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A astreinte e os outros meios de coerção

Para a efetivação da tutela inibitória, o Código de Processo Civil prevê, no art. 461, §§ 4º e 5º, que o juiz pode impor multa (astreinte) 69 para a hipótese de descumprimento da ordem, bem como “determinar as medidas necessárias”70 para que se cumpra o que foi ordenado.

Tanto a astreinte como tais medidas necessárias são, na verdade, meios de coerção que visam compelir o ordenado a atender o comando exarado pelo juiz. Todavia, deve-se ressaltar que tais atos têm naturezas distintas.

No caso da multa, a coerção é indireta, porquanto constitui meio técnico utilizado pela jurisdição para forçar a parte a fazer ou não fazer algo, atuando sobre a vontade dela, convencendo-a a adimplir. Deve-se frisar que a astreinte não possui caráter indenizatório, objetivando apenas emprestar força coercitiva à ordem judicial. Segundo entendimento de Arenhart: “a multa coercitiva é, nesse sentido, instrumental, pois visa a dar efetividade à tutela (específica), enquanto a indenização é final, pois representa em si a resposta dada pelo Estado

ao dano experimentado”71

. Na maioria dos casos, a multa coercitiva deverá ser o principal meio utilizado pelo juiz, pois é menos invasiva na esfera de liberdade do ordenado. Contudo, para que a astreinte cumpra o fim a que se propõe – intimidar –, deverá ela ser fixada em um valor que estimule o cumprimento do comando do magistrado, considerando, para tanto, especialmente, a capacidade econômica do sujeito passivo da ordem.

O §5º do art. 461 do CPC (assim como o §5º do art. 84 do CDC) prevê, por outro lado, medidas coercitivas diretas, isto é, hipóteses em que o direito será efetivamente tutelado independentemente da vontade do demandado. Analisando detidamente o mencionado dispositivo legal, conclui-se que o rol das medidas ali elencadas não é taxativo, haja vista a

expressão “medidas necessárias tais como”. Dessa maneira, caberá ao juiz fixar a medida

necessária para dar efetividade ao seu comando.

69

etimologia

70De acordo com a redação do §5º do art. 461 do CPC: “determinar as medidas necessárias, tais como a

imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessária com requisição de força policial”.

71 ARENHART,Sérgio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 354.

Aqui, cumpre destacar, contudo, que a medida de coerção direta deverá sempre ser sopesada pelo magistrado, tendo em vista que se trata de medida mais drástica e invasiva na vida do demandado, razão pela qual somente será cabível nas hipóteses extremamente necessárias, nas quais fique claro que o devedor não irá obedecer a decisão voluntariamente.

Na hipótese de coerção direta, quem, de fato, dá efetividade à ordem exarada pelo magistrado é um auxiliar do juízo ou alguém que receba tal qualificação (v.g. juiz determina que o oficial de justiça interdite um fábrica que está poluindo o meio ambiente). Pela própria natureza de tais medidas, como salientado no parágrafo anterior, elas somente deverão ser utilizadas em caráter excepcional. Cabe apontar aqui que para Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart seria possível como forma de coerção direta até mesmo o uso da prisão. Todavia, cumpre salientar que tal posicionamento não encontra guarida na ordem constitucional pátria que limita a prisão civil às hipóteses de dívida alimentícia e depositário infiel (art.5, LXVII, da CR/88)72. Ademais, o próprio Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário somente permite a prisão civil por dívida alimentar (art. 7, §7), o que já foi inclusive objeto de decisão paradigmática do Supremo Tribunal Federal, dando origem à súmula vinculante nº 25. 73

Ao lado das medidas de coerção direta, encontram-se as de sub-rogação que, apesar da proximidade entre ambas, não se confundem. As medidas de sub-rogação implicam práticas de um fazer que já deveria ter sido observado – todavia quem realiza o ato é um terceiro, no lugar do réu – (v.g. empresa que já tinha o dever de instalar uma tecnologia para que diminuísse o volume do barulho produzido, mas mantém-se inerte), ao passo que na coerção direta não existe esse dever prévio. As medidas de sub-rogação somente serão admissíveis em caso de tutela positiva, uma vez que a negativa pressupõe a infungibilidade da prestação. Além disso, tem caráter acessório e somente deverá ser utilizada quando a multa ou a coerção direta se mostrarem inviáveis.

Assim, assentadas quais são os instrumentos dos quais disponibiliza o magistrado para dar efetividade à sua ordem, cumpre asseverar que, na escolha do meio a ser utilizado, deverá ele se pautar pelo princípio da necessidade, do meio idôneo e da menor restrição. Isso porque a tutela inibitória, em que pese preservar os direitos, não poderá causar prejuízos indevidos ou desproporcionais ao demandado. Consoante ensinamento de Marinoni:

72 Para tais autores, não seria hipótese de prisão civil por dívida, mas sim prisão por crime de desobediência da ordem exarada pelo magistrado. Nesse sentido, também pensam os doutrinadores Kazuo Watanabe e Cassio Scarpinella Bueno.

73STF - Súmula Vinculante nº 25: É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.

a tutela do direito sempre deve ser prestada através de um meio adequado e mais idôneo. Este deverá ser o necessário para a tutela do direito e, ao mesmo tempo, o que gere a menor restrição possível ao demandado. O meio mais idôneo, assim, é

aquele que, além de tutelar o direito, causa menos restrição possível. 74

3.7.1 A tutela inibitória e a exceção ao princípio da congruência

Segundo Portanova75, pelo princípio da congruência: “as partes têm plena liberdade de limitar a atuação do juiz aos fatos e aos pedidos que elas entendem necessários

para compor a lide”. Cumpre frisar que tal princípio decorre, principalmente, dos arts.128 e

460, ambos do CPC.

Em que pese o juiz estar limitado a proferir sua decisão nos limites impostos pelo pedido mediato e imediato, o art. 461 do CPC e o 84 do CDC preveem exceção a essa regra quando admitem que o magistrado pode conceder tutela específica da obrigação ou resultado prático equivalente ao do adimplemento. Ora, com tal autorização, o juiz está legitimado, desde que respeite os limites da obrigação originária, a impor um fazer ou não fazer mais adequado ao caso concreto.

Além disso, os §§ 4º e 5º dos mencionados dispositivos legais permitem ao juiz

fixar multa ou outras “medidas necessárias” de ofício.

Dessa maneira, em se tratando de tutela inibitória o juiz poderá, de acordo com a situação que lhe é colocada, decidir qual é o melhor meio para que se alcance a tutela jurisdicional adequada. Todavia, deve-se frisar que, em razão de tal poder concedido ao julgador, ele deverá observar em suas decisões o princípio da necessidade, o qual se desdobra no princípio do meio idôneo e da menor restrição possível. Comentando acerca do princípio da necessidade, Arenhart e Marinoni afirmam que:

No direito brasileiro não é possível requerer uma tutela inibitória que, muito embora destinada a evitar o ilícito, acabe causando um dano excessivo ao réu. A tutela deve ser solicitada dentro dos limites adequados a cada situação concreta, evitando-se a imposição de um não fazer ou fazer que possa provocar, na esfera jurídica do demandado, uma interferência ‘injusta’, porque excessiva em face da necessidade

concreta da tutela. A inibitória, em outras palavras, deve ser imposta ao réu dentro dos limites necessários à prevenção do ilícito. 76

74

MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual ou coletiva. 4.ed. São Paulo: Editora RT, 2006, p. 239.

75 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.121. 76

MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 443.

Como se vê, a exceção ao princípio da congruência permite ao magistrado procurar a melhor solução para cada caso concreto em que atua, oportunizando-lhe a prestar a tutela, segundo aquilo que lhe fora pleiteado, atentando sempre aos princípios da necessidade e da proibição do excesso.

3.8 Da (im)possibilidade da revisão do valor da astreinte – uma análise da