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Atitudes face à democracia na Europa do Sul: literatura e hipóteses

Historicamente, a Europa do Sul tem ocupado um lugar de algum destaque na investigação comparada sobre a cultura política. O caso italiano, em particular, tem sido muitas vezes examinado desde a primeira geração de estudos modernos sobre este tópico, sendo as conclusões decorrentes destas investigações frequentemente lidas como representa‑ tivas do tipo de relação com o poder existente na Europa do Sul. Na investigação seminal de Almond e Verba, o caso italiano é apresen‑ tado como constituindo um exemplo flagrante de «cultura política de alienação». Mais concretamente, os dois autores caracterizam este caso como um foco de anomia social, desconfiança e baixos níveis de envol‑ vimento político, sugerindo que estes padrões se transmitiriam entre gerações sucessivas. Ainda assim, é proposto que o intenso desenvol‑ vimento económico do pós ‑guerra poderia ser capaz de enfraquecer o tradicionalismo, e também que uma distribuição mais equitativa de

face a outros, para que possam ser delimitadas num conjunto coerente. Após analisarem variáveis como a confiança nas instituições, o apoio à democracia, as atitudes perante alternativas autoritárias e o interesse na política, os autores concluem que não existem bases que permitam esta‑ belecer a existência de um padrão regional de cultura política separado das restantes realidades europeias.

Essa conclusão assenta em dois vetores. Por um lado, subsistem dife‑ renças demasiado consideráveis em várias dimensões entre os países para que estes formem um conjunto coeso. Por outro, em vários indicadores os valores não se distinguem em grande medida dos de outras democra‑ cias europeias – seja das ocidentais (apoio difuso à democracia), seja das de Leste (confiança interpessoal e nas instituições). O retrato da cultura política da Europa do Sul que emerge de estudos comparados não estrita‑ mente focados nesta região apoia estas conclusões (Klingemann 2014). O desenvolvimento mais importante na literatura recente sobre a cultura política na Europa do Sul consiste no estudo do impacto exer‑ cido pela Grande Recessão na relação entre os cidadãos e os seus sistemas políticos. É possível assinalar um vetor partilhado pelos vários países, sobretudo naqueles que foram alvo de um resgate financeiro: a quebra nos níveis de confiança nas instituições e de satisfação em relação ao funcionamento da democracia. Mas aqui, a investigação também revela que os vários países da Europa do Sul são marcados por dinâmicas distintas (Belchior 2015). Assim, ao passo que, em países como a Espanha ou a Grécia, a quebra na confiança foi bastante abrupta, sobretudo a partir de 2010, em Portugal, o declínio nos níveis de confiança nas instituições – e, como se verá a seguir, também a satis‑ fação com o funcionamento da democracia – já precedia o deflagrar da crise económica. Por outro lado, uma análise de dados recolhidos no determinam os níveis de confiança interpessoal patentes em diferentes

comunidades. De acordo com esta leitura, a democracia enquanto regime político assente na seleção de líderes através da realização de eleições não é necessariamente incompatível com a cultura política da Europa do Sul; contudo, o aprofundamento da qualidade da democracia estaria severamente limitado em zonas do território historicamente marcadas pela inexistência de relações de confiança social e de ligações horizontais. Ainda assim, persistem várias críticas a esta interpretação, desde omissões na interpretação histórica do caso à identificação entre qualidade da democracia e desempenho institucional (Tarrow 1996). Apesar de o caso italiano ter sido o mais influente no estudo da cultura política desta região, os restantes países têm sido também frequen‑ temente examinados. Num retrato da evolução do capital social em França ao longo do século xx, Worms mostra que o crescimento dos níveis de insatisfação em relação às instituições e partidos tradicionais foi acompanhado do aumento da votação em partidos radicais, como a Frente Nacional; assim, o crescente descontentamento não teria condu‑ zido, em França, a um cenário de desinteresse na política, mas antes a uma reorientação dirigida a formas de participação mais direta (Worms 2002, 184). Em relação aos níveis de adesão à democracia entre os vários países, um artigo de Lagos (2003) mostra que, na viragem do século, o apoio difuso era substancialmente mais alto em Espanha, Grécia e Itália do que em Portugal, ocupando França uma posição intermédia. A tentativa de sistematização de análise mais completa da cultura polí‑ tica da Europa do Sul foi levada a cabo por Mariano Torcal e Pedro Magalhães (2009). O ponto de partida destes autores é uma interrogação sobre se as culturas políticas de Itália, Espanha, Portugal e Grécia apre‑ sentam suficientes traços em comum entre si, e diferenças significativas

deste indicador reproduz ‑se na figura 4, e da leitura deste gráfico conclui ‑se que o apoio à democracia, pelo menos tal como é captado por esta questão, foi bastante disseminado na Europa do Sul na década que mediou entre 1988 e 1997. Em todas as observações, e nos cinco países, há sempre pelo menos três quartos dos inquiridos que concordam que a democracia é sempre preferível. As oscilações são demasiado ténues (e o número de observações demasiado baixo) para que as possamos considerar significativas.

Figura 4 Apoio difuso à democracia (1988 ‑1997)

Regime Grécia 1988 1992 1997 1988 1992 1997 1988 1992 1997 1988 1992 1997 1988 1992 1997 0.00 0.25 0.50 0.75 1.00 0.00 0.25 0.50 0.75 1.00 Proporção

Democracia Ditadura Indiferente

França Espanha

Itália Portugal

Fonte: EB 30 (1988), EB 37 (1992) e EB47.1 (1997).

Questão: «Qual das seguintes frases descreve melhor a sua posição?» 1. «A democracia é o melhor sistema político em qualquer circunstância.» 2. «Em determinadas circunstâncias, uma ditadura é preferível à democracia.» 3. «Viver em democracia ou sob uma ditadura não muda nada para pessoas como eu.»

âmbito do European Social Survey (ESS) entre 2012 e 2013 revela que o apoio difuso à democracia se manteve, ou terá até aumentado, na gene‑ ralidade dos países mais afetados pela crise. Uma interpretação possível é a de que a crise correspondeu a um reforço dos ideais democráticos enquanto contraponto a um cenário de intervenção externa, que, por definição, implicou uma redução nos níveis de autonomia das auto‑ ridades nacionais e a responsabilização democrática dos governantes (Cordero e Simón 2016). Existe, contudo, uma exceção importante a este cenário geral: o apoio difuso à democracia diminuiu de forma significa‑ tiva na Grécia (Teixeira, Tsatsanis e Belchior 2014), por contraste com o  que sucedeu em Portugal e restantes países.