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Atenção Básica e o cuidado à saúde

A expressão “Atenção Básica à Saúde” foi empregada pelo Movimento Sanitário Brasileiro, buscando uma diferenciação ideológica do modelo reducionista de atenção primária implementado no Brasil, que não seguiu a concepção integral presente na declaração de Alma- Ata9 e ofertava um sistema de atendimento restrito e seletivo ao invés de um sistema público universal, embasado por uma concepção de cidadania ampliada (GIOVANELLA, 2018).

A Atenção Básica no Brasil é definida como (BRASIL, 2012, p. 19)

[...] um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, redução de danos e a manutenção da saúde com o objetivo de desenvolver uma atenção integral que impacte na

9 A Conferência Internacional sobre Atenção Primária em Saúde, em Alma-Ata (1978), organizada pela

Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF), foi um marco mundial para a atenção primária. A concepção de atenção primária à saúde na declaração de Alma-Ata contempla três componentes essenciais: acesso universal e primeiro ponto de contato do sistema de saúde; indissociabilidade entre a saúde e o desenvolvimento econômico-social, reconhecendo-se os determinantes sociais; e participação social (GIOVANELLA; MENDONÇA, 2012).

situação de saúde e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes de saúde das coletividades.

A Política Nacional ainda afirma que a Atenção Básica

Deve ser o contato preferencial dos usuários, a principal porta de entrada e centro de comunicação da Rede de Atenção à Saúde. Orienta-se pelos princípios da universalidade, da acessibilidade, do vínculo, da continuidade do cuidado, da integralidade da atenção, da responsabilização, da humanização, da equidade e da participação social. A Atenção Básica considera o sujeito em sua singularidade e inserção sociocultural, buscando produzir a atenção integral (BRASIL, 2012, p. 19).

A Estratégia de Saúde da Família (ESF) é o modelo assistencial adotado pelo Ministério da Saúde, desde 1994, tendo iniciado como Programa Saúde da Família (PSF). Fundamenta-se no trabalho de equipes multidisciplinares e desenvolve ações de saúde a partir do conhecimento da realidade local e das necessidades de sua população.

O modelo da ESF busca favorecer a aproximação entre a Unidade de Saúde e as famílias, promover o acesso aos serviços, possibilitar o estabelecimento de vínculos entre a equipe e os usuários, pela via do cuidado longitudinal, e aumentar, por meio da corresponsabilização da atenção, o potencial de resolutividade dos problemas de saúde mais comuns, produzindo maior impacto na situação de saúde local.

A implantação da ESF no município de São Paulo teve como marco o projeto Qualidade Integral em Saúde (QUALIS), iniciado em 1996, com uma experiência local, no extremo leste da cidade, por meio da parceria entre Ministério da Saúde, Secretaria de Estado da Saúde e duas Organizações Sociais de Saúde (OSS). No entanto, a implementação do SUS no município foi bruscamente interrompida pelas gestões de Paulo Maluf e Celso Pitta, que mantiveram o modelo centrado no cuidado médico imediato e em consultas individuais, descaracterizando as ações da Atenção Básica, com o Plano de Atendimento à Saúde (PAS), apresentando poucos resultados no que se refere à melhora nos índices de saúde.

Foi somente em 2001, com a municipalização do Sistema de Saúde, que as equipes do QUALIS passaram para a gestão da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e foi implantado o Programa de Saúde da Família (PSF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), por meio de convênios firmados com instituições da sociedade civil10.

10 Disponível em:

http://www.capital.sp.gov.br/cidadao/saude-e-bem-estar/melhorias-na-saude-municipal/estrategia-saude-da- familia-esf. Acesso em: 20 nov. de 2019.

O PACS foi criado em 1991 pelo Ministério da Saúde, e a profissão foi regulamentada em 2002 (lei 10.501). O Agente Comunitário de Saúde (ACS) é um profissional escolhido no interior da própria comunidade para atuar com a população, fortalecendo os elos entre comunidade e serviço de saúde. Conforme a PNAB (2012), além de cadastrar as famílias da sua área de abrangência e orientar quanto aos serviços disponíveis na Unidade, os ACSs devem: programar, em conjunto com a equipe, visita domiciliar a todas as famílias e indivíduos sob sua responsabilidade, considerando os critérios de risco e vulnerabilidade, de modo que famílias com maior necessidade sejam visitadas mais vezes; desenvolver atividades de promoção da saúde, de prevenção das doenças e agravos e de vigilância à saúde, por meio de visitas domiciliares e de ações educativas individuais e coletivas nos domicílios e na comunidade.

Em São Paulo, cada equipe de ESF é composta por um médico, um enfermeiro, dois auxiliares de enfermagem e quatro a seis ACS. Nessa composição, também estão previstas equipes de saúde bucal com dentista, auxiliar e técnico de saúde bucal.

Com vistas a ampliar a abrangência e as ações oferecidas pela Atenção Básica, foi criado, em 2008, o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), composto por profissionais de diferentes áreas do conhecimento, buscando contribuir para a maior integralidade nos cuidados à saúde. Atualmente os Núcleos são regulamentados pela portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011.

Conforme a Política Nacional de Atenção Básica (BRASIL, 2012), são exemplos de ações de apoio desenvolvidas pelos profissionais dos NASF: discussão de casos, atendimento conjunto ou não, construção conjunta de projetos terapêuticos, educação permanente, intervenções no território e na saúde de grupos populacionais e da coletividade, ações intersetoriais, ações de prevenção e promoção da saúde, discussão do processo de trabalho das equipes etc.

Segundo informações do site da Prefeitura de São Paulo11, até 2010, o município tinha cobertura de 43,3% de ESF, sendo este o último dado oficial encontrado nessa plataforma. No ano em que a pesquisa foi realizada, 2018, segundo dados fornecidos pelas Supervisões Técnicas de Saúde, o território de M’Boi Mirim já tinha implantado em 100% das Unidades

11 Disponível em:

http://www.capital.sp.gov.br/cidadao/saude-e-bem-estar/melhorias-na-saude-municipal/estrategia-saude-da- familia-esf. Acesso em: 11 jan. de 2020.

Básicas esse modelo de Atenção Básica; em Capela do Socorro a ESF estava presente em 90% das Unidades.

Por ser definida como a principal porta de entrada e ordenadora do cuidado na Rede de Atenção à Saúde (BRASIL, 2012), a Atenção Básica possui um lugar estratégico no acesso aos usuários. A proximidade com a comunidade, bem como o caráter longitudinal de cuidado às famílias possibilita maior vínculo com os usuários e conhecimento sobre necessidades específicas de cada região. Por esse motivo apresenta-se com grande potencial para o enfrentamento da violência e para as ações de promoção de saúde.

CAPÍTULO 4

OS NÚCLEOS DE PREVENÇÃO DE VIOLÊNCIA E A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA NAS UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE

Neste capítulo, o olhar está centrado sobre o que emergiu nas entrevistas realizadas, aspectos que nos parecem relevantes na condução da implantação e implementação de políticas voltadas ao enfrentamento da violência na Atenção Básica à Saúde. O olhar está orientado pelos referenciais teóricos apresentados, considerando aspectos das subjetividades dos sujeitos e as estruturas institucionais, dialeticamente constituídos. A discussão articula as demandas que se apresentam no âmbito técnico-assistencial com o que está prescrito nas leis e normas, âmbito jurídico-político, considerando os referenciais, conceitos, valores e ideologias que atravessam as práticas e estão inseridas nos âmbitos teórico-conceitual e social-cultural.

As leituras das entrevistas revelaram alguns temas em comum – cenas de um cotidiano que se repete nas Unidades, desafios que os profissionais compartilham e que revelam fragilidades tanto na dimensão da micropolítica quanto da macropolítica. A percepção dos profissionais sobre as violências, as condições institucionais para lidar com essa problemática e as variáveis envolvidas para a efetivação da política são expostas e analisadas.

Dessa forma, inicio a discussão sobre a implementação dos NPVs trazendo a maneira como os profissionais percebem e nomeiam as violências com as quais precisam lidar em seu dia a dia. Em seguida, discuto a maneira como a prevenção de violência é vista pelos trabalhadores e gestores, considerando que essa é uma das ações a serem executadas pelo Núcleo e, em seguida, os desafios colocados para as ações de enfrentamento nos territórios e a consolidação dos Núcleos nas Unidades. Na última parte deste capítulo, apresento os avanços obtidos desde a publicação da portaria nº 1300/2015/SMS.G, de 15 de julho de 2015.