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5. As maravilhas e os progressos da ciência

5.4 Astronáutica e ciência russa

Um aspecto que chama a atenção é a publicação de artigos sobre as atividades científicas na Rússia. Maurell Lobo afirma que, “desconhecemos por completo o que se passa na União Soviética em matéria de ciência e tudo mais. Porque não recebemos quaisquer publicações de lá, nem tão pouco se chegassem às nossas mãos poderíamos entendê-las na

51 Na década de 1950, as revistas de variedades Manchete e O Cruzeiro, divulgavam notícias acerca da ciência e

contribuíram para influenciar o público na formação de uma mentalidade científica. Durante alguns anos publicaram reportagens sobre a trajetória profissional de Lattes ressaltando a sua contribuição para a ciência brasileira. Ver: ANDRADE e CARDOSO, 2001.

52 Oswaldo Frota Pessoa (1917- ), biólogo, professor e pesquisador, teve participação ativa na produção de livros

didáticos e artigos de divulgação científica. Escreveu para vários jornais e “manteve ao longo de 15 anos no Jornal do Brasil a coluna diária Educação e ensino” (ESTEVES, 2005, p. 78).

língua russa.” Em um período marcado pelo anticomunismo e o Brasil mantendo as relações cortadas com a União Soviética o público tinha grande interesse em saber o que estava acontecendo no campo da ciência soviética. No entanto, Maurell Lobo passa a publicar artigos de origem russa transladados para o francês e posteriormente traduzidos para o português, já em 1954. (CP, 1954, n.64, p.59) Contudo, a publicação de artigos de origem soviética intensificou-se a partir do lançamento do Sputnik53. Como mostra Motta

Na fase compreendida entre os anos 1950 e 1960, as edições comunistas concentraram-se na divulgação e descobertas da ciência soviética. Esse período foi marcado por notável interesse popular em torno das atividades dos cientistas, especialmente no campo da conquista espacial (2005, p. 356-357).

Outras temáticas sobre a ciência russa foram veiculadas na Ciência Popular, totalizando cento e um artigos e notícias (Tabela - 4).

Tabela – Temas dos artigos e notícias

Categoria Astronáutica 19 Tecnologia 14 Física 9 Aeronáutica 8 Energia atômica 7 Medicina 6

Biologia, botânica, fisiologia 5

Ciências sociais 5

Astronomia 4

Ciência como profissão, bio, história da ciência 4

Exploração 3

Eletrônicos, radar, cérebros eletrônicos 3

Química 2

Religião 2

Meteorologia 1

Agricultura 1

Educação 1

Genética 1

Veterinária 1

Total 96

O que percebemos é que não se tratava de divulgar ou promover edições comunistas. O primeiro artigo abordando assuntos acerca da ciência na União Soviética apareceu na edição de maio de 1949. Tratava-se de um artigo54, de autoria de H. J. Muller55, geneticista americano, sobre a teoria de Lysenko, que se opunha a teoria mendeliana. Em uma crítica contundente aos políticos russos e à pesquisa de Lysenko, Muller afirmou que o cientista não obedecia a nenhum método científico, não detinha nenhuma base teórica e por isso não merecia credibilidade. Chama a atenção o fato de Maurell Lobo emitir comentários ao final do artigo. Ele utiliza as palavras de outro cientista americano para demonstrar ao leitor o quanto se deve estar atento antes de omitir uma opinião a respeito de questões controversas. Apesar da pretensa imparcialidade, ele afirma que Lysenko, se tornou fundamentalista, pois negou a ciência para “seguir” o comunismo. Afinal, Lysenko estava a seguir as palavras de Lenine, Marx e Stalin; verdades reveladas. (CP, n.8, maio 1949, p.9). O que observamos é a sua tentativa de demonstrar que, o cientista ao se envolver ideologicamente na política, tende a se afastar dos objetivos primeiros da ciência e deixa de ser “cientista”.

De modo semelhante, o estudo de Esteves, analisou a posição de Frota-Pessoa sobre o papel de Lysenko na controvérsia da teoria genética. O que nos faz refletir se essa não era uma visão compartilhada do imaginário científico do período ao conceber a ciência como neutra, livre de valores, a serviço do bem-estar da humanidade e baseada em fatos.

Ele (Frota-Pessoa) não hesitou em mostrar que alguns cientistas eram movidos por interesses políticos ou ideológicos muitas vezes condenáveis. Nesses casos, no entanto, procurava refutar a obra desses cientistas

54

A destruição da ciência pela URSS. (CP, n.8, mai, 1949, p.9).

fundamentando-se em argumentos científicos, sem desqualificá-los pessoalmente. (2005, p. 120)

Embora a produção editorial comunista no Brasil estivesse ativa durante o período de circulação de Ciência Popular, em nenhum momento houve publicação oriunda de editoras com vínculos comunistas. O diretor geral teve oportunidade de publicar matérias científicas soviéticas oferecidas pelo Sr. Calvino Filho. Como afirma Motta (2005, p.347), José Calvino Filho, proprietário de uma “pequena editora de esquerda” “publicou os livros dedicados à URSS de maior sucesso de público e vendagem no Brasil”. (idem) Todavia, mesmo afirmando ter aceitado a colaboração de Calvino Filho (CP, n.45, jun, 1952, p. 13), Maurell Lobo apenas começou a publicar artigos sobre a ciência soviética a partir de 1955, em sua maioria das agências “United Press,” “Tass56” e “Trans Press”.

Estar “em dia com as ciências na União Soviética”, título da edição temática de outubro de 1959, significava acompanhar mais de perto os avanços tecnológicos russos para posterior comparação aos dos americanos. É importante ressaltar que o período em questão se trata de um momento político de grande tensão mundial conhecido com Guerra Fria liderado pelos EUA e URSS. A Guerra Fria impulsionou enormemente o desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Sob a ameaça constante de um país sobrepujar o outro, estabeleceu-se uma corrida sem precedentes em todos os campos do conhecimento.

Sem dúvida, a década de 1950, foi palco de importantes transformações na área tecnológica em conseqüência da Guerra Fria, mas o lançamento do satélite artificial Sputnik no dia 4 de outubro de 1957, desencadeou uma série de artigos na mídia e gerou um clima de expectativa em todo mundo. Como aponta Motoyama (2004, p.311), “em particular, nos Estados Unidos, o evento provocou medo, espanto e histeria”. A revista Ciência Popular deu atenção especial ao evento. No mês seguinte ao lançamento publicou artigos que detalhavam e explicavam o funcionamento do satélite.

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A TASS foi uma agência de distribuição de notícias soviéticas e tinha o caráter de passar as informações oficiais do Estado.

A posição da revista era bastante clara na intenção de publicar artigos e notícias sobre a ciência e cientistas da União Soviética. Parece-nos que não procurava incentivar em seu público leitor um sentimento hostil ou favorável ao comunismo. Ciência Popular expôs a sua visão a respeito, demonstrando uma concepção de ciência que se apresentou coesa ao longo da publicação, o progresso científico em prol da humanidade:

Todos os homens de cultura precisam unir-se e procurar convencer os norte- americanos e os russos que, em vez de eles tentarem a hegemonia da Terra para a sua política, a sua economia e a sua religião através de um potencial bélico incomensurável, devem conjugar esforços em torno de objetivos verdadeiramente nobres, úteis para a Humanidade [...] Tanto mais que, colaborando entre si e contando com a cooperação entre si e contando com a cooperação dos peritos de outras origens, poderão fazer progredir a Ciência e Técnica com muito maior rapidez [...] (CP, n.121, out. 1958, p.20).