• Nenhum resultado encontrado

Fonte: Rômulo Panta- 2014

Foto 7- Bolo de mandioca produzido pelas mulheres da Reforma Agrária Fonte: Rômulo Panta- 2014

Desse modo, o reconhecimento da pluriatividade como estratégia de reprodução na agricultura familiar passa, necessariamente, pela consideração de que a mercantilização na

agricultura ocorre por meio da externalização dos processos produtivos e de inserção em mercados de trabalho não agrícolas (SCHNEIDER, 2006).

Essa nova caracterização é percebida pelo capital financeiro como uma nova redefinição nas formas de regulação econômica da sociedade no campo, de forma a incorporar novos segmentos sociais produtivos ao mercado. Ou seja, a pluritividade baseada nas atividades não agrícolas são vislumbradas pelo capital financeiro como novas oportunidades de prospecção de negócios.

Na pesquisa realizada no BNB, foi relatado pela assessora de crédito do Crediamigo que a partir do momento que as atividades não rurais foram inseridas no bojo das perspectivas do microempreendorismo, fundamentadas no contexto da pluriatividade, sua carteira foi expandida, visto o sucesso da prospecção de novos negócios nos espaços rurais, considerados por ela lucrativos, tendo em vista o baixo nível de inadimplência.

Não podemos deixar de mencionar nesse processo a importância que também têm os programas institucionais como o PAA32 e o PNAE33 na recriação camponesa dos assentados pesquisados. Com efeito, verificamos que 27% do público pesquisado participam desses programas. Segundo relato dos assentados, a participação nesses programas se constitui como uma importante ferramenta de recriação, tendo em vista a comercialização facilitada, e os preços negociados nela, que segundo os mesmos estão superiores aos estabelecidos no mercado não institucional. De acordo com João Balbino do Assentamento Santa Helena:

(...)se agente cumprir tudo direitinho é bom. Eu vendi para CONAB, um quilo de mandioca a um real. Tá no projeto. Onde eu pego esse preço com os atravessador, hem? Eles vem aqui bota o preço, desconta tudo. Da última vez o quilo ficou a cinquenta centavos. É trabalhar pra eles. (...).

32 Programa instituído pelo Decreto n. 7.775 de 04 de julho de 2012, visa promover o abastecimento

alimentar por meio de compras governamentais de alimentos, inclusive para prover a alimentação escolar nos âmbitos municipal, estadual, distrital e federal, e nas áreas abrangidas por consórcios públicos. (http://www.planalto.gov.br).

33 Programa instituído pela Lei n. 11.947 de 16 de junho de 2009, o PNAE tem por objetivo contribuir, por

meio de ações de educação alimentar e nutricional e da oferta de refeições que cubram as suas necessidades nutricionais durante o período letivo. Os recursos financeiros consignados no orçamento da União para execução do PNAE serão repassados em parcelas aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e às escolas federais pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). (http://www.planalto.gov.br).

Para Pereira da Silva et al. (2013), os referidos programas se constituem como a criação de um mercado institucional que visa a compra de produtos alimentícios de origem da agricultura familiar para formação de estoques estratégicos ou doação à população em situação de insegurança alimentar e incremento da merenda escolar. De acordo com TURPIN (2009,) a merenda escolar acabou por se tornar a maior demandante da modalidade do PAA, um programa que pode ser gerido pela CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento).

Almeida et al. (2006) defendem que políticas públicas como o PAA e o PNAE contribuem com o desenvolvimento local endógeno na medida em que promovem a reinclusão social e econômica dos agricultores familiares quando aumentam seus postos de trabalho e sua renda. Segundo o autor, os produtores que são tradicionalmente descapitalizados, que não têm acesso a ATER (Assistência Técnica e Extensão Rural) de forma suficiente, não contam com grande infraestrutura instalada e tendem a preferir trabalhar de forma individualizada, a partir da participação nesses programas adquirem uma maior capacidade produtiva, tendo em vista o processo contínuo de comercialização direta estabelecida entre eles e as instituições compradoras.

Nesse contexto, compreendemos que a pluriatividade e a recriação via mercado institucional, como o processo “de extração de sobretrabalho camuflado no disfarce da busca de novas alternativas não agrícolas, cujas alternativas justificam os desmontes do trabalho na agricultura” (LUSTOSA, 2012, p. 63).

Para Shineider (2006), este processo pode ocorrer tanto naquelas situações em que os agricultores já estão inseridos em mercados de produtos (no geral ligados à agropecuária), bens e serviços ou em outros em que a integração produtiva é muito incipiente e a venda da força de trabalho passa a ser a principal mercadoria de troca dos agricultores com o mercado. Sobre estas perspectivas nos dedicaremos no próximo tópico.

4.2.1 O processo de recriação camponesa a partir da mobilidade do trabalho

Dentre o conjunto de estratégias de recriação camponesa a partir da pluriatividade no modo de produção capitalista no campo está a venda da força de trabalho. Encontramos esse processo nos três assentamentos pesquisados, processo este que é sucedido de forma combinado com o trabalho agrícola. Ou seja, se caracteriza como uma estratégia de complementação da renda familiar e manutenção da produção nos lotes.

O ingresso dos camponeses no mercado de trabalho assalariado em explorações agrícolas ou não, se deve às condições da estrutura da própria unidade familiar. Nos termos dessa prática, o processo de venda da força de trabalho se dá a partir de dos seguintes aspectos: a) ocorre quando o número de membros do grupo familiar supera a capacidade produtiva do lote, não tendo condições de sobreviver a partir da produção interna; b) ou quando a família é reduzida por migração ou casamento, ficando o chefe da família incapaz de conduzir o processo produtivo sozinho ou com poucos integrantes.

Segundo Chaynov (1981), a família constitui a unidade-chave para explicar o processo de tomada de decisões dos indivíduos no que se refere à produção e à alocação da força de trabalho. Assim, para se compreender o funcionamento das unidades econômicas baseadas em trabalho familiar, torna-se necessário investigar o modo pelo qual as famílias solucionam seus problemas com vistas à manutenção da situação de equilíbrio entre consumo e trabalho, imprescindível para garantir a reprodução social do grupo familiar.

Durante a pesquisa, verificamos que 53% dos lotes dos assentamento pesquisados possuem mais de duas famílias instaladas em um único lote34. A primeira família é representada pela a unidade original cadastrada pelo INCRA e a segunda ou terceira são compostas pelos filhos ou parentes da primeira família, ou seja, os agregados, que por sua vez são desprovidos dos programas destinados aos assentados da Reforma Agrária, mesmo que materialmente representam esse contingente.

Essa situação já tinha sido por nós analisada durante a monografia de conclusão de curso de Geografia, realizada na UEPB (Universidade Estadual da Paraíba) intitulada “Uma análise sobre o processo de trabalho e moradia no Assentamento Santa Helena-

Sapé-PB” (2007). No referido trabalho, tratamos de verificar que os agregados, dado o

tamanho do lote, em média 6,0 hectares, não têm condições de serem absorvidos pelas atividades agropecuárias desenvolvidas nos lotes.

Desse modo, resta para esse contingente social, a migração da força para as periferias das cidades circunvizinhas, o reingresso no processo de luta por terra e por melhores condições de vida, ou ficar nas terras sob a condição de agregados, sobrevivendo a partir da venda força de trabalho. Registramos aqui que o processo da venda da força de trabalho não é realizado exclusivamente pelos agregados, mas concomitantes pelos chefes das famílias no intuito de complementarem os rendimentos da unidade familiar, bem como,

34 Na pesquisa de campo encontramos um lote de 10 (dez) hectares no Assentamento Santa Helena do

Assentado Arthur José de Carvalho, onde se encontrava dezesseis pessoas, distribuídas em quatro famílias, sendo uma família Assentada e as demais agregadas.

reinvestirem no processo produtivo na intenção de obterem resultados mais expressivos e eficientes, constituindo-se como um processo de recriação camponesa. Tais estratégias podem confirmadas nos depoimentos a seguir apresentados:

Eu trabalho alugado no corte da cana é pra manter a casa mesmo. Trabalho quando preciso. (...) Trabalho como cortador de cana, ganho pro produção. Corto mais ou menos oito toneladas por dia. Cada tonelada é oito reais. (...) eu corto para GEASA (...) Mas também trabalho aqui por diária de trinta e cinco, às vez quarenta. (Depoimento do Assentado Severino do Assentamento Rainha dos Anjos).

Trabalho temporário, fichado pela Japungu, no corte, pra ter mais um retorno né! Eu trabalho para conseguir viver aqui (...). Trabalho no período de seis meses, de agosto a fevereiro. (...) Trabalho em vários lugares, onde a usina leva pra cortar. Meu filho também trabalha no corte da Japungu. (Depoimento do Assentado João Barbosa de Melo do Assentamento Rainha dos Anjos).

Do total dos camponeses assentados pesquisados, 70 % complementam suas rendas a partir da venda da força de trabalho. A venda da força de trabalho é realizada em períodos contrários ao período da produção agrícola em seus lotes, ou seja, durante o período de estiagem (entre agosto e fevereiro). Esse processo já tinha sido analisado por Kautsky (1986), sobre a perspectiva do “trabalho acessório”, que se caracteriza pela venda da força de trabalho, cuja renda conseguida é vertida na manutenção da pequena unidade produtiva, nos períodos de necessidades. Ver Gráfico 3:

Gráfico 3 – Sapé: Percentual dos assentados que se assalariam temporariamente

Fonte: Pesquisa de campo Elaboração: Rômulo Panta

A venda da força de trabalho em atividades rurais é realiza pelos assentados tanto no interior dos próprios assentamentos, quando a força de trabalho é contratada pelos próprios camponeses vizinhos, também assentados, durante o processo de produção. Nesse caso:

(...) o camponês-patrão, os demais membros da família e o camponês assalariado estão juntos trabalhando nas mesmas tarefas agrícolas, estão se materializando no mesmo processo de trabalho e se recriando ao mesmo tempo. Por isso, não devemos diferenciar a posição social entre os sujeitos que efetivamente são iguais, dado que o camponês-patrão de hoje poderá ser o camponês assalariado de amanhã (CORREIA, 2011, p. 216).

Nesses casos, a venda da força do trabalho se expressa pelas construções verbais não sendo comum o trabalho com carteira assinada. As contratações se dão em caráter temporário e geralmente ocorrem nas épocas de limpa e de colheita. Assim, a título de citação de valores concretos, mencionamos que os camponeses contratam a força de trabalho por diárias cujo valor varia de R$ 35,00 (trinta e cinco reais) a R$ 40,00 (quarenta reais), segundo o tipo de atividade agrícola desenvolvida, que pode ser no processo do plantio, da limpa ou na colheita.

Contudo, a venda da força de trabalho também é realizada fora dos assentamentos nas usinas de cana de açúcar ou nas fazendas que se localizam nas proximidades, ou mesmo nas cidades circunvizinhas em atividades não agrícolas, realizando um movimento migratório pendular. Quando o trabalhador se assalaria em usinas ou fazendas, o transporte via de regra é feito pela empresa contratante (veja Fotos 8 e 9). “Para o capitalista, a

compra dessa força de trabalho é a compra de uma mercadoria especial, pois é a única capaz de criar mais valor que aquele que ela própria contém” (OLIVEIRA, 1987, p. 61).

Foto 8: Transporte rural circulando no interior do Assentamento Santa Helena, para

Documentos relacionados