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(22): “...faço instalação lá... a... a que eu gosta/ ATÉ hoje a que eu aprendi... sei fazer melhor... é a instalação de... de três pontos de luz com um interruptor de duas seções... faz várias emendas... né?” (D&G, informante de segundo grau)

Em (22), a própria presença de um adjunto adverbial de tempo (“hoje”) evidencia o caráter temporal da sentença. O item até vem indicar um limite em relação a esse tempo. Na verdade, a expressão “até hoje”, é bastante usual em contextos em que se quer dizer que, desde algum tempo até o presente momento, ocorre (ou deixa de ocorrer) alguma ação. Da mesma forma que, no exemplo (22), o informante diz que o que ele aprendeu até hoje

foi “a instalação de três pontos de luz com um interruptor de duas seções”; ele poderia ter dito que até hoje não aprendeu outra instalação que não essa. O uso de até hoje, em geral, mostra algo permanente que se vem tentando realizar e ainda não se conseguiu (“até hoje espero pelo seu telefonema”, “até hoje não aprendi a dançar tango”, “até hoje não esqueci aquela noite”...).

(23): “... depois lava... aí põe o óleo na frigideira... deixa ficar lá... um tempo... e depois põe a batata frita lá dentro... e espera... ATÉ ela ficar boa...” (D&G, informante de segundo grau)

O exemplo (23) representa um tipo de texto em que é muito comum o uso do item até com idéia de limite temporal: a receita. Geralmente, no “modo de preparo” das receitas é muito fácil encontrar idéias de limite, ou seja, até quando se deve realizar um procedimento e o momento de passar para outro. A principal diferença deste uso é que o até encabeça uma oração reduzida de infinitivo (“até ela ficar boa”), mostrando que a preposição pode funcionar como conector oracional.

(24): “Logo após a batida começou a juntar um monte de motoristas de táxi querendo intimidar o Alexandre, ATÉ que chegou um carro da polícia” (D&G, informante de terceiro grau)

Em (24), a preposição até não aparece sozinha, mas sim como parte do que a GT chama de locução conjuntiva. O grupo até que (preposição até + conjunção que) funciona como conector oracional e introdutor de uma oração subordinada adverbial temporal. A oração, aqui, diferentemente de (23), é desenvolvida (“até que chegou um carro da polícia”). Como se poderá comprovar mais adiante (cf. capítulo 5), o item até, em casos como este, realiza importante papel de transpositor oracional.

É evidente que, nos três exemplos deste grupo, o até tem a função de marcar um limite no tempo, menos concreto que o limite espacial, mas bastante claro ainda.

Ao desempenhar esta função, o item até pode se unir a um advérbio de tempo (como hoje, no exemplo 22), a uma oração reduzida (como no exemplo 23), ou mesmo formar uma “locução conjuntiva” com a conjunção que (como no exemplo 24). De toda forma, o até vai indicar um limite máximo no tempo, funcionando como uma preposição, um item relacional, assim como no grupo I.

Como preposição, o até assume as características próprias desta classe. Ao observar a definição de preposição a seguir, fica claro que é próprio da classe das preposições o comportamento exercido pelo até dos grupos I e II:

... palavra invariável, cujo papel é o de ligar um constituinte da frase a outro constituinte ou à frase toda, indicando, eventualmente, uma relação espaço- temporal. Essa relação é denominada regência: as preposições traduzem, pois, relações gramaticais e espaço-temporais. (Dubois et alli, 2004:483)

Assim sendo, nota-se que, ao assumir noções espaço-temporais, o item até representa um caso prototípico do que se chama tradicionalmente de preposição.

Antes de se iniciar a análise dos exemplos dos grupos III e IV, cabe uma explanação acerca das noções de operador argumentativo e marcador discursivo.

Segundo Martelotta (1996: 194), “operadores argumentativos são elementos que, além de desempenhar funções de caráter basicamente gramatical, dão uma orientação argumentativa ao discurso”. De acordo com Anscombre & Ducrot (1976), alguns dos principais autores da Semântica Argumentativa, os operadores argumentativos são elementos gramaticais que têm como função indicar a força argumentativa dos enunciados e a direção que devem tomar, bem como encadeá-los, formando textos. Sendo assim, eles

constituem uma relação direta entre a língua e o discurso, uma vez que são elementos gramaticais que funcionam como orientadores discursivos.

Há uma infinidade de classes que podem funcionar em determinado contexto como um operador argumentativo, dentre as quais se destacam as preposições. Em diversos contextos em que elas seriam classificadas como palavras denotativas pela gramática tradicional, os estudos mais recentes mostram que, na verdade, seu verdadeiro comportamento é o de operar uma orientação argumentativa no discurso, como Martellota (1996: 194) bem define.

A maioria dos exemplos recolhidos a partir dos corpora da dissertação em questão representa este uso. Dentre eles, os mais freqüentes são os casos em que a preposição até passa a funcionar como o que Koch (2003: 31) classifica como “operadores que assinalam o argumento mais forte de uma escala de orientação no sentido de determinada conclusão”. A autora exemplifica este grupo com até, inclusive, mesmo e até mesmo.

Segundo Martelotta (1996: 195), tanto operadores argumentativos quanto marcadores discursivos operam no nível do discurso. Para ele, qualquer elemento de função textual cumpre sempre uma função orientadora da interação. O que os diferencia é que os marcadores discursivos “estão mais ligados ao processo da discursivização, uma vez que assumem funções mais voltadas para a orientação da interação”.

Pretende-se, aqui, traçar uma escala de usos do até em direção a uma sempre maior abstratização. A escolha desta nomenclatura se deu pela grande proximidade com o discurso que tem o item até. Já que os marcadores discursivos resultam de uma trajetória de discursivização, nada melhor do que convencionar que o último grupo do processo contenha itens caracterizados como tal, visto que, desde o princípio, propôs-se traçar uma trajetória a partir da metáfora ESPAÇO > TEMPO > TEXTO.

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