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4.5 Condições de Vida das Famílias: Análise Comparativa entre

4.5.2 Aspectos de Higiene Sanitária

Antes de adquirir o imóvel, ou tornar-se uma família mutuária, 33,4% das famílias possuíam banheiro com fossa em suas residências, embora somente 30% fizessem uso dele. Depois da compra da terra, quando todas as famílias passaram a ter casa própria, de alvenaria e 100% das residências dispunham de banheiro com fossa, apenas 35% fazem uso adequadamente. Ou seja, as alterações são insignificantes. Em termos relativos, a situação anterior se apresenta bem melhor que a atual. Antes, 45,61% das famílias possuíam casa própria, e destas apenas 33,4% possuíam banheiro e 30% faziam uso. Atualmente, todas as famílias possuem casa própria de alvenaria com banheiro e fossa, no entanto, apenas 35% utilizam os banheiros. Dados coletados na pesquisa de campo.

A partir desses indicadores é possível afirmar que nos aspectos sanitários as condições de vida das famílias não melhoraram. Nas oficinas realizadas com as famílias, os depoimentos justificam a não utilização dos banheiros. Conforme algumas pessoas afirmaram, a água é um dos fatores a impedir o uso dos banheiros, principalmente se estes forem dentro de casa. Inexistindo água, não há como se servir do banheiro. Daí, a maioria das famílias optam por fazer uso dos matos, dos morros ou até mesmo dos quintais. Em outros casos, constroem o banheiro fora de casa. Mesmo assim, preferem não usar em virtude da falta de água para lavá-lo. Via de regra, eles se destinam apenas às visitas (técnicos, políticos, padres, etc.). Outras pessoas afirmam que muita gente não utiliza por questão cultural, já se acostumou, como disse um jovem de umas das áreas pesquisadas. “Ah! Muita gente não usa o banheiro porque já se acostumou a fazer suas necessidades no mato, e é muito mais fácil, não dá trabalho, terminou é só cobrir com areia ou mato.”

Essa realidade fundamenta-se em outras justificativas que requerem aprofundamento. Em qualquer uma delas, porém, fica clara a inexistência de política destinada à população. Do ponto de vista da falta de água, já discutido

em itens anteriores, as compras dos imóveis são feitas sem as devidas avaliações. A ausência de um recurso natural essencial como é a água significa inviabilidade para sobrevivência, tanto em relação à produção agrícola quanto à reprodução familiar.

Outro aspecto a ser considerado relaciona-se com o trabalho educativo e a assistência à saúde dessas famílias, pois nesse ponto falta orientação e prevenção. A ausência das condições de higiene sanitária é pressuposta para alastramento de doenças. Reforçando a fala recém-exposta, existe total falta de informações e orientações sobre esses aspectos sanitários. Por outro lado, o comportamento de pessoas como as referidas, que preferem o mato, os morros ou quintais porque dá menos trabalho, revela nível de desinformação e acomodação.

É dever do poder público propiciar as condições favoráveis às populações, quer seja em assuntos sanitários com orientações, cursos, seminários por meio da equipe Médico da Família, quer seja na prestação dos serviços essenciais como a água, que influi até na reprodução familiar. Neste sentido, é possível afirmar haver omissão do poder público quando não oferece orientação sobre a saúde, bem como quando não possibilita o acesso à água de boa qualidade.

Por outro lado, também existe por parte da população o não exercício da cidadania, a acomodação, a pobreza cidadã, como conceitua Pedro Demo.

Na TABELA 10, referente ao consumo de água, pode-se observar a qualidade e as condições da água usada pelas pessoas (como não mutuária e como mutuária).

Esta situação não é tão diferente da anterior. Antes de adquirir a terra, as famílias consumiam água que vinha das cacimbas e das lagoas, mas 5,26% das famílias utilizavam o filtro, ou consumiam água tratada. Atualmente a origem da água é mais segura, ou seja, 40,35% provêm de poços profundos, com o uso da bomba, e 59,65% do rio. No entanto, apenas 5% utilizam o filtro para tratamento da água. Mesmo existindo a agente de saúde, que visita as casas mensalmente e orienta sobre o uso do hipoclorito de sódio não há o devido controle, acompanhamento e capacitação para seu uso correto. O fato

é que as pessoas apenas coam a água para retirar a sujeira visível, os “ciscos”.

TABELA 10 - Consumo de água

QUALIDADE E CONDIÇÕES DA ÁGUA CONSUMIDA ANTES DA SITUAÇÃO DE

MUTUÁRIO/A

QUALIDADE E CONDIÇÕES DA ÁGUA CONSUMIDA NA SITUAÇÃO DE MUTUÁRIO/A Origem da água % de famílias que utilizam água filtrada

Origem da água % de famílias que utilizam água filtrada

Das cacimbas - 59,65%

Lagoas – 40,35% 5,26% Poço (bomba) - 40,35% Rio - 59,65%

5,00% utilizam o filtro 66,67% não tem filtro; 28,07% não concordam com nenhum tipo de tratamento

Fonte: Pesquisa de campo. Janeiro de 2001.

Diante dos dados, avalia-se que tanto por parte do poder público quanto das famílias, e da própria entidade gestora do imóvel, registra-se falta de informação e responsabilidade em relação a esta população no que se refere ao consumo de água. Por um lado inexiste orientação e acompanhamento da área de saúde sobre os riscos quando se consome água sem nenhum tratamento. Por outro, as poucas informações repassadas pelos/as agentes de saúde não são valorizadas pelas famílias. As próprias lideranças que administram o imóvel desconsideram problemas deste tipo, ou seja, quando foi elaborado o diagnóstico para o Plano de Desenvolvimento do Assentamento, as ações estratégicas definidas e planejadas não foram gerenciadas de forma que garantissem sua execução.

No Ceará, o órgão responsável pelo Programa Reforma Agrária Solidária, ou Cédula da Terra, é o IDACE. Cabe a ele acompanhar e assessorar a associação local sobre a gestão dos projetos e programas implantados, facilitar o processo de parcerias com o órgão de extensão rural para garantir a assistência técnica, bem como contribuir na implementação do

PDA das áreas onde já existe e viabilizar a elaboração deste onde não existe. Segundo depoimento dos mutuários, o órgão vai eventualmente. A última vez que esteve em uma das áreas foi no inicio de 2001, quando da preparação para elaborar o PDA.

Quanto à gestão local dos imóveis, é de responsabilidade das associações comunitárias. Pelos depoimentos coletados nas oficinas e nas próprias entrevistas com mutuários e dirigentes, a associação não reúne capacidade de gestão dentro de uma visão mais sistêmica. Sua função está restrita a negociar com quem elabora e libera projetos. E de acordo com os depoimentos dos/as mutuários/as, os imóveis estão praticamente abandonados.

Desta forma, ocorre total distanciamento entre os mutuários e o IDACE, provocando abandono, atraso nas políticas a serem implementadas, incluindo-se a liberação de projetos. O mesmo pode ser dito quanto à EMATERCE, responsável pela extensão rural no Ceará.

Por outro lado, tanto no quadro social quanto nas direções, a associação dos mutuários comporta pessoas desprovidas dos conhecimentos básicos de cidadania e gestão. Não têm capacidade nem foram preparadas para administrar os projetos econômicos, a vida e os problemas sociais das famílias que moram na área. Geralmente ficam na dependência da EMATERCE, dos políticos locais ou até dos ex-proprietários, em alguns casos.

Esta condição dificulta a implementação de um plano de trabalho que venha possibilitar o desenvolvimento das famílias que moram naquele território. O fato é que os dados mostram que o programa não conseguiu alterar as práticas utilizadas tanto na agricultura quanto nos hábitos cotidianos, de planejamento e de gestão do imóvel.