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Os questionários aplicados nesta pesquisa apresentam algumas questões-chaves que compõem tanto o questionário do professor quanto o do intérprete. Neste capítulo serão discutidas essas questões, bem como outras questões que não são comuns aos dois públicos, mas que são relevantes para esta análise.

Serão apresentadas aqui as respostas das perguntas que apresentam temáticas comuns aos dois questionários, as questões 2,3,7,8,e 11 do questionário do professor (APÊNDICE B) e as questões 3,7,8,10,11e 12 (APÊNDICE A) do questionário do intérprete.

6.3.1 Dificuldades na abordagem de conteúdos curriculares de Química

A disciplina de Química tem suas peculiaridades, e uma delas é lidar com conceitos muito abstratos e exigir dos estudantes o domínio de uma nova linguagem. Normalmente essa tarefa é considerada difícil pelos alunos do ensino médio, o que leva ao pressuposto de que para os alunos surdos essa dificuldade seja mais acentuada. Tal dificuldade também perpassa pelo trabalho do professor e do intérprete. Assim, os professores de Química foram questionados

sobre“ Qual o conteúdo de Química os alunos tiveram mais dificuldade de assimilar?”. Já no

caso do intérprete, a pergunta reportou-se à tradução, ou seja,“Entre os conteúdos ensinados até a presente pesquisa, qual eles consideraram mais difíceis para tradução e interpretação em Libras?”.

Eis as respostas:“Soluções, este assunto é primordial para o ano todo do segundo ano. Se o aluno sentir dificuldade nesse tópico, compromete o ano todo.” (PQ-1 Escola A);

“Reações, termoquímica (lei de Hess)” (PQ-2 Escola A); “Eletroquímica” (PQ-1 Escola B); “Soluções, celas eletroquímicas” (PQ-2 Escola B); “Cálculos estequiométricos, visto que há

similaridade nos termos e nos significados, a palavra é extensa e a datilologia torna-se complicada, até encontrar um sinal específico que seja claro e compreensível para o aluno” (I- 1 Escola A);“Reações Químicas.” (I-2 Escola B).

Densidade, concentração e molaridade, eu observo que esses assuntos, quando eu estudava no ensino médio, causavam bastante confusão entre nós ouvintes. E trazendo para alunos surdos, é de forma muito abstrata que eles recebem este assunto, porque são muitas fórmulas e fórmulas. Por exemplo, quando a gente parte de algum exemplo no caso da concentração, a gente cita exemplo de café, de açúcar, aquela parte do solvente, soluto, então, quando citamos exemplos práticos da vivência, do dia a dia deles, eles começam a ter interesse; mas quando lançamos isto em uma fórmula, aí o negócio complica. Por exemplo: Densidade é igual a M sobre V, tem uma fórmula assim, aí tem a concentração que é igual a M sobre V também, se eu não me engano,

tem uma que é M maiúsculo que é igual a n sobre v, então esses M’s repetidos

constantemente causam bastante confusão, porque são fórmulas muito semelhantes no quesito de nomenclatura e causam bastante confusão. Sem dúvida, esse é um dos assuntos mais difíceis, tanto na interpretação quanto na compreensão deles (I-1 escola B).

As respostas dos professores e dos intérpretes apresentam certa similaridade e consenso: dois entrevistados responderam “reações químicas”; outros dois citaram

“eletroquímica”; três apontaram “soluções” e um sinalizou “cálculos estequiométricos”, que

por sinal está associado ao estudos das reações. Os conteúdos curriculares apontados apresentam em comum o fato de envolverem fórmulas e resolução de cálculos. A riqueza de detalhes nos depoimentos dos intérpretes que falaram sobre as similaridades nos significados e nas repetições de letras nas fórmulas são, de fato, embasadas. Considerando pesquisas sobre o ensino desses conteúdos e o depoimento do intérprete 1(Escola B), esses temas causam confusão na compreensão dos alunos, independente da sua condição de ouvinte ou não. Migliato (2005, apud Costa e Zorzi, 2008), afirma em sua dissertação de mestrado que, dentre os assuntos que os alunos apresentam maior dificuldade de compreensão está a estequiometria. Segundo esse autor, o grande problema que envolve a dificuldade de compreensão dos conceitos relacionados à estequiometria é que, ao discutir os fenômenos químicos, faltam abordagens no nível sub-microscópico, que exige maior abstração por parte dos alunos. De acordo com Pio (2006) as dificuldades dos alunos relacionam-se muito mais com a não compreensão dos conceitos envolvidos e das relações que eles estabelecem do que com as operações matemáticas envolvidas nos cálculos. Essa dificuldade apontada pelo autor associada

às limitações da comunicação com o aluno surdo e à falta de contextualização dos conteúdos, sem dúvida, geram um cenário educacional que precisa de reflexões e aperfeiçoamento para que de fato os alunos surdos tenham acesso aos conteúdos curriculares de Química.

O intérprete que fala sobre a dificuldade para interpretar conteúdos relacionados a soluções, enfatiza que o impasse se dá por conta das similaridades nos termos envolvidos e pela repetição de letras para fórmulas diferentes. Sabe-se que, na língua portuguesa, uma mesma palavra pode ter vários significados; o que dá sentido é o contexto em que essa palavra foi usada. Na língua de sinais, essa situação se apresenta de forma mais problemática, principalmente se o intérprete não apresentar referências para interpretar e contextualizar o que foi dito, impossibilitando ao aluno a compreensão de conceitos químicos e de seus respectivos significados. Tal situação foi investigada por Lindino et al (2009),que em seu trabalho, relatam alguns conflitos de significado no que se refere ao conteúdo de“soluções”:

Algumas palavras de duplo sentido utilizadas nos conceitos químicos são confundidas pelos discentes surdos, como, por exemplo, a palavra solução que é relacionada à

solução de problemas e à palavra concentração que é relacionada a alguém concentrado, centralizado em algo. Isso pode ser verificado e comprovado em uma

prova escrita, com intuito verificativo e não avaliativo. Os discentes surdos apresentam dúvidas em relação ao significado de algumas palavras, tais como flutuação, bambu e decantação, e também confundiram os termos concentrada e

saturada, utilizadas para denotar tipos de soluções (LINDINO et al, 2009, p.11) Conforme foi apresentado, alguns conceitos químicos são passíveis de dupla interpretação, como foi mencionado por um dos entrevistados quando deu o seguinte exemplo:

“[...] esses ‘Ms’ repetidos causam muita confusão”. Assim, explicar para quem não domina com

precisão a fala e a escrita, que a letra “M” nas fórmulas significa massa, mas também pode significar molaridade (a mesma letra, ainda, se for grafada duas vezes consecutivas (MM) representará massa molar), é bastante difícil. Enfim, vê-se o uso de uma única letra para a compreensão de três conceitos básicos (concentração, densidade e molaridade). Essa situação é um tanto embaraçosa para os alunos que não escutam e, além disso, as maiorias das aulas são meramente teóricas e oralizadas, sem qualquer recurso didático para auxiliá-los na compreensão desses conceitos.