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Aspectos Imunológicos e Biomarcadores de Progressão Clínica da LVC

2. Revisão de Literatura

2.4 Aspectos Imunológicos e Biomarcadores de Progressão Clínica da LVC

A evolução clínica da leishmaniose é uma consequência de complexas interações entre o parasito, o vetor, a genética e o sistema imunológico do hospedeiro (Grimaldi & Tesh, 1993; Maia & Campino, 2011), sendo a progressão da infecção altamente depende da eficiência da resposta imune do hospedeiro (Alvar et al., 2004).Basicamente os animais suscetíveis, são caracterizados por uma resposta humoral exacerbada, imunossupressão celular e presença de sinais clínicos (Maia & Campino, 2011).

De acordo com as características do parasito (virulência da cepa) e da resposta imune do hospedeiro, a LVC pode evoluir para auto cura ou permanecer latente, até

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mesmo por vários anos ou ainda progredir para a forma crônica da doença (Genaro, 1993; Pinelli et al., 1999b; Moreno & Alvar, 2002).

Estudos indicam, que a resolução bem sucedida de infecções por Leishmania dependem da capacidade do hospedeiro, em montar uma resposta de células T-dependente, com a ativação de macrófagos mediados por citocinas derivadas de células T (Liew et al., 1982; Castas et al., 1983; Murray et al., 1988). Já cães que desenvolvem a doença progressiva revelaram supressão clara de imunidade mediada por células, principalmente linfócitos T (Pinelli et al., 1994).

Há várias subpopulações de linfócitos T, dentre eles destacam-se os linfócitos T auxiliares CD4+ e os linfócitos T citotóxicos CD8+. A subpopulação de linfócito T CD4+ pode ser dividida em duas respostas imunes celulares principais: uma resposta do Tipo 1 associado com o controle de infecção e uma resposta Tipo 2 responsável pelo desenvolvimento da doença patente (Pinelli et al., 1994; Pinelli et al., 1999b; Ferrer, 2002).

A resistência à infecção está associada a uma resposta do Tipo 1, com predomínio de interleucina (IL)-12, interferon (IFN)-γ, IL-2 e fator de necrose tumoral (TNF)-α, as quais aumentarão a eficiência de células fagocíticas e linfócitos citotóxicos, desencadeando uma resposta imune protetora (Pinelli et al., 1994; Pinelli et al., 1995; Pinelli et al., 1999b; Correa et al., 2007). A IL-12 é uma citocina produzida por células do SMF que geralmente precede e induz a produção de IFN-γ (Brunda, 1994), mas o papel de IL-12 na indução e manutenção da resposta imune do Tipo 1 tem sido pouco estudado na LVC (Barbieri, 2006).

O IFN-γ controla o crescimento da Leishmania sp. em macrófagos murinos e humanos, limitando assim a progressão da doença (Murray et al., 1992).Em cães com LV também tem sido observado que a expressão de IFN-γ está associada ao controle da infecção (Andrade et al., 1999; Carrilo et al., 2007). Porém, Lage et al. (2007) verificaram correlação positiva na LVC entre a carga parasitária esplênica e os níveis mRNA de IFN-γ desse tecido. Assim, o nível de IFN-γ, quando analisado isoladamente, não representa um bom indicador de resistência à infecção, conforme também já verificado por outros autores (Karp et al., 1993; Chamizo et al., 2005; Lage et al., 2007; Reis et al., 2010),

Outra importante citocina pro-inflamatória envolvida na resistência à infecção por Leishmania é o TNF-α. Esta citocina é produzida por macrófagos, células T e células NK e atua, juntamente com o IFN-γ, induzindo a produção de óxido nítrico e, consequentemente,

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a morte de amastigotas no interior de macrófagos (Liew, 1993). A expressão simultânea de transcritos de mRNA de IL-12p40, além de IL-2 e IFN-γ foi observada em cães experimentalmente infectados por L. infantum, indicando que estas citocinas retardam o estabelecimento da doença (Santos-Gomes et al., 2002).

Já na resposta Tipo 2 observa-se predomínio das citocinas IL-4, IL-5 e IL-13. No cão, a resposta imunológica celular contra Leishmania ainda não é caracteristicamente bem definida, embora tem sido observado respostas imunes Tipo 1, em animais infectados capazes de superar a doença (Miranda et al., 2007). Além disso, em relação a esses padrões de resposta imune há bastante controvérsia quanto aos resultados encontrados sobre a produção de IL-10 e IFN- γ (Barbieri, 2006; Lage et al., 2007; Strauss-Ayali et al., 2007).

A IL-10 é uma citocina que possui atividade regulatória e é produzida por células T e B, macrófagos, células dendríticas e epiteliais. Sua produção pode ser induzida como parte de um mecanismo homeostático, para evitar danos teciduais causados por inflamação excessiva (Moore et al., 2001; Mege, et al., 2006). Em humanos, a associação entre aumento dos níveis de IL-10 e a gravidade da LV é evidente (Nylén & Sacks, 2007). Provavelmente um dos efeitos mais danosos causados pela IL-10, consiste na inibição da responsividade de macrófagos a sinais de ativação (IFN-γ), com consequente inibição da produção de espécies reativas de oxigênio, culminando com a manutenção do parasitismo por espécies de Leishmania (Nylén & Sacks, 2007).

A IL-4 é produzida principalmente por linfócitos T e tem ação moduladora do sistema imune em murinos, regulando a secreção ou inibindo os efeitos protetores de citocinas da resposta do Tipo 1 como IFN-γ e IL-12, sendo relacionada à morbidade neste modelo (Miralles et al., 1994). Da mesma forma que a IL-10, IL-4 parece estar relacionada à suscetibilidade na LVC. Chamizo et al. (2005), observaram redução nos níveis de IL-4 em CMSP de cães assintomáticos experimentalmente infectados por L. infantum. Quinnel et al. (2001), ao avaliar o perfil de citocinas em aspirado de medula óssea, observaram aumento nos níveis de IL-4 em cães sintomáticos.

Além da avaliação dos níveis de citocinas, a imunofenotipagem celular também constitui um importante biomarcador, indicado para compor testes para se estudar a história natural da LVC (Reis et al., 2006b). Foi demonstrada, através da análise imunofenotípica de células do sangue periférico, uma imunossupressão tanto de linfócitos T como linfócitos B em cães sintomáticos, no qual a infecção por L. infantum é

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acompanhada por baixos níveisde células T CD4+ e células B CD21+, respectivamente (Bourdoiseau et al., 1997).

Em um estudo conduzido por Reis et al. (2006b), avaliando cães naturalmente infectados por L. infantum, foi observado que cães assintomáticos e oligossintomáticos apresentaram aumento de linfócitos T CD5+ em comparação ao grupo sintomático. Ao analisar subpopulações de células T, um perfil diferente foi observado para linfócitos T CD4+ e CD8+, sendo que as contagens de células T CD4+ foram mais elevadas em cães assintomáticos do que em sintomáticos e células T CD8+ foram mais elevados em cães assintomáticos e oligossintomáticos. Já na análise de linfócitos B (CD21+) circulantes, mostrou uma redução significativa em cães oligossintomáticos e sintomáticos, enquanto que os monócitos (CD14+) revelaram baixos números absolutos em animais sintomáticos. Esta menor frequência de circulação de células B e monócitos são considerados importantes marcadores da LVC grave (Reis et al., 2009).

Estes resultados mostram uma associação entre variações fenotípicas de leucócitos do sangue periférico em diferentes formas clínicas da LVC, tornando possível o estabelecimento de um prognóstico da infecção canina, através da imunofenotipagem de células sanguíneas por citometria de fluxo (Reis et al., 2009; Reis et al., 2010). De acordo com pesquisadores de nosso grupo de pesquisa os parâmetros imunológicos e parasitológicos devem ser observados em sua complexidade, pois são altamente dependentes do status clínico e da carga parasitária do hospedeiro (Reis et al., 2009).

No âmbito da resposta imune humoral, possíveis marcadores de infecção tem sido amplamente investigados na LVC, sendo a sorologia um dos parâmetros frequentemente utilizados para este fim (Dye et al., 1993; Ashford et al., 1995; Reis et al., 2006c; dos- Santos et al., 2008). E a LV é caracterizada por uma intensa estimulação policlonal de linfócitos B, que resulta em grande produção de anticorpos, o que facilita o diagnóstico sorológico (Quinnell et al., 2001; Rodríguez-Cortés et al., 2007).

A LVC está associada com níveis elevados de IgG e tem sido descritas quatro subclasses (IgG1-IgG4) em cães (Mazza et al., 1993; Day, 2007), sendo que a resposta específica a infecção natural por L. infantum envolve anticorpos de todas as quatro subclasses de IgG (Quinnell et al., 2003). Contudo, a IgG1 e IgG2 tem sido empregadas, como indicadores mais adequados do status clínico na LVC do que IgG total. Foi demonstrado que cães infectados por L. infantum produziram tanto anticorpos IgG1 e IgG2

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(Deplazes et al., 1995; da Costa-Val et al., 2007; Freitas et al., 2012), sendo a IgG2 associada com infecções assintomáticas e a IgG1 associadas com sintomáticos.

Ao contrário destes achados, pesquisadores do nosso grupo verificaram, que os níveis de IgG1 sugerem uma associação com mecanismos imunoprotetores da infecção canina, uma vez que elas foram frequentemente elevados em cães assintomáticos, bem como em animais portadores de baixa densidade parasitária na medula óssea. Ainda foi mostrado, que a IgG2 parece ser mais associada com morbidade da LVC sendo positivamente correlacionada com o estado clínico mais grave e maior densidade parasitária (Reis et al., 2006c). Coura-Vital et al. (2011) ao avaliarem cães naturalmente infectados por L. infantum, observaram que animais com sorologia positiva, apresentaram níveis mais elevados de IgG e IgG2, mostrando a participação destas imunoglobulinas na gravidade da doença.

Além da IgG, também é mostrado a participação de outras imunoglobulinas na LVC, como a IgM, IgA e IgE. Embora a IgM geralmente seja considerada um marcador imunológico para a fase aguda da doença parasitária, foi demonstrado que esta imunoglobulina também pode ser detectada durante a fase crônica da LVC (Reis et al., 2006c; Rodríguez-Cortés et al., 2007). A IgA é do isotipo de anticorpo característico do sistema imune da mucosa, e a detecção desta imunoglobulina na LVC, pode refletir uma difusão de L. infantum a superfícies mucosas ou indicam que outros fatores tais como a estimulação antigênica prolongada, podem influenciar a produção deste isotipo (O’Neil et al., 1993). Reis et al. (2006c) sugerem que a reatividade de IgA é um marcador para a densidade parasitária no tecido na LVC. Já o aumento dos níveis de IgE, também tem sido associados com as formas graves da doença e elevadas densidades parasitárias no tecido, bem como um auxílio no perfil de resposta imune Tipo 2 (Reis et al., 2006c;Guerra et al., 2009). Mas, Freitas et al. (2012), observaram que os níveis séricos de anticorpos IgE anti-

Leishmania não apresentaram correlação com a progressão da doença.

Contudo, a reatividade de IgG e IgA anti-Leishmania foram os melhores marcadores para o parasitismo tecidual global, porém, foi observado realmente uma correlação positiva entre formas clínicas da LVC e densidade parasitária no tecido com os níveis de IgG, IgG2, IgA, IgM e IgE (Reis et al., 2006c). Coura-vital et al. (2011), também observaram que conforme a progressão clínica da doença, há maiores concentrações destas imunoglobulinas. Desta forma, a determinação do título de anticorpos

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específicos anti-Leishmania é uma importante ferramenta, no acompanhamento da progressão da doença nos diferentes quadros clínicos da LVC.

No presente estudo buscamos identificar biomarcadores de resistência e suscetibilidade à leishmaniose visceral, em animais naturalmente infectados por L. infantum provenientes de área endêmica. Para cumprir com este objetivo nosso trabalho avaliou biomarcadores hematológicos em cães assintomáticos soronegativo/PCR+ para L. infantum, em comparação a cães soropositivos das diversas formas clínicas (assintomáticos e sintomáticos) e a animais não infectados. Além disto, identificamos biomarcadores de resistência e suscetibilidade para a LVC, através da avaliação das populações de linfócitos T (CD5+), suas subpopulações (CD4+ e CD8+), linfócitos B (CD21+) e monócitos (CD14+) circulantes, em cães de diversas formas clínicas por citometria de fluxo. Por fim, à produção intracitoplasmática de IFN-+ e IL-4+ por neutrófilos, eosinófilos e linfócitos T

(CD4+ e CD8+) foram identificados em cães naturalmente infectados, apresentando diferentes formas clínicas. Desta forma, acreditamos que o presente estudo ampliará os conhecimentos, a respeito do perfil imunológico de cães naturalmente infectados, ajudando a melhor compreender os aspectos relacionados à resistência e suscetibilidade, o que possivelmente irá contribuir para os estudos de vacinas e imunoterapias aplicados a leishmaniose visceral canina.

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