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CAPÍTULO 1: ATIVIDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES PELO

1.7. Atividade de Formação de Professores e Reflexão Crítica

As formas de ação do processo reflexivo apontadas por Smyth (1992), com base em Freire (1970), por meio da organização da linguagem orientada pelas categorias de colaboração e de reflexão crítica são fundamentais para a compreensão do movimento da formação crítica.

De acordo com Ninin (2002, p. 78),

essas ações não podem ser separadas, nem tampouco ocorrem sempre na sequência apresentada, mas são responsáveis por permitir uma visão da prática de ensino que se inicia por um texto (descrever) e vai em busca de significados (informar e confrontar) para a reconstrução da prática (reconstruir)

Smyth (1992) propõe que o processo reflexivo se organize por quatro ações que possibilitariam o distanciamento e a reflexão dos professores sobre suas práticas. Essas ações, segundo Smyth (1992) estão ligadas a certos tipos de perguntas, que não são vistas como hierárquicas: (a) Descrever – O que eu faço? – o professor deve descrever sua ação a fim de que possa posteriormente compreender sua prática; (b) Informar – O que isso significa? – processo em que o professor busca a teoria que embasa sua prática; (c) Confrontar – Como eu cheguei a ser assim? Que tipo de aluno está em constituição? – o professor questiona a autenticidade das crenças enraizadas em sua prática docente; e (d) Reconstruir – Como posso agir diferentemente? –

que se caracteriza por um processo em que o professor passa a ter um controle maior sobre suas decisões.

Para Liberali (2008), assumir essas formas de ação na Atividade de

Formação de Professores como metodologia de reflexão na construção de

conhecimento, significa que este movimento de reflexão pode ser visto como um ato criador, que parte do conhecimento e entendimento da ação para sua posterior transformação. A linguagem tem papel fundamental nessa atividade, pois ela dá forma à ação, possibilitando seu reconhecimento e entendimento. Quando essa forma de ação – conhecer sua prática – pela pergunta ‗o que eu faço‘, etc. está instalada na Atividade de Formação de professores, os participantes falam da sua prática, utilizando-se de conceitos, permitindo que os praticantes passem a assumir um papel autoconsciente e regulador em relação às suas ações.

Nesse quadro, é essencial que todos os participantes estejam envolvidos no questionamento das ações e das contradições da atividade em foco, dos artefatos culturais e dos conceitos usados para a análise. Para tanto, é necessário que as intervenções dos pesquisadores não sejam baseadas em prescrições, mas em questionamentos que promovam a reflexão dos participantes, por meio de um diálogo que se organize de forma argumentativa, mas também de forma colaborativa (Magalhães e Fidalgo, 2010).

Partindo dessa questão, segundo Liberali (2006b), a formação crítica estaria ligada à convocação dos participantes a propor, questionar, pensar, assumir compromissos e de se submeter à crítica de seus valores, normas e direitos, inclusive aqueles tidos como democráticos e justos. Com base nessas questões, para Liberali (2011a, p. 12),

os espaços de formação crítica criam oportunidades de: a) observação de si e dos demais como base para imersão na consciência (Freire, 1970); b) discussão teórica para a compreensão generalizante da prática; e c) emersão da consciência (Freire, 1970) para a avaliação a partir de critérios sociais mais amplos.

A seguir, discuto um dos conceitos centrais desta pesquisa, a linguagem

na atividade, uma vez que todo o processo está relacionado à organização da

 A Linguagem na Atividade de Formação de Professores

Segundo Vygotsky, pensamento e linguagem do ser humano têm raízes genéticas diferentes, tanto na filogênese como na ontogênese. No seu trabalho, Vygotsky (1934/2000, p. 139) aponta que

esquematicamente, poderíamos conceber a relação entre pensamento e linguagem como dois círculos que se cruzam, mostrando que em uma parte desse processo os dois fenômenos coincidem, formando o chamado campo do ―pensamento verbalizado‖ (pensamento verbal)

Ao analisar essa colocação, Freitas (1996/2006, p. 94) lembra que o pensador russo procurou entender o pensamento verbal por meio de uma unidade (o significado das palavras), contendo a propriedade do todo.

Para Vygotsky (1934/2000, p. 398), ―a palavra desprovida de significado

não é palavra, é um som vazio. Logo, o significado é traço constitutivo indispensável‖. Este trabalho concorda com as premissas de Vygotsky, ao compreender que o significado da palavra pertence tanto ao campo da linguagem como ao campo do pensamento. Sendo assim, como já discutido, assumimos que o significado da palavra é produzido socialmente e tem sua organização ―estável‖. Desse modo, seu significado se desenvolve e muda ao longo do tempo, pois entra em contato com diferentes sujeitos.

Freitas (1996/2006) estabelece um ponto comum entre Vygotsky e Bakhtin ao ressaltar que para ambos, o sujeito se constitui na relação com os outros e em suas práticas sociais e discursivas. O que se entende nesse ponto em comum é que os autores soviéticos encontraram, na linguagem, o eixo norteador para compreender as principais questões epistemológicas que atravessam as ciências humanas e sociais.

Sob esta visão, a linguagem é central nas relações humanas e sociais. Para Bakhtin e seu círculo (1929/2002), o homem fora das condições socioeconômicas objetivas e fora de uma sociedade não tem existência. Bakhtin defende que no diálogo entre os participantes de uma mesma

comunidade é que se percebem os enunciados dos interlocutores e a alternância dos falantes.

Com enfoque semelhante, Brait e Melo (2005), discutindo os estudos de Bakhtin e seu círculo (1929/2002), afirmam que as noções de enunciado/enunciação marcam o campo discursivo, constituído histórica e socialmente entre os sujeitos e que se relacionam às enunciações anteriores e posteriores que circulam no discurso. Recuperando as palavras do autor:

a verdadeira substância da língua... é constituída... pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua (Bakhtin, 1929/2002, p. 123).

O autor entende que há uma atitude responsiva ativa, pela qual o ouvinte reage verbal ou não verbalmente ao enunciado do interlocutor. Pela perspectiva bakhtiniana, no diálogo, os interlocutores organizam seu discurso levando em conta a imagem que têm de seus receptores e a forma como desejam atingi-los dentro do contexto social em que se encontram. Para Bakhtin (1929/2002, p. 121),

o centro organizador de toda enunciação, de toda expressão, não é o interior, mas o exterior: está situado no meio social que envolve o indivíduo... A enunciação... é um puro produto da interação social, quer se trate de um ato de fala determinado pela situação imediata ou pelo contexto mais amplo que constitui o conjunto das condições de vida de uma determinada comunidade linguística.

Bakhtin e seu círculo (1929/2002) avançam seus estudos sobre a palavra numa concepção dialógica da linguagem. Para o autor, a palavra é um instrumento da consciência. ―A palavra está sempre carregada de um conteúdo

ou de um sentido ideológico ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida‖ (Bakhtin, 1929/2002, p. 95).

Mantendo essa perspectiva, observo a multivocalidade, como apontada por Engeström (2001), sendo este um dos princípios fundamentais para compreender como a linguagem atravessa as questões da atividade. Ao pensar

na atividade de formação de professores, em foco neste trabalho, foi possível perceber a multiplicidade de vozes sociais e ideológicas representadas nos discursos dos participantes. De acordo com Bakhtin (1953/2003), os aspectos dialógicos da linguagem são constituídos por diferentes forças que mostram significados e vozes, marcados linguisticamente no discurso.

Em síntese, a concepção de linguagem adotada nesta pesquisa é a de linguagem como prática discursiva, a partir da perspectiva da Linguística Aplicada na formação de professores, e no quadro de pesquisa da TASCH. Resta explicitar o papel da colaboração e da argumentação nesse processo.

1.8. Retomando a discussão da Atividade de Formação de Professores:

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