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3 OS PROBLEMAS SOCIAIS CONTEMPORÂNEOS E SEUS

3.3 Análise do rendimento crítico da teoria do bem jurídico

3.3.2 O assunto tratado pelos brasileiros

No Brasil, em que pesem os novos contornos dados à teoria do bem jurídico, até mesmo pelos defensores de um conceito pessoal de bem jurídico como o trabalhado por ROXIN, ainda é majoritária a compreensão da teoria do bem jurídico como instituto de controle de legitimidade do poder de punir do Estado,

376

FIGUEIREDO DIAS, Jorge. Direito penal. Parte geral. Tomo 1. São Paulo: RT, 2007. p. 150.

377

Ibidem. p. 152.

378 Ibidem. p. 154. 379

FARIA COSTA, José de. O perigo em direito penal. Contributo para a sua fundamentação e compreensão dogmáticas. Coimbra: Coimbra, 1992. Passim.

compreendendo-se legítimos apenas os tipos penais que apresentem lesão ou perigo de lesão a um verdadeiro bem jurídico.

O apego ao tema, fruto da influência da escola realista italiana, tem feito com que mesmo os mais recentes estudos sobre a questão não admitam exceções ao dogma do bem jurídico, mas, sim, busquem uma conceituação cada vez mais precisa do que deve ser considerado como bem jurídico e, via de consequência, apontem aquilo que é plausível de tutela pelo legislador penal.

Embora dignos de louros, os esforços da doutrina pátria em trabalhar com um conceito de bem jurídico nos moldes citados, sempre atrelado à noção do indivíduo em sociedade, posição essa justificada talvez pela ainda recente história de ditadura vivida no Brasil, encontram-se na contramão dos novos influxos sociais na dogmática penal, não sendo possível negar a necessidade de verificar outros critérios de legitimidade que possam ser trabalhados juntamente com a teoria do bem jurídico, em atenção à ampliação do direito penal a novos campos, sob pena de que tal ramo do Direito se torne tão arcaico quanto os estudos sobre o Direito Romano.

Nesse sentido, BECHARA já destaca em sua obra de livre docência a necessidade de utilização do conceito de bem jurídico atrelado a outros princípios norteadores do Direito Penal para a obtenção de um controle crítico da legitimidade de tal ramo jurídico, haja vista que o bem jurídico, em si mesmo considerado, é hábil apenas a efetuar um recorte negativo de limitação e não a propor uma justificação da intervenção penal381.

Todavia, resta o questionar se a utilização de tais princípios já não se mostraria suficiente para a verificação de legitimidade, prescindindo-se, dessa forma, do conceito de bem jurídico, como propõem os autores que recorrem ao critério de merecimento de pena como fundamento de legitimidade do Direito Penal382.

Fábio Roberto D’ÁVILA compreende como equivocadas posições como a de MANTOVANI, que flexibilizam o princípio da ofensividade, já que, para o autor,

381

BECHARA. Da teoria do bem jurídico como critério de legitimidade do direito penal. p. 388.

382

Como ícone na defesa de tal perspectiva, cite-se: Von HIRSCH, Andrew. Censurar y castigar. Madrid: Trotta, 1998. passim.

essa é reitora de uma hermenêutica constitucionalmente orientada, funcionando, portanto, como importante critério de orientação legislativa383.

Seu reconhecimento como categoria jurídica implica a capacidade de expressar de forma autônoma o desvalor do resultado, entendido como negação da intenção normativa de proteção de um bem jurídico. Somente na presença do desvalor do resultado é que se torna possível falar em desvalor da ação, conclusão essa que coloca o bem jurídico como pedra angular do injusto penal384.

Assim, D’ÁVILA argumenta que os crimes de perigo abstrato, considerados, talvez, um dos maiores vilões da teoria do bem jurídico, não são necessariamente desprovidos de ofensividade385. Deve-se ter em mente a distinção entre reconhecer a ofensividade nos crimes de perigo abstrato e negar a legalidade de muitos crimes assim estruturados na legislação brasileira em decorrência não da ilegitimidade do instituto em si, mas, sim, frente à falta de técnica jurídica do legislador brasileiro e ao descaso de suas produções com as questões relacionadas à validade constitucional.

Paulo Vinícius Spoleder de SOUZA reconhece, numa visão antropocêntrica relacional, a possibilidade de o Direito Penal de hoje atender aos anseios de proteção de novos interesses nascidos com a sociedade pós-industrial. Nesse sentido, reconhece a existência legítima do bem jurídico ambiental, desde que sua tutela encontre justificativa não em um valor ambiental em si mesmo, mas, sim, numa concepção de proteção do meio ambiente voltada para o próprio homem. Ou seja, como uma ideia de responsabilidade do homem para com as futuras gerações386.

Adepto confesso de uma concepção frankfurtniana, Renato de Mello Jorge SILVEIRA argumenta que a tentativa de ser harmonizar o Direito Penal contemporâneo com a necessária proteção de novos interesses, entendidos eses pela tutela de bens difusos, deve-se pautar em uma aplicação efetiva dos princípios político-criminais de subsidiariedade e proporcionalidade do Direito Penal, também no momento legislativo.

383 D’ÁVILA, Fábio Roberto. O modelo de crime como ofensa ao bem jurídico. Elementos para a

legitimação do direito penal secundário In: D’ÁVILA, Fábio; SOUZA, Paulo Vinícius Sporleder de.

Direito penal secundário. Estudos sobre crimes econômicos, ambientais, informáticos e outras

questões. São Paulo: RT, 2006. p. 89.

384 Ibidem. p. 93. 385

Ibidem. p. 94.

386 SOUZA, Paulo Vinícius Sporleder de. O meio ambiente como sujeito passivo dos crimes

Por consequência, isso implicaria uma descriminalização de condutas existentes nessa seara e desnecessárias, sob o aspecto do atendimento ao requisito de dignidade penal.

Na tutela dos novos interesses, entende o autor ser muito mais simbólica do que efetiva a utilização do Direito Penal, razão pela qual sustenta a necessidade de criação de um novo ramo jurídico, o Direito de Intervenção, conforme proposto por HASSEMER, como meio hábil a garantir um melhor trato dos interesses difusos, sem flexibilizar o espírito penal clássico e suas inerentes garantias387.