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2.10 A escavação realizada pela equipe do Setor de Arqueologia do MHNJB/UFMG

2.10.1 Aspectos tecnotipológicos da cerâmica do sitio Florestal I

No sítio arqueológico Florestal I foram coletados um total de 12.972 fragmentos cerâmicos, sendo 8.110 nas fases de prospecção e resgate realizados na obtenção de licenciamento ambiental para construção da UHE- Aimorés e 4.862 provenientes da escavação desenvolvida pelo Setor de Arqueologia do MHN/UFMG.

As informações a respeito do material cerâmico foram retiradas de Baeta & Alonso (2004); Almeida (2007) e Piló (2008). O material cerâmico, de maneira geral, se encontrava bastante fragmentado49, possivelmente devido às perturbações no solo causadas por atividades agrícolas e bioturbações (formigueiros, cupinzeiros, tocas de pequenos mamíferos e raízes). O material era composto principalmente por fragmentos originários de vasilhames, dentre os quais identificaram-se fragmentos de borda, bojo, base, além de apêndices (alças). Também foram identificados calibradores, bolas de argila, um fragmento de “peso de rede” e um fragmento que apresentava dois orifícios em forma de “U”, cuja funcionalidade não foi definida (Figuras 12 e 13).

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As variaçãos mínima e máxima do tamanho e espessura dos fragmentos eram de 0,7 cm até 19,0 cm de comprimento e de 0,4 cm até 3,9 cm de espessura, no entanto, a maioria dos cacos cerâmicos eram de tamanhos reduzidos; poucos foram os fragmentos maiores que 10 cm de comprimento.

A análise dos fragmentos e utensílios cerâmicos evidenciou uma grande variedade na composição de seus antiplásticos, sendo estes de origem mineral e vegetal. Como componentes da pasta, foram identificados: o quartzo, dos tipos hialino e leitoso, em tamanhos variados (na maioria de <2mm a 4mm, mas em alguns poucos casos, chegaram a 1 cm). Este elemento foi identificado em todos os fragmentos analisados da coleção do Florestal I; foram frequentes também o feldspato, o caco moído (chamote) e a mica. Aparece menos o óxido de ferro, a escória de turmalina, sílica, nódulos de argila branca e carvão de origem vegetal. Apresentaremos abaixo os principais tipos de conjuntos de antiplásticos50 observados na pasta. (Tabela 1)

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Foi averiguada a morfologia dos grãos de quartzo, feldspato e escória de turmalina que, em muitos casos, se apresentavam moídos, indicando a possibilidade de terem sido inseridos de maneira intencional. Também são encontrados grãos com aspectos arredondados, que tanto podem ter sido acrescidos à pasta quanto serem componentes originais da argila. No caso da mica, notou-se que em algumas situações este mineral era um componente natural da argila, enquanto em outros serviu como aditivo em forma de pó, ou ainda, em pedaços folheados.

Figura 12 - Fotografia do fragmento

cerâmico. Fonte: Almeida (2007) Figura 13 - Fotografia do calibrador em cerâmica. Fonte: Almeida (2007)

Tabela 1 – Tipo de antiplásticos.

Principais conjuntos de antiplásticos Tipo 1 Quartzo / Feldspato / Mica

Tipo 2 Quartzo / Feldspato / Caco moído

Tipo 3 Quartzo / Feldspato / Mica / Caco moído

Tipo 4 Quartzo / Feldspato / Mica / Caco moído / óxido de ferro Fonte: Almeida (2007)

A principal técnica de manufatura/confecção dos vasilhames cerâmicos foi através do uso de roletes, no entanto, também foi identificada a técnica de modelagem em alguns fragmentos de apêndices (asas), ou ainda o uso conjugado destas duas técnicas em fragmentos de base, onde os roletes eram elaborados sobre uma base previamente modelada. Na coleção foi observada, em sua maioria, esfera redutora51, sinalizando que a queima dos vasilhames pode ter sido realizada em fogueiras abertas. O miolo da pasta apresentava, em sua maioria, coloração acinzentada (clara e escura) ou preta. A presença de fragmentos com esfera oxidada foi pequena e a coloração observada no miolo destes cacos era branca ou creme.

Em relação ao tratamento da superfície, variava desde o alisado regular até o alisado irregular. Para a obtenção de uma superfície altamente regularizada, como foi observado na maioria dos fragmentos, possivelmente foi utilizado alisadores manuais, tais como pequenos seixos, que por seu turno, foram identificados na coleção lítica do sitio arqueológico, ou alisadores de origem vegetal. Os antiplásticos nestes fragmentos de superfície regularizada eram comumente compostos de grãos finos ou médios. Nos fragmentos cujo tratamento superficial era irregular, possivelmente foi utilizado instrumentos de superfície rugosa para o alisamento ou também, em função dos antiplásticos muito aparentes (grãos grossos). Não foi observado nos fragmentos sem decoração, presença de superfícies polidas ou brunidas. Em fragmentos com presença de decoração, foram identificados tipos específicos de tratamento de superfície que variavam de acordo com o tipo de decoração. Nos fragmentos de decoração cromada, foi observada a preferência por um tratamento superficial regular e fino em ambas as paredes e, presença de engobo nas superfícies que recebiam as tinturas ou elementos gráficos. Os fragmentos com

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A queima incompleta com porção reduzida central foi a mais comum; seguida pela queima com porção reduzida interna e externa, respectivamente.

presença de decoração plástica tinham a parede interna com o alisamento regular em todos os casos observados. Não foi possível inferir o tipo de tratamento dado à face decorada, presente sempre na face externa dos fragmentos.

A textura (dureza e compactação) dos fragmentos cerâmicos apresentou-se, em sua maioria, porosa e com distribuição homogênea de antiplásticos no interior. A presença de negativos de bolhas de ar foi identificada em alguns casos e provavelmente eram oriundas do desprendimento de material ou da entrada de ar no interior dos roletes ou entre suas junções. A superfície dos fragmentos cerâmicos, geralmente, apresentava coloração marrom; a cor marrom escura e avermelhada era menos frequente. Foram observadas na coleção fragmentos com decoração crômica e plástica (Figuras 14 e 15), embora a maioria dos fragmentos não apresentasse elementos decorativos, verificou-se a presença de ambos os tipos decorativos em uma mesma peça.

Figura 14 - Fotografia do fragmento cerâmico pintado. Fonte: Almeida (2007)

Figura 15 - Fotografia do fragmento cerâmico ungulado. Fonte: Almeida (2007)

Na coleção foi notada uma grande variedade de tipos de decoração plástica, sendo observada a associação de duas a três variações em um único fragmento. Os tipos mais frequentes eram o ungulado (apresentavam-se de formas alinhadas e/ou não alinhadas, em sentido oblíquo, horizontal e vertical); seguido pelo corrugado, ponteado e inciso. A maioria das decorações plásticas

se situava na parede externa dos fragmentos oriundos do bojo e nos lábios das bordas. A profundidade das impressões decorativas variava desde rasas até as mais profundamente marcadas na superfície. (Tabela 2)

Tabela 2 – Tipo de decoração plástica.

Fonte: Almeida (2007)

A decoração pictórica se apresentou bastante deteriorada ou desgastada e, em muitos casos, de difícil visualização. A coleção apresentou fragmentos com decorações monocrômicas, bicrômicas e tricrômicas. A presença de engobo branco foi frequente e, eventualmente, havia nele algum tipo de sobreposição. O engobo vermelho foi constatado em poucas ocasiões. A quantidade de tipos de grafismos foi variada, sendo possível observar alguns padrões gráficos das pinturas. As tintas pretas ou marrons foram utilizadas para desenhos de traços finos ou em formas de pontos; sugerindo que tenham sido confeccionados com um pincel delicado. Com essas cores, observaram-se desenhos de linhas simples, geralmente paralelas entre si, situadas na maioria dos casos em fragmentos de borda e lábio. Em alguns fragmentos verificaram- se presença de linhas pretas simétricas em forma de labirinto sobre fundo branco. Nos fragmentos de borda prevalecia, frequentemente, a decoração do tipo faixa, de cor vermelha. (Tabela 3)

Tipo de decoração plástica

Ungulado Ungulado/Inciso Corrugado Ungulado/Estriado Ponteada Ungulado/Acanalada Acanalada Ungulado/Escovado Inciso Corrugado/Acanalado Espatulado Corrugado/Espatulado Estriado Acanalado/Inciso Escovado Inciso/Escovado Digitado Ungulado/Corrugado/Inciso Ungulado/Digitado Ungulado/Ponteado/Escovado Ungulado/Ponteada Ungulado/Inciso/Estriado

Tabela 3 – Tipo de decoração pintada. Tipos de decoração pintada

Engobo branco (com ou sem mica) Engobo vermelho

Engobo branco com faixa vermelha

Engobo branco, com traços pretos/marrons paralelos Engobo branco, com traço fino vermelho

Engobo branco com linhas onduladas e pontos pretos

Engobo branco com linhas onduladas, pontos e linhas paralelas Fundo branco, faixa vermelha, traços paralelo

Fundo branco, faixa vermelha, traços finos pretos

Engobo branco, linhas pretas simétricas em forma de labirinto Engobo branco, faixa vermelha, traços finos arredondados Fonte: Almeida (2007)

Um diferencial quanto à cerâmica local foi a presença de mica, tanto como elemento antiplástico presente na pasta, quanto para a finalidade decorativa. Foi observada a ocorrência deste mineral em sua forma in natura em diversos locais próximos ao sitio arqueológico. Em alguns fragmentos há uma grande quantidade desse mineral, principalmente em forma de pó, dando um “efeito purpurina” na superfície do caco. Este efeito era observado tanto no lado interno, quanto no externo da parede, mas em menor quantidade na face interna dos fragmentos sem decoração. Em alguns fragmentos cromados, parece que a mica foi acrescida em forma de pó junto ao engobo branco e este efeito não foi observado nos fragmentos com decoração plástica. Sabe-se que a mica pode ser um componente natural encontrado na argila, no entanto, pode ser o caso de que o acréscimo controlado e intencional do mineral,, com finalidade decorativa da peça.