• Nenhum resultado encontrado

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.3. Aspergillus niger

Inúmeros micro-organismos, incluindo fungos e bactérias, são naturalmente capazes de degradar materiais lignocelulósicos. Estima-se que 1-3% dos genes destes micro-organismos estejam envolvidos na codificação/tradução de proteínas referentes às enzimas hidrolíticas. Contudo, os fungos filamentosos têm maior contribuição na degradação desta biomassa porque são capazes de produzir uma gama maior de enzimas, e em maior quantidade (Dashtban et al., 2009). Além disso, a maioria das enzimas fúngicas toleram temperaturas de até 50°C, sendo ideais para aplicações industriais (Sharma; Kumar, 2013). Os fungos são amplamente distribuídos na natureza e se adaptaram para viver em uma grande variedade de substratos. Desempenham um papel fundamental na degradação da biomassa vegetal e ciclagem de nutrientes, o que implica na sua natural capacidade e variedade de secreção de enzimas hidrolíticas necessárias para realizar a decomposição da matéria orgânica morta (Nitsche et al., 2012). Em consequência, inúmeros coquetéis comerciais para a conversão de biomassa lignocelulósica em etanol são derivados de fungos filamentosos, como por exemplo, o Accellerase da DuPont (Meyer et al., 2015).

Neste cenário, o gênero Aspergillus, um dos economicamente mais importantes, com mais de 250 espécies descritas, tornou-se um dos grupos de fungos mais conhecidos e estudados devido a sua prevalência no ambiente natural, sua facilidade de cultivo em laboratório, versatilidade e alta secreção de metabólitos primários, como ácidos orgânicos e vitaminas, além de metabólitos secundários tais como antibióticos e alcalóides (Tabela 1). Atualmente fungos deste gênero também são muito utilizados como organismos hospedeiros para expressão de proteínas heterólogas recombinantes (Archer, 2000; Nitsche et al., 2012). Contudo, algumas espécies podem ser patógenas oportunistas de humanos, como o A. fumigatus e o A. chevalieri (Vries; Visser, 2001; Gruben; Vries, 2009). Outras são conhecidas por produzir micotoxinas, metabólitos secundários que causam efeitos de hepatotoxicidade, podendo levar a insuficiência renal, como A. flavus e A. parasiticus (Gruben; Vries, 2009; Battaglia

36 et al., 2011). Além disso, espécies do gênero Aspergillus são contaminantes comuns de alimentos ricos em açúcares e crescem dentro ou sobre biomassa vegetal; assim, a maioria delas está adaptada para degradar polissacarídeos complexos.

Tabela 1 – Alguns compostos de interesse biotecnológico produzidos por fungos do gênero Aspergillus e suas aplicações na indústria.

Composto Área de aplicação

Ácido cítrico Indústria alimentícia e de bebida

α-amilase Processamento de amido e indústria alimentícia

Glicose oxidase Biossensor e indústria têxtil

Protease Indústria alimentícia e de detergente

Lipase Indústria alimentícia e de detergente

Xilanase Indústria têxtil, alimentícia, farmacêutica e

biocombustível

Celulase Indústria têxtil, biocombustível e papel

Pectinase Alimentícia e biocombustível

Fitase Produção de ração animal

β-lactâmico Indústria farmacêutica

Catalase Indústria têxtil

Adaptado de Campestrini et al., 2005; Meyer, 2008; Nitsche et al., 2012 e Yan; Wu, 2013.

Durante a última década, o genoma de 23 espécies de Aspergillus relevantes para área médica ou industrial foram sequenciados e publicados, e

estão acessíveis no MycoCosm

(http://genome.jgi.doe.gov/programs/fungi/index.jsf), um portal de genômica de fungos desenvolvido pelo Departamento de Energia Americano Joint Genome

Institute (JGI). Adicionalmente, várias cepas de Aspergillus estão sendo

resequenciadas como, por exemplo, cepas de A. niger que foram transformadas com celulases bacterianas, que são hiper-produtoras de enzimas (Meyer et al., 2015). Além da genômica, outros trabalhos envolvendo outras “ômicas” no âmbito da biologia de sistemas estão sendo realizados, como por exemplo, proteômica, metabolômica, genômica comparativa e genômica funcional (Figura 10). Entretanto, a compreensão sobre o metabolismo de Aspergillus ainda está em seu início (Fiedler et al., 2013).

37

Figura 10. Número de artigos publicados nos últimos anos e disponibilizados no PubMed (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed) sobre Aspergillus utilizando as abordagens “ômicas”. Retirado de Fiedler et al., 2013.

Atualmente, uma das espécies mais conhecida deste gênero é o A. niger (Figura 11), que possui uma grande capacidade de fermentação e altos níveis de secreção de proteínas (Yuan et al., 2008; Bennett, 2010). Ele se destaca como um fungo utilizado na produção de ácido cítrico e glucurônico, bem como diferentes enzimas hidrolíticas e catalíticas que são amplamente utilizadas na indústria, como por exemplo: (i) pectinases, que são aplicadas na produção de vinho e de suco com polpa de frutas, (ii) proteases e catalases, usadas no processamento de alimentos e (iii) hemicelulases e celulases com aplicações na produção de etanol 2G (Gruben; Vries, 2009; Nitsche et al., 2012; Yan; Wu, 2013; Meyer et al., 2015).

Figura 11. Microscopia eletrônica de varredura mostrando o conidióforo do fungo A. niger crescido em colmo de cana por 48 horas. Nota-se o formato arredondado do conidióforo (setas). Foto obtida neste trabalho, utilizando Microscópio Eletrônico Quanta 200 (UNESP, Botucatu), com aumento de 900 vezes.

38 O genoma da cepa A. niger CBS 513.88, utilizada para a produção de glicoamilases industriais, foi publicado em 2007 e alguns anos mais tarde, o genoma da cepa acidogênica ATCC 1015 também foi disponibilizado (Pel et al., 2007; Andersen et al., 2011; Meyer et al., 2011; Meyer et al., 2015). A disponibilização da sequência do genoma não só acelera a descoberta de novos genes, mas também permite estudos focados em genes específicos ou vias de regulação, bem como análises de genômica comparativa (Morgenstern et al., 2014). Neste sentido, utilizando esta abordagem e dados de transcriptômica, foi possível descobrir uma notável diversidade entre as duas cepas de A. niger sequenciadas. CBS 513.88 possui 400 genes únicos, dentre os quais se destacam os genes de duas α-amilases. Ambos os genes se originam de A.

oryzae e foram provavelmente adquiridos através de transferência horizontal.

Além disso, foi verificado que cerca de 4.800 genes são transcritos de maneira diferenciada em cada cepa (com um número similar hiper-regulado em cada cepa), quando cultivadas sob as mesmas condições de crescimento (glicose). Na cepa CBS 513.88 observou-se um maior número de genes relacionados à síntese de aminoácidos sendo transcritos; em contraste, a cepa A. niger ATCC1015 apresentou maior números de genes relacionados ao transporte de elétrons, metabolismo de carboidratos e produção de ácidos orgânicos (Andersen et al., 2011). Este estudo de Andersen e colaboradores demonstrou o poder da análise comparativa das “ômicas” para a identificação de fatores que contribuem para síntese de produtos diferentes em cepas de A. niger. Assim como este, diversos outros estudos estão sendo realizados; entretanto, estima-se que mais de 96% dos genes de A. niger não estão caracterizados (Meyer et al., 2015), o que mostra a necessidade da continuidade e ampliação destes estudos.

A cepa A. niger CBS 513.88, utilizada neste trabalho, possui uma grande capacidade de degradar e utilizar biomassa recalcitrante, comprovado por vários estudos (Delmas et al., 2012; Ries et al., 2013; Pullan et al., 2014). A. niger é um ótimo produtor de celulases e hemicelulases, incluindo pectinases, dentre os quais vários genes estão sendo clonados e caracterizados (Amore et al., 2013). Possui um secretoma mais rico em termos de diversidade e quantidade de enzimas quando comparado com outro fungo muito utilizado em estudos de degradação de biomassa recalcitrante, o Trichoderma reesei (Couturier et al.,

39 2011; Delmas et al., 2012; Ries et al, 2013; Borin et al., 2015). Em relação ao número de enzimas codificadas em seu genoma, a cepa CBS 513.88 potencialmente possui 452 enzimas relacionadas a degradação e modificação de carboidratos (Benoit et al., 2015), um número superior ao T. reesei (Tabela 2). Entre elas, temos quatro genes de celobiohidrolases, cinco endoglucanases, quinze β-glicosidases, cinco genes candidatos a endoxilanases, cinco de β- xilosidadeses e cinco de feruloil esterase, além de outras enzimas e proteínas importantes para a desconstrução da biomassa vegetal (Benoit et al., 2015).

Tabela 2 - Número de genes que codificam à CAZymes encontradas no genoma de A. niger CBS 513.88 e T. reesei. Família CAZy A. niger CBS 513.88 1 T. reesei 2 GH 240 216 GT 118 93 CE 22 75 PL 8 5 AA 64 6

Fonte: 1Benoit et al., 2015 e 2 Levasseur et al., 2013 Schmoll et al., 2016

A produção das enzimas relacionadas a degradação de substrato recalcitrante é um processo bioquímico que demanda alto custo energético, e a transcrição dos genes que expressam estas enzimas é dependente da ausência de uma fonte de carbono prontamente assimilável. Quando o micro-organismo tem disponível uma fonte de carbono de fácil assimilação, como a glicose, ocorre uma repressão da transcrição do sistema enzimático requerido para o catabolismo de carboidratos menos favoráveis, como polissacarídeos complexos. Este processo, conhecido por repressão catabólica, é controlada em sua maioria pelo regulador CreA, pertencente a classe de fatores de transcrição denominados C2H2 type zinc finger, que se liga a sítios específicos (5'-SYGGRG-3') na região promotora do gene alvo, reprimindo sua expressão (Yuan et al., 2008; Mach- Aigner et al., 2012). Ele atua como um repressor catabólico global, responsável por reprimir não apenas genes estruturais que codificam enzimas hidrolíticas, mas também genes que codificam ativadores de suas transcrições, como por exemplo o XlnR (van Peij et al., 1998; Souza, 2013).

40 O XlnR é o fator de transcrição mais intensamente estudado, uma vez que controla positivamente a transcrição de cerca de 30 genes de hemicelulases e celulases (Mach-Aigner et al., 2012; Souza, 2013) tais como: endoxilanases (xlnB e xlnC), β-xilosidase (xlnD), acetil xilano esterase (axeA), α-glucuronidase (aguA), feruloil esterase (faeA) e endoglucanases (eglA, eglB, eglC). Ele também pode estar envolvido na regulação dos genes que codificam a α-galactosidases, β- galactosidases e celobiohidrolases (Gruben; Vries, 2009). Além destes fatores de transcrição, existem outros envolvidos na degradação da biomassa (van Peij et al., 1998; Mach-Aigner et al., 2012), mas o exato mecanismo de atuação dos mesmos não está totalmente esclarecido.

Documentos relacionados