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Aspectos sociais e culturais dos ciganos em Portugal

Alguns desses traços comuns à maioria dos ciganos portugueses são, por exemplo, em termos religiosos, acreditar na vida para além da morte, ter fé em Deus e na Virgem Maria, ainda que o culto predominante na actualidade seja o da Igreja Evangélica Filadélfia - há uma subdivisão entre católicos e evangélicos na população cigana. Em termos de sedentarização, a quase totalidade dos ciganos portugueses adoptou este modo de vida, ainda que alguns experimentem condições habitacionais muito precárias e degradantes, residindo em barracas ou em tendas, sem as mínimas condições de higiene.

Relativamente às habilitações literárias, ainda persiste muito analfabetismo, tendo a maioria dos ciganos portugueses níveis de instrução que não ultrapassam o básico, sendo muito raros os casos de frequência de cursos superiores.

Em termos profissionais, uma grande parte dos ciganos portugueses vive da venda ambulante, sendo esta a profissão predominante entre eles. Presentes desde há décadas em muitas feiras, desenvolveram uma forte aptidão para o marketing e a venda, trabalhando essencialmente por conta própria.

Quanto aos principais traços, ou características culturais comuns aos ciganos portugueses, podemos destacar o papel preponderante que a família assume, pois existe uma forte coesão familiar e um forte desejo e sentido de responsabilidade em preservar o grupo. Nutrem um enorme respeito e carinho pelos mais idosos e pelas crianças e têm uma especial admiração e afeição pela Natureza e pela liberdade, que muito os caracteriza enquanto grupo étnico, e que os distingue da população maioritária.

Em termos artísticos, têm muito enraizada na sua cultura uma forte apetência para a dança e para a música, como se poderá verificar no segundo ponto 2.2.2, revelando-se verdadeiros bailarinos e músicos.

Cabe agora fazer uma breve análise sobre os aspectos etnográficos e antropológicos dos ciganos portugueses. Para tal, baseei-me, essencialmente, na obra de Adolfo Coelho (1995) intitulada ―Os Ciganos de Portugal‖, em que o autor especifica algumas características dos ciganos em Portugal. Este trabalho está dividido em três partes,

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sendo as duas primeiras dedicadas à língua dos ciganos em Portugal, recorrendo o autor à gramática e esboçando um glossário das palavras segundo o dialecto cigano, com tradução para português.

A terceira parte retrata a História e faz o esboço etnográfico dos ciganos de Portugal, sendo traçado um perfil antropológico e etnográfico dos ciganos portugueses, a partir das observações e experiências pessoais de Adolfo Coelho. Para complementar diversos aspectos deste trabalho, recorri a outras obras, a que farei referência ao longo do texto, nomeadamente para desenvolver mais especificamente os seis pontos acerca dos costumes e tradições da cultura cigana em Portugal, comparando-a com a situação observada noutros países europeus.

De acordo com Adolfo Coelho, subsiste alguma dificuldade em delinear e estudar o perfil antropológico e etnográfico dos ciganos, pela simples razão destes manifestarem alguma desconfiança e serem supersticiosos, o que contribui para que, nem sempre seja possível traçar com total veracidade algumas das suas características.

Como refere Maria Manuela Mendes, ―O secretismo que envolve algumas das suas práticas culturais ancestrais é algo que convém reafirmar quotidianamente perante o não cigano‖ (2012: 155).

Perante todo este secretismo, permanece a dúvida relativamente ao que poderá corresponder à realidade e ao que poderá apenas ser um mito na cultura cigana, pois os ciganos procuram assumir, de um forma algo exclusiva e mesmo fechada, o controlo social sobre aquilo que é de facto a sua cultura, entendendo que apenas a eles compete ter mesmos conhecimentos intrínsecos ao grupo.

Isto significa que os que são considerados estranhos à cultura cigana fiquem de fora, sendo excluídos delas, havendo, neste caso, um reforço do fechamento dos ciganos face aos não ciganos.

À semelhança de Olímpio Nunes (1996), para Coelho (1995) os ciganos são identificados como um grupo forte e resistente em termos físicos, que se adapta às condições ambientais mais adversas que possam surgir e que tem uma forte conexão à Natureza, ―Ciganos e ciganas, de aparência juvenil ou decrépita, resistem a grandes marchas, deitam-se e dormem na terra muitas vezes húmida, lamacenta, sem teto‖ (Coelho, 1995: 165).

O reforço da instrução formal pode ser um aspecto a melhorar se for bem trabalhado e incutido desde cedo aos ciganos nacionais, uma vez que estes são maioritariamente analfabetos abandonando desde muito cedo o sistema de ensino para poderem constituir

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família, com destaque para as raparigas. Embora se trate apenas de um apontamento que tem como base uma reflexão pessoal, não queria deixar passar esta questão em branco, pois embora os estudos de carácter etnográfico não sejam muito actuais, reflectem, ainda assim, os tempos actuais, embora se verifique um ligeiro avanço na educação e numa maior permanência dos jovens ciganos portugueses (rapazes e raparigas) no sistema escolar.

Segundo Coelho, ―O cigano tem a paixão do seu modo de vida…‖ (1995: 167), este modo de vida que se liga muito à vida familiar, que é o pilar fundamental em termos de organização social, pelo qual se regem os ciganos.

Embora, na generalidade dos casos, as pessoas não ciganas desconheçam a história da população cigana, existem algumas particularidades desta cultura que, pela força das circunstâncias, acabam por se difundir. Isto decorre de vivermos numa sociedade cada vez mais diversificada culturalmente e em que há um maior contacto entre culturas diferentes, ainda que estejamos a falar de pessoas com a mesma nacionalidade, como acontece com os ciganos portugueses.

É que, relembramos, apesar destes serem detentores de uma cultura que lhes é muito própria, são acima de tudo cidadãos portugueses, desde a Constituição Portuguesa de 1822.

De qualquer forma, o facto de a maioria dos portugueses desconhecer a história da cultura deste grupo étnico, faz com que não consigam compreender algumas atitudes ou normas que norteiam a conduta das pessoas ciganas, o que favorece o aumento do estigma social e do estereótipo, ligado ao preconceito e racismo.

Todos estes elementos juntos funcionam como uma ―bola de neve‖ que vai crescendo, até que um dia acaba por espoletar em conflitos entre ciganos e não ciganos.

Desta forma está patente a ideia de que a cultura dominante se sobrepõe à minoritária, tal como refere Vala (1999:151), baseando-se na tese de Pedersone e Bierbrauer, ―Quando diferentes culturas entram em contacto (…) existe então uma tendência

generalizada para reagir a estas diferenças de uma forma discriminatória, ou seja, os membros do grupo de estatuto mais elevado usam os valores e padrões culturais que os caracterizam para julgar desfavoravelmente os grupos de menor estatuto‖, (2008: 20).

Mas deixemos esta questão ligada à discriminação e à exclusão para o capítulo seguinte, onde se irá dar maior ênfase a este tema.

A principal razão que muitas vezes é apresentada para esta dificuldade em se conseguir conhecer com alguma profundidade a cultura cigana e os seus elementos mais

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característicos, é o facto de os ciganos serem culturalmente fechados em si mesmos e nos seus valores e práticas culturais, que estão muito vincados, resistindo fortemente às práticas e políticas de assimilação.

Contudo, verifica-se uma adopção de alguns caracteres socioculturais da cultura não cigana por parte dos próprios ciganos, nomeadamente ao nível do vestuário, pois há muitos jovens ciganos, quer rapazes, quer raparigas, que se vestem como os não ciganos, substituindo ou mesmo abandonando o vestuário mais tradicional.

Como já foi aqui descrito, a cultura cigana apresenta uma variedade de elementos, como se fosse um mosaico, com diferentes peças, que se interligam entre si de formas diversas, dependendo de região para região e de país para país, por onde os ciganos se foram fixando ao longo do seu percurso histórico, desde o Oriente até ao Ocidente. Assim sendo, muitos desses elementos culturais foram adquirindo ao longo dos tempos diferentes características, evoluindo e moldando-se à cultura da sociedade de acolhimento, como acontece no caso português.

Um dos elementos culturais que será inicialmente descrito corresponde às práticas linguísticas dos ciganos, que se configuram em diferentes dialectos que são falados nas várias regiões de origem e de fixação dos ciganos.

2.2 Aspectos culturais específicos – algumas referências