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3. PERSPECTIVAS SOBRE O CUIDADO À SAÚDE DAS PESSOAS EM

3.3. ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

Em relação à busca por esses direitos por meio de serviços disponíveis para atenção e cuidado da população em geral, insere-se a APS como rede primária de acesso aos cuidados em saúde. Prioritariamente, o conceito de APS se refere ao "conjunto de ações de caráter individual ou coletivo situadas no primeiro nível de atenção dos sistemas de saúde e voltadas para a promoção da saúde, a prevenção de agravos, o tratamento e a reabilitação" (ZOBOLI e FORTES, 2004, p.1690).

Sobre esse conceito adotado de cuidados primários de saúde pode-se dizer que se trata de uma proposta racionalizadora, mas, sobretudo, política que prioriza ao invés de uma tecnologia sofisticada de grandes corporações uma tecnologia simplificada, de “fundo de quintal” (SCLIAR, 2007).

Esse quintal pode ser associado ao próprio território adscrito em que estão as populações atendidas pelos serviços de saúde, o qual pode ser entendido em sua complexidade como “local construído historicamente e onde ocorrem as relações de vida e de trabalho da população que se apropria dos valores simbólicos destas relações e que ao mesmo tempo é considerado como local de ações políticas” (MORAES e CANÔAS, 2013, p. 52). Além disso, o conceito e a prática atribuídos ao território e à prática de territorialização na APS são essenciais para efetivação das ações de saúde (PEKELMAN, 2008).

Está previsto pela Política Nacional da Atenção Básica (PNAB) que a APS se propõe ao “exercício de práticas de cuidado e gestão, democráticas e participativas, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas a populações de territórios definidos, pelas quais assume a responsabilidade sanitária, considerando a dinamicidade existente no território em que vivem essas populações” (BRASIL, 2012, p.19). A APS representa o primeiro contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde em que os cuidados são levados aos lugares onde as pessoas vivem e trabalham, sendo um elemento de um continuado processo de assistência à saúde (OPAS/OMS, 1978).

Na APS existe uma proximidade inerente ao processo de cuidado com os usuários e seus territórios e o modo como essas vidas se organizam, sendo a partir dessa aproximação que se torna possível a identificação de problemas que interferem no processo saúde-doença- cuidado e cujo enfrentamento depende da intersetorialidade (BRASIL, 2014, p.95). Tal nível de atenção deve ser o contato preferencial dos usuários, a principal porta de entrada e de comunicação com toda a Rede de Atenção à Saúde (RAS), sendo a Estratégia de Saúde da Família (ESF) a principal estratégia de configuração da APS e também ordenadora da atenção (MATTA e MOROSINI, 2009). Além da ESF, a PNAB regulamentada pela portaria nº 122, de 25 de Janeiro de 2012, ratifica a inclusão da atenção para a população de rua com CnaR, ampliação do número de municípios com Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) e a criação de UBS Fluviais e ESF para as Populações Ribeirinhas.

A articulação que se faz necessária entre as equipes da APS – para cumprir com a sua proposta de resolutividade – está diretamente ligada à concepção de integralidade. Essa se dá a partir da adequação entre as equipes que se baseiam nas demandas e necessidades de saúde da população, procurando abranger suas ações, contando com a ampliação oferecida por equipes de apoio e articulações com outros pontos de atenção da rede para continuidade do cuidado (BRASIL, 2014, p.17).

Dentro dessa lógica, um importante atributo da APS a ser destacado para a discussão desse estudo é o de “primeiro contato”, o qual se refere ao acesso e à utilização do serviço de saúde para cada novo evento de saúde ou novo episódio de um mesmo evento, considerando como porta de entrada o serviço identificado pela população e a equipe como o primeiro recurso de saúde a ser buscado quando há uma necessidade/problema de saúde (CONASS, 2007). Ou seja, é nos serviços da APS que se espera que as pessoas – quaisquer que elas sejam e independente de suas demandas – sejam acolhidas em um serviço que voltado para essa “livre iniciativa”. Tendo em vista que utiliza tecnologias de cuidado variadas para auxiliar no manejo das demandas e das necessidades de saúde do território, se atentando para critérios de risco, vulnerabilidade, resiliência e a premissa de acolher qualquer demanda, necessidade de saúde ou sofrimento (BRASIL, 2012, p. 19). Sendo assim, a organização dos processos de trabalho na APS opera por meio das diretrizes do acolhimento e vínculo em que a equipe multiprofissional se responsabiliza pelo seu cuidado (FRANCO e MAGALHÃES JUNIOR, 2004).

Com essa composição, atributos e objetivos, a utilização da APS no sistema de saúde brasileiro melhorou consideravelmente desde a criação da ESF, tanto pela ampliação do acesso das populações aos serviços como pela disponibilização de maiores ações de promoção, prevenção e tratamento; todavia, existem muitos desafios para alcance da equidade e melhores resultados da saúde como: a valorização da APS na RAS, o aumento de sua resolutividade e o cuidado de enfocar as necessidades em saúde da população (CONASS, 2007). Complementarmente a essas pontuações estão os desafios apontados por Motta e Siqueira- Batista (2015, p.202): “o desafio de compreender e praticar a integralidade na APS; o desafio da valorização e adequação do perfil dos profissionais/trabalhadores da ESF; a formação, a inserção e a práxis do agente comunitário de saúde; a dificuldade de trabalho em equipe nas unidades da ESF”.

Mesmo com esses desafios são perceptíveis os impactos da APS na saúde da população atendida. Como amostra desse fato estão quatro indicadores que foram avaliados para a Política Nacional de Atenção Básica e o Pacto pela Saúde em um estudo realizado em 2008:

[...] média anual de consultas médicas por habitante nas especialidades básicas; proporção de nascidos vivos de mães com quatro ou mais consultas de pré-natal; razão entre exames citopatológicos cervicovaginais em mulheres entre 25 e 59 anos e a população feminina nessa faixa etária; cobertura vacinal da terceira dose de tetravalente em menores de um ano de idade (BRASIL, 2008, p 13).

Esses indicadores foram colocados em análise e revelaram pouco sobre ações coletivas realizadas pelas equipes e não refletiram a integralidade da atenção, mas são importantes para avaliar áreas estratégicas da APS e para a tomada de decisão, além de que a variabilidade dessas situações indica um amadurecimento dos sistemas municipais de saúde e sua adaptação às políticas e normas (BRASIL, 2008, p.123).

Nota-se o destaque da APS como elemento norteador de análise capaz de identificar os fluxos presentes na RAS “definida como arranjos organizativos de ações e serviços de saúde, de diferentes densidades tecnológicas, que integradas por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, buscam garantir a integralidade do cuidado” (BRASIL, 2010). Essa rede apresenta muitas evidências de sua resolutividade, apesar das limitações, sendo a APS um local privilegiado para o exercício do cuidado e da regulação do acesso, com destaque para a microrregulação, referente às decisões profissionais e à priorização de casos a partir de suas análises; portanto, a resolutividade está atrelada ao vínculo construído, ao suporte e articulação de rede (BRASIL, 2014, p. 93). Esses são argumentos que estão relacionados às respostas sobre a problematização da efetividade e ao alcance da rede primária de cuidados à saúde por meio das estratégias, dispositivos, serviços e normas que a compõem na medida em que “nos serviços de saúde há uma multiplicidade de redes operando em conexões entre si, em diversas direções e sentidos, construindo linhas de produção do cuidado” (FRANCO, 2006, p.2).

As linhas de produção de cuidado são de extrema importância para se pensar a organização das equipes e do trabalho realizado pelos profissionais para a efetividade do que se pretende alcançar com a organização da APS. Isso se deve, como citado, principalmente a forma com que se dão os encontros entre as equipes e os usuários, sendo a partir deles que se torna possível avaliar esse critério de resolutividade e abrangência das ações.