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Aspetos comparativos com a medicina humana

II. Monografia: Mastocitoma intestinal felino

5. Aspetos comparativos com a medicina humana

A presença de quantidades elevadas de mastócitos na mucosa nasal, músculo liso, pele e articulações nos humanos, revela a participação dessas células na rinite alérgica, asma, urticária e artrite220–223. Os mastócitos desempenham um papel danoso em doenças inflamatórias e alérgicas, contudo estas células têm também uma função protetiva relativamente à imunidade inata224.

A forma mais comum de mastocitose em crianças é a mastocitose cutânea difusa, conhecida como urticária pigmentosa113,153,158,225 (figura 13), sendo diagnosticada nos primeiros anos de vida. Caracteriza-se por lesões de hiperpigmentação225,226

macular ou maculopapular múltiplas158,225, que após manuseamento, assume um aspeto de urticária, devido à desgranulação dos mastócitos. Esse fenómeno é denominado por Sinal de Darier225,226. A pele, nas crianças, aparece espessada, com uma coloração amarela, surgindo sobretudo, exageradamente enrugada, na região axilar e inguinal. O prurido intenso e generalizado é comum. Histopatologicamente, verifica-se a presença de densos infiltrados de mastócitos morfologicamente normais, envolvendo toda a superfície cutânea113.

Na maioria das crianças, esta afeção melhora ou resolve-se, quando alcançam a puberdade225,227, sendo geralmente auto-limitante e não progressiva103,158,227. O prognóstico em neonatos com mastocitose difusa cutânea é desfavorável, sendo frequentemente fatal. Este desfecho está habitualmente associado à desgranulação dos mastócitos e à consequente libertação de histamina113.

Este fenómeno está similarmente descrito em mastocitomas cutâneos felinos, sendo que as semelhanças incluem a presença de infiltrado denso por mastócitos na derme, espessamento difuso da derme, com apresentação de rugas exageradas na pele e prurido intenso, desencadeando-se este processo em idades, também, muito jovens113. Foi inclusive, descrita, à semelhança dos humanos, a ocorrência de urticaria

pigmentosa em gatos jovens das raças Sphynx, Himalaya e Devon Rex (figura 14). Esta condição

Figura 13:Mastocitose cutânea difusa em placa, numa criança

(Castells et al., 2011).

Figura 14:Pápulas eritematosas difusas dispersas na região abdominal e inguinal

de um gato Sphynx diagnosticado com urticaria pigmentosa felina (Vitale et al.,

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caracteriza-se pelo aparecimento de erupções maculopapulares pruríticas, ao nível do tronco, membros, pescoço e cabeça, sem identificação de lesões internas. Os mastócitos, neste caso, não formam nódulos na derme, mas sim padrões perivasculares a intersticiais inflamatórios dentro da pele228.

Em adultos, diagnostica-se com maior frequência a forma sistémica de mastocitose153,158. Nestes pacientes, a doença persiste ou progride, caracterizando-se pela presença de lesões papulares, maculares ou placas infiltrativas cutâneas, podendo apresentar envolvimento orgânico e perturbações hematopoiéticas158. Na maioria dos pacientes com mastocitose sistémica, a medula óssea é o local extracutâneo primário afetado pela infiltração de mastócitos. O baço, fígado, trato gastrointestinal225,229, linfonodos e pele227 poderão também ser envolvidos225,227,229. Os mastócitos surgem bem diferenciados, contudo agressivamente infiltrados nos órgãos afetados137.

Os mastocitomas esplénicos, em gatos, apresentam um comportamento semelhante à mastocitose sistémica indolente em humanos, onde mutações cKit estão raramente presentes137. A mastocitose deve ser considerada, embora rara, como um diagnóstico diferencial em pacientes com esplenomegália de etiologia desconhecida229. Sabe-se que os hemocitoblastos normais e neoplásicos se localizam no baço, podendo ser esse o local primário da evolução da doença. Os precursores celulares de mastócitos possuem a capacidade de migração e translocação entre órgãos, podendo por sua vez regressar ao tecidos esplénicos230. A ausência de leões cutâneas, na mastocitose sistémica com envolvimento multiorgânico, está associada a um pior prognóstico227.

A produção aberrante de SCF foi detetada em pacientes com urticária pigmentosa, conduzindo a uma estimulação autócrina do fator de crescimento226, sendo possível a ocorrência de algo semelhante em gatos137. A grande maioria dos casos de mastocitose cutânea encontra- se associada a mutações em Kit231. No caso de urticária pigmentosa, em crianças, não se verificou a presença de mutações nos codões onde haviam sido encontradas mutações em adultos, com a mesma afeção156, podendo ser o motivo do seu comportamento benigno e de regressão espontânea.

Estas mutações estão associadas com o aumento da proliferação celular, induzindo, no caso da mastocitose, a proliferação dos mastócitos152,155,158. Parecem haver semelhanças entre mastocitomas felinos e a mastocitose pediátrica humana, nas mutações de Kit adjacentes à patogenia das mesmas167.

Dentro dos métodos diagnósticos disponíveis, os níveis de triptase devem ser avaliados em todos os pacientes com suspeita de mastocitose, independentemente do grau de severidade. Caso o nível de triptase basal esteja elevado, concomitantemente com o nível de triptase durante um episódio sintomático, a probabilidade de estarmos perante um caso de mastocitose sistémica é elevada232. A triptase pode apresentar valor diagnóstico na mastocitose sistémica, detetando a presença de infiltrados de mastócitos através de anticorpos de triptase. Contudo, a sua

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expressão verifica-se também em mastócitos normais e reativos (não neoplásicos), sendo assim necessária a aplicação de outros exames233.

Não há tratamento que resolva, de forma permanente, as lesões na pele provocadas pela mastocitose cutânea ou sistémica232.

As terapias convencionais, tanto em crianças como em adultos, incluem a interferência com a ativação de mastócitos, recorrendo a agentes como o cromoglicato de sódio72,232, ou através da antagonização dos efeitos dos mediadores dos mastócitos nos órgãos-alvo, administrando antihistamínicos72,153,232, como os antagonistas dos recetores H1 e H2232 ou antagonistas dos mediadores lipídicos72. Podem ainda ser administrados fármacos cuja ação interfira com a proliferação e sobrevivência dos mastócitos, estando englobados neste grupo, os inibidores de tirosina cinase, como o mesilato de imatinib. Este fármaco mostrou efeitos positivos numa pequena percentagem de pacientes com mastocitose sistémica e com mutação em Kit232. Em humanos, a mutação em Kit mais verificada na mastocitose sistémica localiza-se no codão 816 e confere resistência ao imatinib153,205,234.

Em casos avançados de mastocitose sistémica, para controlar a progressão da doença, é habitualmente necessária a realização de terapia citoredutiva153.

Caso ocorra um episódio anafilático, o paciente deve ser imediatamente tratado, com a administração via intramuscular de epinefrina. A difenidramina via intravenosa232 ou glucocorticóides, como a metilprednisolona podem ser administrados, tanto em adultos como em crianças153,232, tendo em atenção que nem todos os pacientes poderão ser sujeitos a glucocorticóides sistémicos, devido aos seus efeitos secundários232.

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