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ASPECTOS DA SITUAÇÃO CULTURAL DO BRASIL

Capítulo II

Obstáculos Extraeconômicos à Industrialização no Brasil22

1 – Introdução

O

esforço realizado pelo Brasil, na área da industrialização, merece ser encarado com relativo entusiasmo e fundadas esperanças. Tendo-se em vista a estrutura da economia brasileira e a forma de sua integração à economia internacional, esse esforço patenteia inegável êxito na luta pelo aumento da riqueza, da prosperidade e da emancipação econômica.

Contudo, parece chegado o momento em que se impõe uma alteração radical na estratégia seguida até o presente na organização e na ori- entação das atividades econômicas. É preciso que se aprofunde e se sis- tematize a análise das condições em que se operaram o surto industrial e a expansão das indústrias básicas, com o fito de pôr em evidência a natureza e os efeitos dos fatores que tendem a perturbar o desenvolvi- mento da industrialização no Brasil.

Esse tipo de conhecimento pôde ser neglicenciado, quase sem incon- venientes de ordem prática, nas fases por assim dizer pioneiras da im- plantação de indústrias no país. Várias condições altamente favoráveis, relacionadas com a disponibilidade de capitais e com o aumento positivo ou artificial da procura, permitiram uma exploração eficaz da impro- visação, da experiência rotineira e do oportunismo mais ou menos auda- cioso. Erros graves encontravam pronta correção natural, deixando de refletir-se ou prejudicando de modo brando a vitalidade das empresas. Várias circunstâncias concorrem para manter uma conjuntura

decididamente propícia aos empresários, como seria normalmente de es- perar numa economia em transição para as técnicas empresariais mod- ernas. Mas, ao mesmo tempo, já se fazem sentir novas exigências de or- ganização e de administração das empresas em bases especificamente capitalistas. O progresso na reintegração do sistema econômico, embora lento, tende a impor a observância crescente de normas e padrões de atu- ação econômica de caráter racional. Em consequência, o empresário brasileiro começa a enfrentar a necessidade de tomar consciência mais completa e objetiva da situação histórico-social, bem como da natureza das forças econômicas que nela operam. Os erros de organização, de ad- ministração e de previsão começam a acarretar, com certa aceleração constante, efeitos que não podem ser compensados pelo crescimento rápido e desordenado das empresas. Doutro lado, estas estão exigindo o domínio efetivo das forças econômicas que caem no campo de consciên- cia social dos homens, na economia capitalista, e podem ser manipuladas por eles, dentro de certos limites, por meio de técnicas de controle apropriadas.

Portanto, para tudo dizer com poucas palavras, a figura típica do empresário moderno começa a definir-se como categoria histórica em nossa vida econômica. Isso acontece numa fase em que o espírito pi- oneiro do empreendedor pré-capitalista deixa de ser criador e produtivo em face da complexidade dos problemas a serem resolvidos na esfera da prática. As exigências novas da situação histórico-social impõem modi- ficações que não afetam, apenas, formas isoladas de atuação ou de com- portamento econômico. É o horizonte intelectual do empreendedor que precisa ser alterado, como requisito para a formação de uma mentalidade econômica compatível com o grau de racionalização dos modos de pensar, de sentir e de agir inerentes à economia capitalista.

Dessa perspectiva, é fácil perceber a ligação existente entre o conheci- mento da situação, o comportamento prático dos homens e o grau de

controle social por eles alcançado sobre as forças econômicas do meio so- cial ambiente. Sem tomar consciência prévia das origens, da natureza e dos efeitos dessas forças, os homens são incapazes de submetê-las a al- guma forma de controle social, de evitar suas consequências nocivas e, particularmente, de aproveitar suas potencialidades construtivas. Aqui, é preciso ressaltar, de passagem, que a eficácia prática de conhecimentos dessa espécie aumenta na medida em que se consegue evidenciar quais são as condições e os fatores que interferem no chamado “curso normal” dos processos econômicos, perturbando de maneira determinável a qual- idade de seus efeitos, seu ritmo de desenvolvimento, sua contribuição dinâmica para a integração do sistema econômico etc.

No presente trabalho, pretendemos, tão somente, focalizar alguns as- pectos, mais ou menos conhecidos, das relações entre a estrutura da so- ciedade brasileira contemporânea e a industrialização. Escolhemos, de- liberadamente, as relações que revelam os influxos sociais adversos ao in- cremento da industrialização. As razões impostas acima indicam por que fizemos tal escolha. No estado atual da economia brasileira, interessa- nos, sobretudo, conhecer e intervir nas condições e fatores que possam ser definidos como “obstáculos ao desenvolvimento econômico”. Todavia, reconhecemos, também, que muitas dessas condições tiveram ou ainda exercem influências positivas, na conjuntura econômica brasileira. Nin- guém poderia negar, por exemplo, a importância estrutural e dinâmica das facilidades encontradas pelos empresários na industrialização do Brasil. Parece-nos mais premente, porém, conduzir a reflexão para a outra fonte de influxos que parecem explicar inconsistências e debilid- ades básicas do padrão brasileiro de desenvolvimento industrial.

É claro que nem todas as questões, que estão a exigir análise urgente, puderam ser examinadas. Limitamo-nos a três temas mais gerais e im- portantes, que permitem verificar como condições e fatores extraecon- ômicos, relacionados com a estrutura e a dinâmica da sociedade

brasileira, parecem interferir no processo de industrialização. Esses tem- as podem ser enunciados da seguinte maneira: a industrialização da so- ciedade brasileira; industrialização e subdesenvolvimento; os fatores neg- ligenciados da industrialização. Eles serão discutidos na ordem exposta, com as limitações resultantes da própria extensão da análise.

2 – A industrialização na sociedade brasileira

Vista em relação às bases ecológicas, técnicas e sociais da vida hu- mana no âmbito da moderna civilização ocidental, a industrialização rep- resenta um padrão natural de desenvolvimento. Isso significa: 1º) que ela não é apanágio de nenhuma nação em particular; 2º) que a sua emergên- cia, bem como a sua expansão dependem de mecanismos econômicos, culturais e societários suscetíveis de expressão e de florescimento em quaisquer sociedades de tipo capitalista;233º) que a intensidade com que

ela se manifesta é variável, em virtude do grau de diferenciação e de in- tegração desses mecanismos, o qual é regulado pelas condições histórico- sociais de existência alcançadas em tais sociedades.

Desse ângulo, a industrialização do Brasil não constitui um fato excep- cional ou espantoso. Ao contrário, é um processo que se inclui na ordem das ocorrências normais da evolução social. Enquanto a sociedade brasileira não apresentou condições que permitissem semelhante desen- volvimento, as tentativas prematuras foram selecionadas negativamente. Deram origem a episódios curiosos, que ilustram o arrojo de certas per- sonalidades e o fascínio que sobre nós sempre exerceram as realizações dos “povos civilizados”. No entanto, o problema não era de simples imit- ação. Comprar certas máquinas, instalá-las no Brasil, importar com elas o elemento humano qualificado, dispor e inverter os recursos financeiros imprescindíveis, e tantas outras coisas, não equivaliam a tornar a empresa industrial possível no Brasil. Era preciso que a própria

sociedade brasileira se transformasse, a ponto de converter a industrializ- ação em algo socialmente viável, para que as tendências à imitação con- strutiva pudessem ser aproveitadas de modo produtivo. Por isso, a indus- trialização aparece como valor social, na cena histórica brasileira, por volta de 1850, na era e sob a égide de Mauá; mas, só se transforma em força social quase um século mais tarde! Nesse intervalo de tempo, muitas energias físicas e recursos materiais incalculáveis foram sub- metidos a uma devastação mais ou menos improdutiva, inspirada não raras vezes no afã de fazer do Brasil um “país civilizado”.24

As condições que iriam regular a emergência e o florescimento da in- dustrialização na sociedade brasileira surgiram gradativamente, com certa continuidade mas segundo um ritmo muito lento e heterogêneo. Em termos sociológicos, as origens remotas do processo se encontram na desagregação da ordem social associada ao regime de castas, ao latifún- dio e ao trabalho escravo. Foram os círculos sociais mais diretamente in- teressados na expansão da economia de mercado que se empenharam, simultaneamente, na luta contra o “antigo regime” e por inovações que facilitassem o advento da indústria. Esses círculos eram constituídos por elementos típicos da “cidade” – por pessoas que compartilhavam da con- cepção urbana do mundo, vendo criticamente os interesses e os valores dos senhores rurais brasileiros. Às vezes, essas pessoas estavam presas, por parentesco ou materialmente, à estrutura existente de poder; insurgiam-se ainda assim contra ela por se identificarem moralmente com o cosmo urbano, no qual se representava o regime de trabalho es- cravo como a principal causa da estagnação econômica, intelectual e política do país.

A desagregação do antigo regime favoreceu o fluxo urbano. As cidades perderam o caráter de aglomerações dependentes dos núcleos rurais ad- jacentes e de mero cenário em que se enfrentavam os grandes interesses rurais em pugna. Elas cresceram e ofereceram, onde a prosperidade

econômica secundou este processo, as bases para a diferenciação e a rein- tegração da economia de mercado interna. Nas fases que antecederam ou se seguiram, imediatamente, à desagregação da ordem de castas, escravo- crata e senhorial, a urbanização foi, portanto, o elemento dinâmico que polarizou o desenvolvimento industrial. De um lado, ela contribuiu, po- derosamente, para a cristalização e a divulgação de certas avaliações, que faziam da industrialização um valor central da nova concepção do mundo em formação. De outro lado, ela foi o primeiro agente da diferenciação da economia de mercado, operando-se, através dela, a substituição inicial da produção artesanal pela produção manufatureira de bens de consumo. O desenvolvimento da cidade de São Paulo, entre os fins do século passado e o começo deste século, fundamenta empiricamente ambas as

afirmações.

Se compararmos essas relações entre a urbanização e a industrializa- ção com o que ocorreu em outros países, como a Inglaterra, a Alemanha ou os Estados Unidos, veremos que a situação brasileira nada apresenta de novo no que é essencial. Ela reproduz processos e tendências já estudados pelos especialistas estrangeiros. O aparecimento, o incremento e a diversificação da produção industrial acompanham certas condições da estrutura e da rede de influências da “comunidade urbana”. A indus- trialização aparece, nitidamente, como padrão natural de desenvolvi- mento do tipo de ordem social implantado no Brasil como um capítulo da expansão europeia nos trópicos.

Contudo, existem duas espécies de diferenças fundamentais, de grande importância para a análise sociológica. Primeiro, o que se pode chamar de “antigo regime”, no Brasil, é algo bem diverso do estado de coisas equivalente na Europa. A escravidão, nas Américas, introduziu um fator de regressão na integração do sistema social, transplantado pelos “colonizadores” da Europa. Qualquer que seja a importância que at- ribuamos a essa constatação, o fato é que o ponto de partida típico da

industrialização deixou de ser o mesmo. Atendo-nos à situação brasileira, o desenvolvimento urbano não só era recente, mas restrito, superficial e descontínuo; mal escondia os escombros da ordem rural de que emergira, sendo insuficiente para assegurar as bases de uma economia de mercado capaz de garantir certa vitalidade e integração orgânica às tendências de crescimento industrial. Segundo, o que nos parece ainda mais import- ante, a industrialização adquire, desde o início, o caráter de um processo socioeconômico culturalmente vinculado à assimilação de técnicas, in- stituições e valores sociais importados da Europa, ou, em menor escala, dos Estados Unidos. Essa condição deu origem a “saltos” decisivos na evolução histórica da civilização ocidental no Brasil, sendo o principal fator que explica como e por que não é maior a distância cultural exist- ente entre a sociedade brasileira e os grandes centros produtores daquela civilização. No entanto, as condições econômicas e socioculturais internas não continham elementos que possibilitassem a transplantação literal das técnicas, instituições e valores, pertinentes aos modelos ideais de organ- ização e de exploração econômicas da empresa industrial. Eles foram re- produzidos, mas na escala em que o permitia a situação histórico-social brasileira. Ou seja, passando por processos de reinterpretação e de rein- tegração cultural que acarretaram, em regra: perda da eficácia instru- mental das técnicas; empobrecimento do poder organizatório e dinâmico das instituições; e redução, em superfície e em profundidade, dos in- fluxos morais dos valores no comportamento humano, nos diferentes ní- veis da empresa industrial.

A primeira diferença tem sido mais ou menos reconhecida. Ela precis- ava ser lembrada, em nossa discussão, porque esclarece o hiato existente entre a emergência da indústria e a sua transformação em fator social construtivo. Tomando-se como ponto de referência uma cidade como São Paulo, há um lapso de quase meio século entre as primeiras manifest- ações da industrialização e a atuação dela como uma força social

propriamente dita. Foi principalmente em consequência dos efeitos das duas deflagrações mundiais na expansão da economia interna de mer- cado e de medidas de política econômica, tomadas depois de 1930, que a industrialização passou a exercer influências marcantes no padrão de or- ganização ecológica e nas funções regionais ou nacionais da economia da cidade. Então, em vez de contar como produto dinâmico da urbanização e da especialização econômica de uma comunidade urbana – com efeitos reativos circunscritos na diferenciação e na integração de sua estrutura – a industrialização se inclui entre os fatores permanentes da expansão das funções urbanas e metropolitanas da cidade. Hiatos desse tipo são evid- entes no desenvolvimento industrial de países europeus e no norte dos Estados Unidos. Mais aqui eles abrangem lapsos de tempo bem maiores e, principalmente, não se associam a um padrão semelhante de interação da economia com a sociedade.

Portanto, é legítimo presumir que o ritmo revelado pela industrializa- ção no Brasil foi afetado, negativamente, pelas condições sociais de ex- istência, imperantes na sociedade brasileira, pelo menos durante o primeiro grande surto industrial. Essas condições não foram de molde a favorecer, decididamente, sequer as tendências à industrialização am- paradas pelas transformações de estrutura da sociedade brasileira. As perspectivas de que essa situação se alterará, numa direção mais próxima do que transcorreu na Europa ou nos Estados Unidos, são alimentadas por processos recentes. Eles dão margem à convicção de que, afinal, os influxos da industrialização começam a fomentar condições societárias mais propícias à empresa industrial e às suas funções na vida moderna. Isso não nos obriga, porém, a modificar o raciocínio anterior nem a con- clusão que ele fundamenta, de que a industrialização sofreu uma elabor- ação social no Brasil altamente favorável à contenção das influências que ela poderia exercer, construtivamente, no ajustamento do meio social às exigências da empresa industrial.

A segunda diferença tem sido espantosamente negligenciada, como se o teor racional dos elementos imitados estabelecesse mínimos inevitáveis e satisfatórios de eficácia. Ora, isso não é verdadeiro. O rendimento das técnicas, das instituições e dos valores, na economia como em qualquer outra esfera da vida social, depende do agente humano e das condições em que ele atua socialmente. O fato de a economia brasileira estar in- serida no sistema capitalista, mesmo através dos “produtos coloniais”, garante a presunção de que os incentivos (ou pelo menos certos in- centivos) ao comportamento racional não estavam ausentes em nossa economia pré-industrial. Doutro lado, boa parte da expansão industrial fez-se através da importação simultânea de técnicas, de instituições e de valores com o elemento humano exigido pela situação nova. Isso ocorria em dois casos especiais: a) quando se tratava de atividades produtivas es- pecializadas mais ou menos complexas; b) quando empresas estrangeiras estendiam ao Brasil sua rede de operações. Os dois processos tiveram (e ainda têm) a sua importância no desenvolvimento da industrialização. Contudo, é certo que os elementos racionais, inerentes à economia capitalista pré-industrial, são suficientes à formação do empresário in- dustrial? É verdadeiro que o elemento humano qualificado sempre trazia consigo os conhecimentos fundamentais de sua especialidade? É exato que as empresas estrangeiras conseguiriam reconstruir suas filiais no Brasil segundo os mesmos modelos de organização, de administração e de supervisão mantidos nos países de origem? Essas e outras perguntas encontram a mesma resposta: onde aconteceu o melhor, a improvisação nunca ficou totalmente excluída e várias condições específicas da so- ciedade brasileira permitiram ampla interferência de fatores irracionais na estrutura da empresa industrial. O antigo fazendeiro poderia revelar tino administrativo, capacidade de mando e audácia empreendedora; raramente, porém, não misturaria os negócios da empresa com assuntos privados da família. O técnico estrangeiro podia possuir grande

competência, disciplina de trabalho e imaginação criadora; raramente, porém, teria possibilidade de assegurar condições técnicas e humanas in- dispensáveis à eficiência do seu trabalho ou furtar-se à ambição de propor-se carreiras mais rendosas, para as quais também não estaria pre- parado. A empresa estrangeira podia estar, inclusive, animada de inten- tos altruísticos; raramente, porém, conseguiria prescindir das injunções pessoais, jurídicas e econômicas que “abrasileiram”, estrutural e funcion- almente, mesmo as firmas alienígenas mais rígidas. A moral da história é simples. A racionalização da empresa industrial não pode ser levada além dos limites em que os modelos racionais de pensamento e de ação são ex- ploráveis com eficácia no comportamento cotidiano.

Por aqui se vê que existem inconsistências no seio do sistema industri- al brasileiro, que se explicam através da própria condição humana. O homem é expressão de seu meio social e mesmo quando o ultrapassa cor- responde a algum incentivo de origem ou de consequência sociais. As limitações humanas da economia industrial brasileira são quase todas re- dutíveis a condições ou a fatores que cercam, socialmente, as atividades econômicas. Por isso, as fatalidades que pesam sobre elas são de caráter impessoal e relativo – o que permite dizer que elas são “estruturadas”. Esse fato, que aparentemente justifica apreciações otimistas, torna as coisas bem mais difíceis. A correção das fontes de erro, no plano ou em escala individual, revela-se quase inócua. Para alterar-se a situação, re- sponsável por tais inconsistências, seria preciso dar maior expansão à in- fluência do elemento racional no comportamento humano. Na Europa, por exemplo, isso se processou espontaneamente; o horizonte intelectual do homem foi extensamente modificado pela secularização de atitudes e pela racionalização dos modos de conceber o mundo, processos que ante- cediam ou se desenrolavam conjuntamente com a industrialização. No Brasil, o progresso na esfera da cultura às vezes precede, inapelavel- mente, o progresso simétrico do homem e da sociedade. Trata-se de uma

consequência paradoxal da assimilação de técnicas, instituições e valores por via de difusão e de imitação. Esse fenômeno é patente no caso que es- tamos examinando. A transplantação da empresa industrial está asso- ciada a efeitos da secularização da cultura e da racionalização dos modos de conceber o mundo, que levaram o urbanista brasileiro a valorizar so- cialmente a industrialização e a incluí-la na esfera axiológica de seu pat- rimônio cultural. Esses efeitos, não obstante, mostram-se insuficientes e incongruentes, a ponto de impedir até um aproveitamento mais extenso, rendoso ou profundo dos elementos culturais importados. Na verdade, as coisas não poderiam passar-se de outro modo. A grande revolução social brasileira, que está atrás de ambos os processos, se vem arrastando lenta e descontinuamente, pela desagregação da sociedade patrimonialista e da formação da sociedade de classes. Em consequência, interesses e valores da nova ordem social nem sempre se impuseram claramente, inclusive para os líderes das camadas dominantes, e muitas vezes ainda hoje são toscamente conciliados com interesses e valores da ordem social desa- parecida ou em colapso.25

Apesar das limitações insanáveis da presente discussão, dela podemos tirar duas ilações. Em primeiro lugar, a industrialização brasileira aparece como um produto natural do desenvolvimento da sociedade de massas no Brasil. Mas, por isso mesmo, não chega a contar, senão tardia- mente, com condições societárias essenciais à sua manifestação como um processo social organicamente integrado, contínuo e atuante na diferen-

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