves, 2001, p. 9).

As discussões sobre a região amazônica congregam inúmeras abordagens, desde aqueles que buscam sua preservação total até os maravilhados com a riqueza imensurável de sua biodiversidade, perpassando pelas inúmeras subjetividades existentes nas relações entre a sociedade e o meio ambiente. Com menor frequência, se abordam aspectos relacionados com aqueles que vivem na floresta, ou seja, do “outro”, como destacam Whitaker e Fiamengue (2002, p. 20): “populações tradicionais (camponeses, índios, silvícolas, por exemplo) exploradas pelo sistema econômico, com

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suas perversas articulações”. Mesmo havendo esse processo peculiar de ocupação, a Amazônia ainda é apresentada como uma região homogênea e vazia, como destaca Ab´Saber (1996):

Espaços sem gente e sem história, passível de qualquer manipulação por meio dos planejamentos feitos à distância, ou sujeito a obras faraônicas, vinculadas a um muito falso conceito de desenvolvimento (Ab’Saber, 1996, p. 84).

Assim, a abordagem da região amazônica no contexto de uso e cobertura, torna-se relevante no subsídio aos processos de tomada de decisão para o planejamento regional, evitando assim, simplificações, generalizações e considerando as especificidades locais dessa região.

A extensão da Bacia Amazônica é de aproximadamente 7,5 milhões de km2, distribuídos em seis países (Brasil, Guianas, Equador, Bolívia, Colômbia e Venezuela), sendo que aproximadamente cinco milhões estariam cobertos por floresta tropical úmida, correspondendo a aproximadamente 31% das florestas do planeta (IBGE, 2007). A denominada Amazônia Legal Brasileira envolve os estados da macro-região Norte (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Roraima, Rondônia e Tocantins), o Mato Grosso e parte do Maranhão (porção a oeste do meridiano 44°), perfazendo, aproximadamente 5 milhões de km2, entorno de 61% do território brasileiro (IBGE, 2000). Originalmente, a denominada Amazônia Legal é recoberta por diferentes tipos de fisionomias florestais (e.g., floresta ombrófila densa, floresta estacional, entre outras), campos e cerrados, sendo considerada como a região de maior biodiversidade e reservas minerais e de água doce da Terra.

A população da Amazônia Legal gira em torno de 20 milhões de habitantes, dos quais 61% vivem em núcleos urbanos. Ressalta-se que os núcleos urbanos dessa região têm apresentado um crescimento superior comparado com demais regiões do país a partir dos anos 70, não apenas nas maiores cidades, mas também nas cidades com população inferior a 100.000 habitantes (Becker, 2001a). Na composição social da região inserem-se os caboclos, índios, agricultores familiares extrativistas, trabalhadores urbanos, pequenos, médios e grandes produtores rurais, empresários tradicionais e modernos, compondo uma sociedade complexa e com interesses muitas vezes conflituosos. Vários autores têm descrito o sistema de conversão de uso e cobertura da terra na Amazônia como um processo dinâmico (Coy, 1987; Walker et al., 1997; Pedlowski e Dale, 1992; Becker, 2001a) causados por inúmeros fatores, dentre eles as questão sócio-econômica, físicas e culturais, que determinam as diferentes tipologias de uso e cobertura, resultando em padrões espaciais e temporais diferenciados.

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A migração dos atores sociais nas últimas décadas baseou-se principalmente no incentivo dos projetos de assentamento e também de forma espontânea, compondo assim a diversidade econômica e social da região. Atualmente, o fluxo migratório advindo de outras regiões aparentemente diminuiu em relação às décadas anteriores, estando restritas principalmente as migrações intra-regionais (Becker, 2000). Ressalta-se ainda que, apesar de toda a riqueza natural da região Amazônica, os indicadores sociais são baixos em relação às médias nacionais (Théry, 1998), tanto na área rural, quanto nas áreas urbanas, ocasionadas principalmente pela carência de serviços de saúde e educação (Becker, 2001a).

A ocupação da Amazônia até a década de 50 era limitada à região litorânea e às faixas de terras ribeirinhas dos principais rios navegáveis. Os diversos ciclos de exploração econômica baseados em atividades extrativistas (borracha e castanha, por exemplo), pouco alteraram este quadro (Costa, 1997). Entre 1920 e 1930, tiveram início as frentes pioneiras espontâneas oriundas do Nordeste (Escada, 1999). Estas ondas migratórias se intensificaram a partir de 1950, após as primeiras medidas do Estado para a ocupação da Amazônia, a criação da SPVEA – Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia em 1953 - e a construção das rodovias Belém-Brasília e Brasília-Acre. Entre 1950 e 1960 a população passou de 1 para 5 milhões (Becker, 2001a). Dessa forma, até a década de 60, houve poucas alterações na região, sendo caracterizada principalmente pelas atividades de subsistência, um fraco comércio intra-regional ribeirinho, atividades exportadoras em Belém e Manaus, alguma pecuária no vale amazônico e em Marajó, agricultura de várzea e na Zona Bragantina, no Pará (Escada, 1999).

A partir da década de 60, são observadas as maiores mudanças, principalmente a partir de 1965, durante o governo militar, quando destacam-se fatores como a tensão social causada por expulsão de pequenos produtores no Sul e Sudeste, a possibilidade de estabelecimento de focos revolucionários na região e a soberania nacional sobre o território e seus recursos naturais, ocorrendo intervenções governamentais objetivando o planejamento regional efetivo da região. Em 1966 é criada a Zona Franca de Manaus, um enclave industrial em meio à economia extrativista. Neste mesmo ano o antigo Banco de Crédito da Borracha é transformado em BASA (Banco da Amazônia). Em 1967, a SPVEA (Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia) é transformada em SUDAM (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia).

A partir da década de 70 a ocupação da região Amazônica tornou-se prioridade nacional, quando o governo federal passou a viabilizar e subsidiar a ocupação de terras para expansão

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pioneira. As políticas de ocupação procuravam conciliar os empreendimentos de exploração econômica com estratégias geopolíticas (Costa, 1997). Porém, o projeto geopolítico desta fase se apoiou, principalmente, em estratégias territoriais que implementaram a ocupação do território (Becker, 2001b) que podem ser resumidas em três linhas de ação:

1) Implantação de redes de integração espacial: tratam-se de todos os tipos de

rede, destacando-se quatro no investimento público. Primeiro a rede rodoviária, ampliada com a implementação de grandes eixos transversais como a Transamazônica e Perimetral Norte, e intra-regionais como a Cuiabá-Santarém e a Porto Velho - Manaus); a rede de telecomunicações comandada por satélite, que difunde os valores modernos pela TV e estreita os contatos por uma rede telefônica muito eficiente. Cerca de 12.000Km de estradas foram construídos em menos de cinco anos, e um sistema de comunicação em microondas de 5.110Km em menos de três anos. Terceiro, a rede urbana, sede das redes de instituições estatais e organizações privadas. Finalmente, a rede hidroelétrica, que se implementou para fornecer energia, o insumo básico à nova fase industrial. 2)

Subsídios ao fluxo de capital e indução dos fluxo migratórios: a partir de 1968,

mecanismos fiscais e creditícios subsidiaram o fluxo de capital do Sudeste e do exterior para a região, através de bancos oficiais, particularmente o Banco da Amazônia S. A. (BASA). Por outro lado, induziu-se a migração através de múltiplos mecanismos, inclusive projetos de colonização, visando o povoamento e à formação de um mercado de mão de obra local. 3) Superposição de territórios

federais sobre estaduais: a manipulação do território pela apropriação de terras

foi um elemento fundamental da estratégia do governo federal, que criou por decreto territórios sobre os quais exercia jurisdição absoluta e/ou direito de propriedade. O primeiro grande território criado foi a Amazônia Legal, superposta à região Norte. Em 1966, a SUDAM demarcou os limites de atuação governamental, somando, aos 3.500.000Km2 da região Norte, 1.400.000Km2, e assim constituindo a Amazônia Legal. Em seguida, em 1970-1971, o governo determinou que uma faixa de 100km de ambos os lados de toda a estrada federal pertencia à esfera pública, segundo a justificativa de sua distribuição para camponeses em projeto de colonização. Só para o estado do Pará, isto significou a perda de 83.000.000ha (66,5% desse Estado) para as mãos federais. Através dessa estratégia, o governo federal passou a controlar a distribuição de terras, adquirindo grande poder de barganha (Becker, 2001b, p. 138).

O plano governamental principal deste período foi o I PND (Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), o qual teve como foco as políticas territoriais baseadas em

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estratégias de integração nacional. Além da construção das rodovias, que compunham a estrutura básica de circulação dentro do PIN (Projeto de Integração Nacional), houve a colonização oficial, através do INCRA, para faixas de até 100km de largura ao longo das estradas, visando o assentamento de pequenos produtores apoiados pelo governo. Uma mudança de direção relevante aconteceu a partir de 1974 (pós-crise do petróleo), quando uma estratégia seletiva foi implantada: o Poloamazônia. Quinze polos de desenvolvimento canalizaram os investimentos, cada polo especializado em determinadas atividades de produção. O governo considerou que a colonização ainda estava lenta, e estimulou o fluxo de imigrantes dotados de maior poder econômico, resultando na expansão de empresas agropecuárias e de mineração (Becker, 2001a). Com o lançamento do II PND, passando o atendimento de colonos migrantes para os grandes fazendeiros, passou-se a defender nas terras fronteiriças uma agricultura capitalista em detrimento da agricultura familiar (Kitamura, 1994). Dessa forma, deixou-se de lado uma política de ocupação do tipo extensiva e abrangente para a região, concentrando-se os recursos em grandes empreendimentos estatais e privados, que tinham maior probabilidade de retorno em curto prazo, privilegiando as áreas que já apresentavam alguma concentração econômica e populacional (Costa, 1997).

Assim, entre as décadas de 60 e 70 o discurso nacionalista “Integrar para não entregar”, e a promessa de “terra sem homens para homens sem terra” (Porto-Gonçalves, 2001), representaram um novo modelo de ocupação na Amazônia, focados em criar novos pólos de desenvolvimento por meio de grandes projetos econômicos (madeireiros, mineradores, hidrelétricos e agropecuários) desordenados e sem observar aspectos sociais e ambientais. Esse modelo se esgotou a partir de 1976, com o agravamento da segunda crise do petróleo e a súbita elevação nos juros no mercado internacional, levando à escalada da dívida externa e a diminuição dos recursos para esses empreendimentos.

Na década de 80, foi inaugurada uma nova forma de ocupação da Amazônia, conjugando esforços voltados à mineração, agroindústria e à reforma agrária, sendo colocada a mineração como o centro do desenvolvimento regional (Kitamura, 1994). O planejamento passou a concentrar-se em áreas selecionadas, valorizando a mineração e a presença militar, exemplifica-se pelo Projeto Grande Carajás (1980) e o Projeto Calha Norte (1985). O ano de 1985 marca o fim do nacional- desenvolvimentismo e da intervenção do Estado na economia do Território.

Após este período, a ocupação passa a se reger fundamentalmente pela lógica de mercado, abrindo-se um vácuo no processo de desenvolvimento regional (Moura et al., 2001). Dentre as

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causas destas mudanças destaca-se a necessidade de gerar divisas e a frustração com os projetos agropecuários e de colonização (Escada, 1999).

A partir dos anos 90, inicia-se a expansão da agricultura capitalizada na região (principalmente a soja, seguida do arroz e do milho), questão que tem causado preocupação em alguns setores de pesquisa e desenvolvimento, pois, embora introduzida inicialmente nas áreas de cerrado, a cultura começa a expandir-se em áreas de floresta. Esse modelo, iniciado com o cultivo de soja na região, promete mudanças nos modelos de ocupação da Amazônia e na economia regional, com previsão de abertura de corredores multimodais, integrando hidrovias, ferrovias e rodovias (Carvalho, 1999). Outra atividade altamente capitalizada iniciada na região é o narcotráfico. Destaca-se ainda a expansão da denominada “mineração de madeira”, exploração seletiva e predatória de espécies valorizadas, com grande importância econômica para a região (Becker, 2000). Em 1996, o governo retoma o planejamento regional através do Programa Brasil em Ação, que foi implementado através do Programa Avança Brasil o qual incentivou a implantação de mais hidrelétricas e a abertura de estradas para escoamento da produção (Ab’Saber, 1996) por meio de corredores multimodais de exportação.

Mello (2004) enfatiza que no embate do jogo de idéias, de forças políticas para a escolha de modelo(s) para o desenvolvimento da Amazônia, essa região se torna, espaço de tensões e conflitos entre aqueles que vêem como um dos lugares-chave das “mudanças globais” e, entre outros, que a entendem como uma das últimas fronteiras de expansão econômica e territorial.

Desde meados da década de 1990, este território, em permanente construção, tem sido o lugar onde proliferam experiências voltadas para a sustentabilidade, com o aumento da governança, reconhecimento de novas territorialidades, gestão ambiental, conservação da biodiversidade e recursos genéticos, negociações de conflitos. Mas, ao mesmo tempo, lá continuam sendo implementados numerosos programas de investimentos que criam condições de rápidas transformações (Mello, 2004, p. 90).

Assim, este choque de idéias reflete as condições da globalização, simultaneamente econômica e ambiental na Amazônia, onde os diferentes grupos sociais não foram alterados e os benefícios da exploração dos recursos naturais não foram socializados.

Por outro lado, começaram a surgir iniciativas endógenas de desenvolvimento sustentável, que privilegiam a população local, o conhecimento e a conservação da floresta. Estas iniciativas

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tomaram força com a implantação dos projetos do PPG73, que passou a ser operacionalizado a partir de 1994. Cabe também notar que entre 1995 e 1998, o governo reconheceu 58 Reservas Indígenas e demarcou 115. As Unidades de Conservação se multiplicaram na região, sendo, que até o final da década de 90, as Terras Indígenas e as Unidades de Conservação correspondiam, respectivamente a 22% e 6% do território amazônico (Becker, 2001a). Mello (2004) enfatiza que é vital continuar buscando apoio e estímulo à continuidade das experiências alternativas.

O novo modelo, baseado em princípios de sustentabilidade, tem que se articular regionalmente. A mobilização social é requisito fundamental, assim como comprometer-se com a consolidação do capital social existente, a cooperação e confiança na participação dos beneficiários em sua própria gestão, potencializando-se o uso da riqueza ambiental e cultural, fortalecendo a institucionalidade pública e privada, se transformando assim, em mecanismo qualitativo de inserção mundial (Mello, 2004, p.89).