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O ATENTADO EM 15 DE OUTUBRO DE 2004: A TRAGÉDIA NA COMEMORAÇÃO DO DIA DAS

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Ao longo das incursões durante a segunda semana de outubro de 2004 nos acampamentos da Zona da Mata norte pernambucana, Chico Mendes I, Chico Mendes II e Taquara pudemos observar um clima de tensão e desespero no semblante dos acampados. Em 11de outubro havia acontecido no estádio municipal “Geraldão”, no Recife, o 11º Encontro Estadual dos Sem-Terrinha promovido pelo MST e seus parceiros entre os quais estava a CPT. Neste encontro participaram algumas crianças dos três acampamentos e também do assentamento Nova Canaã, convidadas pelo MST. O encontro foi muito produtivo e as crianças retrataram diversas vezes durante as oficinas de arte a realidade delas nos acampamentos antes dos despejos, quando havia fartura na produção e tranqüilidade nas famílias.

No decorrer desta semana foram muitas as tensões vividas nos acampamentos. Muitas famílias estavam retornando de Brasília após quatro meses acampados em frente ao Ministério da Justiça na intenção de pressionar o julgamento do mandado de segurança que foi pedido pelo grupo João Santos, dono da Usina Santa Teresa. As pessoas estavam desacreditadas, quase sem forças para a luta. Era um dos piores reflexos da “guerra de baixa intensidade” já observados naquele grupo desde o começo da pesquisa em julho de 2002.

Na sexta-feira 14 de outubro de 2004, à tarde, as lideranças dos três acampamentos se reuniram com os agentes pastorais para discutir as possíveis estratégias de contraposição e reivindicação pelo julgamento do mandado de segurança que impedia a emissão de posse já autorizada pelo presidente da República. O clima estava muito tenso e havia um aglomerado de acampados de frente a Chico Mendes II, local da reunião. Ao final não houve uma assembléia geral tal como estava sendo esperado pelos outros acampados, ficou decidido que no dia seguinte se faria uma pequena animação para as crianças em comemoração ao dia das

70 Crianças que havia passado e assim, tentar descontrair um pouco os adultos que estavam bastante desanimados. Alguns parceiros do movimento fizeram algumas doações de balas e guloseimas para as crianças. A intenção dos acampados era fazer uma pequena cerimônia de “quebra panela” com as crianças. Posterior ao evento se pensaria em novas ações de reivindicação.

Deixamos o local já às oito horas da noite com tudo combinado para que às duas da tarde do dia seguinte fosse feito o “quebra panela” e nós estaríamos presentes. Ao meio dia do dia 15 de outubro, uma acampada telefona para a casa de um dos produtores do primeiro vídeo “guerra de baixa intensidade” produzido sobre os acampados do engenho Prado e pede a ele, se possível, que se desloque para lá, pois os acampamentos estavam em chamas.

Ficamos chocados com a notícia. Tínhamos que ir para o local porque tínhamos marcado grupos focais no assentamento Nova Canaã. O interessante era que até a tarde não havia sido noticiado em nenhum veículo de comunicação local o que estava acontecendo. Estávamos intrigados, a queima da cana no período da noite é uma prática comum em Pernambuco, isso facilitaria a colheita. No entanto, por que só a cana próxima aos acampamentos iria queimar? Por que o fogo durante o dia? Passamos então a trabalhar com a hipótese de que o incêndio era criminoso.

Chegamos ao local por volta das três da tarde e a cena era de chocar. Tal como já comentamos em outros tópicos da tese, Taquara e Chico Mendes I foram os acampamentos que mais sofreram com o atentado porque não havia distância suficiente entre a cerca da usina e os barracos de lona tal como em Chico Mendes II que estava cercado de árvores frutíferas que os distanciavam da cerca da usina.

Cerca de 200 barracos foram queimados e o INCRA acredita ter sido intencional. O desespero das pessoas era total tendo em vista que o pouco que algumas famílias tinham queimaram-se com o incêndio. Segundo a superintendente do INCRA, Maria de Oliveira “a

responsabilidade do episódio vai ter de ser esclarecida, porque tudo foi feito de maneira a prejudicar as famílias” (Jornal do Commércio, 17/10/2004 p.20). Durante sua visita ao local

no mesmo dia do acontecido ela pode constatar que a cana ainda não estava com idade suficiente para a colheita o que não justificava a queimada e os focos do fogo estavam distribuídos em diversos pontos de maneira a não permitir que as pessoas salvassem seus pertences.

Quando chegamos ao local já estavam lá os integrantes da produtora “Telephone Colorido” que estava realizando o segundo documentário sobre os acampados, a superintendente do INCRA, Maria de Oliveira e também três agentes pastorais que passaram a noite junto aos trabalhadores.

Após um certo controle da situação, os acampados resolveram interditar a PE-041 como forma de protesto. A polícia tentou impedir e foram feitos disparos para o alto como tentativa de intimidação, mas o grupo não se intimidou. As pessoas passaram então a se alojar ali mesmo na beira da estrada para passar a noite em vigília e muitos estavam revoltados com a situação vivida. Alguns estavam chateados com a situação de Chico Mendes II que perdeu apenas poucos barracos em relação aos outros dois acampamentos que perderam tudo. Muitos achavam que este era um local privilegiado por possuir árvores e sombra que dificultaram a chegada do fogo. Neste momento, uma liderança local lembrou da data da ocupação das margens da PE-041e de apatia dos moradores dos dois acampamentos em relação à derrubada de árvores por parte da usina para plantar cana-de-açúcar. O único acampamento que se mobilizou foi Chico Mendes II. Mesmo assim eles estavam ali, junto aos companheiros dos dois acampamentos atingidos e reivindicavam a mesma justiça.

Ao cair da noite as coisas ficaram mais tensas porque havia muito medo de atentados a bala contra algumas pessoas que aliestavam. Havia corpo de bombeiros e a polícia militar fazendo a “segurança do patrimônio público” à distância como forma de coação aos

71 trabalhadores. O que de nada adiantou. O grupo fez barricadas na entrada da Usina Santa Teresa para impedir que alguém tentasse ultrapassar de dentro da Usina para a estrada. E assim perdurou a tensão até o dia seguinte.

No dia seguinte algumas lonas foram doadas pelo INCRA e os acampados começaram a refazer os barracos. As fitas que darão origem ao segundo documentário serão utilizadas para serem enviadas ao Supremo Tribunal Federal como forma de tentar agilizar o processo de julgamento do mandado de segurança contra o decreto presidencial de 23 de novembro de 2003. Esta foi a maior barbárie já sofrida por estes trabalhadores em 2005.

Até o dia 18 de outubro de 2004 apenas o “Jornal do Commércio” havia noticiado o acontecido e nenhum telejornal havia feito o mesmo. Isso nos dá indícios da força do grupo João Santos em persuadir a mídia local em prol de interesses privados. Ele detém a propriedade de diversos veículos de comunicação no Nordeste do Brasil, entre eles a sucursal da Rede Record. Pudemos comprovar nesse caso que a imprensa não é tão clara e imparcial com o tratamento das informações como ela admite ser quando contrariam alguns dos seus interesses.

4.4 A educação popular freireana na base do processo de formação dentro da Comissão

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