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2 VISÃO: OS SINAIS

2.3 Pessoas e ferramentas de estudosque sinalizam um fazer ainda por fazer-se

2.3.6 Atente para os sinais: revisão de literatura

A revisão de literatura é uma busca que faz parte do processo de investigação em pesquisa e, certamente, não se esgota nem durante o processo, nem depois. Eis, portanto, um movimento vivo que a revisão de literatura permite, proporcionando que o pesquisador pense em comum com os outros, uma vez que é um processo contínuo. Este processo tornou possível conhecer ideias profundas, novas e, por isso, muito interessantes. Por apresentarem- se desta maneira, são inacabadas e abertas. Estão ainda em processo de desconstrução e construção acerca das duas temáticas que norteiam este estudo: experiências e infância. Segundo O mestre ignorante (2002), esse “é o cerne de todo método. […] É preciso que se

tenha emancipado a si próprio. […] conhecer-se a si mesmo como viajante do espírito, semelhante a todos os outros viajantes, como sujeito intelectual que participa da potência comum dos seres intelectuais.” (RANCIÈRE, 2002, p. 44-45). Emancipar-se, portanto, é um dos princípios para pensar de maneira aberta, sabendo da necessidade de recorrer às pesquisas e áreas que se debruçam acerca do tema investigado. Neste sentido, sabemos que o essencial é a

[…] contínua vigilância, essa atenção que jamais se relaxa sem que venha a se instalar a desrazão – em que excelem tanto aquele que sabe quanto o ignorante. O mestre é aquele que mantém o que busca em seu caminho, onde está sozinho a procurar e o faz incessantemente. (RANCIÈRE, 2002, p. 44)

Na busca por problematizações acerca das categorias deste estudo, foram possíveis de ser realizadas, tanto as buscas por teses e dissertações de Programas de Pós-Graduação nos sites das Universidades, bem como dissertações e teses no banco de dados da CAPES, artigos no Scielo, no Google Acadêmico e nos Livros que dispunham de reflexões das categorias escolhidas para esta pesquisa. Essas buscas possibilitaram nos situar acerca do modo como a infância vem sendo pensada no Brasil e em Alagoas.

Mediante os materiais de estudo encontrados, é relevante ressaltar que a produção acadêmica sobre a temática desta pesquisa, assim como a concepção filosófica que adotamos, não existe ou ainda é muito limitada no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), o que provocou acentuada escassez de fontes bibliográficas locais para o fomento desta pesquisa.

Com as buscas literárias acerca do que a infância é e/ou deve ser, é fundamental apresentar o sentido que esta palavra ganhou na história da filosofia e que influenciou a maneira como a educação formal a concebe. Nesta perspectiva, Kohan (2007), realiza um estudo em que traz uma genealogia de vários conceitos filosóficos, criados desde a Grécia clássica à filosofia contemporânea, fazendo-nos conhecer a raiz desta palavra que nos ocupa neste estudo. Desde a Grécia clássica, portanto, muitos sentidos foram inscritos para a palavra criança. Neste contexto, o autor sinaliza três:

[...] a primeira delas, téknon, está ligada ao verbo tíkto (‘dar à luz’; ‘parir’), e marca mais acentuadamente a filiação, o resultado do nascimento; da tragédia antiga é usada para reforçar o vínculo afetivo, geralmente, a propósito da mãe. É a menos utilizada pelos filósofos. A segunda é ‘paîs’, que está ligada à raiz temática indo- europeia pa / po em grego pu em latim, que tem a ver com a alimentação, e deu origem a palavras como pater (‘quem alimenta’ pai), paidagogós (‘quem conduz a criança’, ‘pedagogo’) ou mais abstrata ‘paideia’, que significa cultura e educação’. [...] A terceira palavra é ‘néos’, que significa literalmente ‘jovem’, ‘recente’, ‘que causa mudança’, ‘novo’. [...] Néos inicialmente designava tanto pessoas quanto coisas, animais e plantas. Palavras interessantes derivadas de ‘néos’ são neoterísmo,

que significa ‘novidade’, ‘inovação’, ‘revolução’. Desse modo, para referir-se às crianças, os gregos recorreram a três campos semânticos: o primeiro ligado ao nascimento; o segundo, à alimentação e o terceiro à criação, à mudança ou à novidade. De nenhum desses três campos tiraram um substantivo abstrato como poderiam ter sido teknía, paidía ou neía. Talvez, por respeito ao fato de as crianças não nascerem apenas de palavras ou delas provirem, deixaram a própria infância sem palavra. Porém, não deixaram sem conceitos, sem ideias, sem filosofia. Muito menos sem educação. Assim, na Grécia clássica há uma bateria de discursos pedagógicos e filosóficos que supõem ou explicitam um conceito de infância e um lugar para ela, no pensamento e nas instituições. (104-105)

Esta exposição necessária, acerca dos sentidos dados à criança no contexto da sociedade clássica, mostra-nos qual o sentido que predominou na história quando analisamos a maneira como criança e infância são pensadas em pesquisas na educação e no contexo investigado. Assim, diante dos estudos e das entrevistas com os profissionais, pontuamos que “Olha sempre para trás, para tempos obscuros; então, certamente, a ilusão e a fé eram outra coisa. O delírio da razão era coisa divina; e a dúvida, pecado.” (NIETZSCHE, 2014a, p. 49). Dito de outro modo, “[…] É como se o homem moderno estivesse cansado de si mesmo, prisioneiro de sua própria história, farto de sua própria cultura. Demasiado peso, demasiado trabalho, demasiada consciência.” (LARROSA, 2009, p. 99).

É nesse sentido que mais uma vez reforçamos o caráter pioneiro desta pesquisa, por ousar pensar infância e experiência na escola pública de outras maneiras que não a costumeira por estas terras. Por isso, insistimos no “[…] regresso à infância, à difícil conquista da infância, aparece como uma figura da inocência recuperada, como uma imagem do novo. A busca que o artista faz de sua própria infância. […] Como se, só a partir daí, a partir de sua destruição como sujeito, pudesse surgir o novo.” (LARROSA, 2009, p. 99-100).

Procurando libertar-se e esvaziar-se do peso dessa consciência ressentida, a filosofia da qual bebemos é minoritária por sua própria natureza. Assim, no sentido de exemplicar o que é este tipo de filosofia da qual bebemos, Kohan (2007, p. 60) diz que esta se configura como um acontecimento “[…] exepcional. Instaura-se cada vez que alguém deslegitima o poder da verdade do pensamento. Renova-se com cada novo início do pensamento, com cada experiência. A filosofia não acalma espíritos, não os consola, não promente nenhuma terra prometida; mais ainda, não promente terra. [...] ” (KOHAN, 2007, p. 60). Esta sempre nova experiência, a qual Kohan (2007) se reporta, é um acontecimento que pode ser encontrado em Larrosa (2008) quando diz que,

A experiência não é outra coisa se não a nossa relação com o mundo, com os outros e com nós mesmos. Uma relação em que algo nos passa, nos acontece. Então, o desejo de realidade está ligado à experiência, no sentido de que o real só acontece se experimentado: o real é o que nos passa, nos acontece na experiência. Portanto, a

experiência é esse modo de relação com o mundo, com os outros e com nós mesmos em que o que chamamos de realidade adquire a validade, a força, a presença, a intensidade [...] (p.186-187)

Experiência, portanto, é uma relação singular estabelecida entre o sujeito da experiência e ele mesmo, o mundo, as pessoas, o outro. Tal relação é uma tentativa de criação de experiência para a compreensão da realidade em que esta não pode ser quantificada e objetivada a partir de juízos feitos pelo sujeito da razão explicadora. Pelo contrário, a criação de experiência é dialogada por um “[...] sujeito ex-posto, ou seja, receptivo, aberto, sensível e vulnerável. Além de ser também um sujeito que não constrói objetos, mas que se deixa afetar por acontecimentos. O desejo de realidade seria, então, um desejo de acontecimento.” (LARROSA 2008, p. 187).

A partir do que elencamos acima e considerando a adequação teórica aos objetivos desta pesquisa, o próximo tópico segue apresentando os motivos pelos quais escolhemos os filósofos que subsidiam nossas reflexões e que, de algum modo, já foram apresentados nas subvisões anteriores.