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ATIVIDADE DENOMINAÇÕES Amor Dependência Afetiva, Love Addiction, Amor

Biopolítica

ATIVIDADE DENOMINAÇÕES Amor Dependência Afetiva, Love Addiction, Amor

Patológico

Celular Dependência do Celular, Mobile Phone Dependence Syndrom

Compras Compras Compulsivas, Impulsive Buying, Shopping Addiction

Comida Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica,

Bing Eating

Exercícios Vigorexia, Transtorno Dismórfico muscular, Síndrome de Adônis

Internet Dependência de Internet, Compulsão por Internet Jogo Jogo Patológico, Dependência Por jogo Sexo Sexo Compulsivo, Dependência Sexual, Impulso

Sexual Excessivo

Trabalho Compulsão por Trabalho, Dependência do Trabalho, Workaholism

Siqueira (2010) constatou que na década de 1990 surgiram duas gerações de saberes sobre as compulsões que reuniam em uma dimensão de transtornos, os Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo. A primeira destas gerações, que se desdobra em conhecimentos decorrentes do TOC, pressupõe que as compulsões sejam respostas comportamentais à ansiedade gerada por imagens ou pensamentos intrusivos e repetitivos, chamadas de obsessões, podendo parecer algo absurdo ou ridículo inclusive

149 para aquele que a porta, a exemplo, daquelas pessoas que lavam suas mãos inúmeras vezes ao dia de maneira descontrolada. Pressupondo que estes “incontroláveis” lavadores de mãos ajam desta forma por receio de se contaminarem com alguma bactéria ou vírus, que possivelmente provocará alguma doença, este saber psiquiátrico presume que estes comportamentos individuais se baseiem em aversões a riscos.

Em meados daquela mesma década, aparece nas clínicas psiquiátricas uma população de indivíduos em busca de tratamento para as compulsões que não eram exatamente iguais às descritas no TOC, principalmente por não serem condutas voltadas para se evitar riscos. Estes comportamentos compulsivos relatavam sofrer psiquicamente devido à incapacidade de controlar suas condutas excessivas que os impeliam a executar ações para a satisfação de prazer, as quais, com o passar do tempo, criavam diversos problemas nos âmbitos pessoal, familiar e econômico. Assim, tornaram-se mais comuns os jogadores patológicos e compradores compulsivos, cujas dívidas acumuladas ameaçam a saúde de sua vida econômica, ou então, de compulsivos sexuais, cuja busca desenfreada por sexo os colocava mais próximo de contraírem doenças sexualmente transmissíveis ou colaborava para o fracasso do casamento e de outras relações (SIQUEIRA, 2010: 152).

Na segunda geração de compulsões apontadas pelo autor, os comportamentos repetitivos e excessivos acabaram prescindindo da existência de obsessões na medida em que foram relatados determinados impulsos como fatores desencadeadores de tais condutas. Foi a partir daquele momento que se estabeleceu uma compreensão e descrição das compulsões como forma especial de dependência. Enquanto que nas dependências mais antigas e tradicionais o indivíduo manifestava sintomas de tolerância e abstinência por meio do controle ou descontrole no consumo de substâncias psicoativas como o álcool e outras drogas, nas compulsões teorizadas como não- químicas, estas dependências não estão atreladas necessariamente a estes produtos, mas sim a comportamentos e condutas que também trazem gratificações em forma de prazer, como o sexo, exercícios físicos, compras, etc.

As diferentes nomenclaturas, ora denominadas compulsões, ora dependências ou impulsividades, atribuídas nas últimas décadas àqueles comportamentos tidos como excessivos, demonstram nitidamente como os saberes sobre este assunto foram elaborados tanto a partir do modelo do TOC e das dependências, quanto do TCI. Portanto, a grande importância deste tipo de trabalho apresentado por Siqueira (2010) talvez não seja apontar necessariamente qual a maneira mais adequada de classificar as compulsões, mas sim refletir sobre a imprecisão em que este campo de conhecimento está imerso.

150 Entendo que esta abordagem não promove apenas uma reflexão sobre a imprecisão do saber psiquiátrico, como expõe claramente as dificuldades e, muitas vezes, a impossibilidade de realizar diferenciações entre sentimentos de obrigação, impulsos ou dependências, que fazem com que o indivíduo repita de forma “excessiva” e “descontrolada” determinados comportamentos objetivando não apenas aliviar certas insatisfações como encontrar o prazer.

A minha intenção ao utilizar uma genealogia das compulsões, a partir do trabalho desenvolvido por Siqueira (2010), para tratar de uma genealogia das drogas se deve ao fato de que credito na convergência destas duas pesquisas que têm em comum um interesse político fundamentado no mapeamento de novas tecnologias que emergem paulatinamente, no intuito de governar a vida nos seus mínimos detalhes. Noções contemporâneas como qualidade de vida, desenvolvimento sustentável, economia solidária são exemplos destas tecnologias minuciosas de governo que demonstram a normalização e o controle que vão do trabalho ao lazer, da doença à produção de uma saúde e um corpo perfeito, ou seja, do controle dos outros ao controle de si.

Siqueira (2010) ainda reconheceu que a emergência dos saberes sobre as compulsões é tributária do apogeu da psiquiatria biológica que, ao empregar certos fundamentos das neurociências e dos psicofármacos modernos, construiu uma gramática biológica para os transtornos mentais que ainda não estava constituído de fundamentos psíquicos elementares. Para o autor, este processo de biologização das compulsões ocorreu através da introdução na sociedade estadunidense de um dos antidepressivos mais potentes já sintetizados, a clomipramina, que foi lançada, em 1990, pela indústria farmacêutica suíça Giga-Geigy, atualmente chamada de Norvatis. Este produto, desenvolvido em 1958, foi introduzido no mercado estadunidense sob o nome de Anafranil.

É interessante perceber que este produto havia sido liberado no Reino Unido em 1975, no intuito de tratar da depressão, dos estados fóbicos e obsessivos, no entanto, sua notoriedade comercial jamais se aproximou daquela obtida 15 anos depois, nos Estados Unidos. Certamente, estas inexpressivas vendas de clomipramida no mercado europeu se devem ao fato de que a Neurose Obsessiva- Compulsiva era considerada uma doença rara e tratável por meios exclusivamente terapêutico-comportamentais. Por se tratar de uma neurose, ou seja, de uma espécie de psicopatologia sem uma causa orgânica

151 identificável, presumia-se que a melhora dos pacientes jamais decorreria do consumo prescrito e controlado destas substâncias.

Assim que a clomipramina foi liberada nos Estados Unidos, em 1990, tornou-se um sucesso comercial, ocasionando a popularização do TOC em diversos países. Assim, de transtorno mental “raro”, conforme estabelece o DSM III, de 1980, o TOC passou a ser considerado um transtorno “relativamente comum” no DSM III R, de 1987. Foi somente no DSM IV, de 1994, que houve a constatação da incidência do TOC em 2,5% da população estadunidense, transformando-se no quarto transtorno psiquiátrico mais comum da população, sendo hoje, a décima maior causa de incapacitação em todo o planeta, segundo a OMS.

Para Siqueira (2010), o direcionamento da clomipramina da Europa para a América do Norte está relacionado a dois deslocamentos responsáveis pela alteração da maneira como o ocidente passou a tratar das questões referentes às doenças mentais na base da emergência das compulsões como um problema de saúde pública que ameaçava a “qualidade de vida”.

Conforme o autor, o primeiro deslocamento ocorreu por meio da biologização dos estados neuróticos. Como houveram aportes incorporados das neurociências e da moderna farmacologia uma vez que não era atribuído inicialmente ao TOC um estatuto orgânico-biológico, a gramática biológica acabou o relacionando aos estados mentais não mais por meio exclusivo de perspectivas psicológicas provenientes dos históricos de traumas na infância, mas a partir da quantidade de neurotransmissores disponíveis em certas regiões e ao funcionamento anômalo do circuito que envolve os gânglios da base, o tálamo e o córtex frontal. Este processo de biologização do TOC ainda contou com a ajuda de avanços técnicos provenientes na inserção de tecnologias computo- informacionais que acabaram permitindo a visualização do cérebro vivo, através da neuroimagem, e do seu funcionamento.

O segundo deslocamento ocorreu no momento em que este deixou de ser um campo exclusivo de psicólogos e psicanalistas, passando a ser explorado veementemente por psiquiatras e pela indústria farmacêutica, que acabou disponibilizando no mercado um número cada vez maior de diferentes compostos

152 químicos caracterizados como antidepressivos33. Deste modo, a biologização do TOC acabou incidindo em uma nova gramática, reescrevendo o entendimento de outras compulsões, na medida em que passou a ser utilizado cada vez mais no tratamento dos Transtornos do Controle Impulsivo, como as chamadas compras compulsivas, sexo compulsivo, jogo patológico, cleptomania e tricotilomania34.

Em 1993, o psiquiatra estadunidense Eric Hollander fundamentou, em grande parte com ensaios baseados em fundamentos com ISRSs, hipóteses que, desde o final dos anos 1980, relacionavam o TOC com outros transtornos sob o ponto de vista da semelhança sintomatológica de condutas marcadas pelo excesso. Desta forma, postulou a existência de um Espectro dos Transtornos Obsessivo- Compulsivos que inclui, além dos transtornos mencionados acima, a hipocondria, o transtorno dimórfico corporal, a anorexia, o transtorno de despersonalização, a Síndrome de Tourette e os transtornos de personalidade antissosical. Em outra publicação, de 1995, Hollander destacou nesta dimensão de transtornos a polaridade compulsividade/impulsividade, apontando que as condutas excessivas relacionadas a estes transtornos variam segundo graus de aversão e predisposição a riscos, assim como quanto à disponibilidade de serotonina nas sinapses e a atividade do lobo frontal. Estava concluída assim a hipótese teórica que permitiu estender a biologização do TOC para outras compulsões, identificando modalidades de condutas excessivas (de aversão ou predisposição a riscos) com marcadores biológicos (neurotransmissores e atividade cerebral) (SIQUEIRA, 2010: 157-159).

Deste modo, mostro tanto as análises apresentadas por Siqueira (2010), a partir de sua genealogia das compulsões, quanto à genealogia das drogas que abordo neste trabalho, possuem uma grande afinidade na medida em que em ambas apontam a existência de tecnologias de governo das condutas dos homens que ultrapassam as sociedades disciplinarem apontadas por Foucault (1997), circunscrevendo-se naquilo que Deleuze (2008) cognominou de sociedades de controle.

Enquanto os saberes psiquiátricos atuam sobre as chamadas compulsões por meio de práticas que vão desde a prescrição de substâncias psicoativas, terapias cognitivo-comportamentais e grupos de auto-ajuda à capsulotomia anterior35, comumente chamada de “cirurgia sem sangue”, o controle sobre as drogas e, sobretudo, aqueles que as produzem, comercializam e consomem, ocorre também através de normalizações que atuam, dentre outras formas; por meio de certas políticas de saúde e

      

33Possivelmente o antidepressivo mais famoso em todo o mundo é o Prozac, que é comumente prescrito

como inibidor seletivo da re-captação de serotonina (ISRSs).

34Enquanto a cleptomania trata-se do impulso ao furto, a tricotilomania, segundo o DSM IV – TR, é um

transtorno do Controle de Impulsos que envolve a repetição do ato incontrolável de arrancar pelos e cabelos, podendo provocar escoriações, feridas e até mesmo calvície.

35Segundo Siqueira (2010), a capsulotomia anterior é o nome designado a um tipo de neurocirurgia

utilizado atualmente no tratamento do TOC, destinado aos pacientes refratários a outras formas de terapias. Trata-se de uma “cirurgia sem sangue” que, apesar de não lembrar as lobotomias utilizadas pela psiquiatria na metade do século XX, são realizadas por meio de neurocirurgias padrão, radiocirurgia ou estimulação cerebral profunda.

153 segurança chamadas de redução de danos. Assim, ao invés de se encontrarem reclusos em manicômios contra suas vontades, conforme ocorria com os doentes mentais até meados do século XX, hoje, os compulsivos vivem em prisões a céu aberto e transitam pelas ruas, sendo recorrentemente invitados a aderirem a tratamentos que ocupam suas vidas; e a exercerem um autocontrole absoluto sobre a totalidade de suas condutas sob o risco de serem consideradas excessivas.

Embora seja cada vez mais recorrente o “encaminhamento” a médicos, serviços ambulatoriais e demais estratégias de controle utilizadas em nome do tratamento continuo, como, por exemplo, a redução de danos, é possível constatar que mesmo aqueles que não são diagnosticados como compulsivos não estão imunes a estes saberes na medida em que são constantemente estimulados a se auto-diagnosticarem e se auto- medicarem através de apelos televisivos, de sites, filmes, testes publicados em jornais e revistas, conversas com amigos e familiares, etc., submetendo-se aos monitoramentos e vigilâncias contínuas sobre seus desejos e condutas para que não se deixem levar pelo descontrole das obsessões, impulsos e dependências. É por meio destas convocações cotidianas decorrentes destas novas tecnologias de governo que presenciamos a emergência de uma “nova moral” fundamentada na biociência.

A moral biocientífica, ao mesmo tempo em que gera fascínio e adesão às diferentes formas de (auto) controle, também reforça práticas de equilíbrio e moderação, uma vez que se apresenta amparada em saber que não visa necessariamente recompensas espirituais, mas resultados positivos referentes à saúde mental e a qualidade de vida; entendidas tanto por Siqueira (2010) quanto por mim, como tecnologias de poder decisivas para o efetivo governo das condutas dos seres humanos. Estas novas tecnologias de governo, diferentemente do poder disciplinar que distinguia o normal do anormal a partir de processos de normalização, conforme apontou Foucault (2008a), procedem, segundo Passetti (2007b), sucessivas normalizações do normal, buscando aproximar as distintas distribuições de normalidade a um limite admissível.

Siqueira (2010) reconhece que esta normalização do normal citada por Passetti (2007b), funciona, no caso dos compulsivos, através do incessante estímulo para que tenham controle sobre suas condutas tidas como excessivas, fazendo com que se tornem cada vez mais moderadas. Assim, os gastos deverão estar sempre dentro dos orçamentos; a acumulação deve ser sempre baseada naquilo que for estritamente

154 necessária; o sexo só será saudável se estiver controlado através de normalizações referentes à forma, número de parceiros e quantidades ao dia; o jogo só deve ocorrer quando estiver relacionado à recreação; o medo só deve existir se puder ser controlado; o trabalho será considerado saudável somente se não ameaçar as relações familiares e as amizades; as drogas só deverão ser produzidas, comercializadas e consumidas se forem legais, prescritas e controladas.

Os antidepressivos são exemplos imprescindíveis para pensarmos sobre as drogas lícitas controladas, uma vez que elas agem decisivamente para a normalização do normal, servindo como administradores químicos das angústias, dos impulsos e dos desejos incontroláveis relatados por pacientes. Socorridos por distintos modelos de tratamento, que vão deste os grupos de auto-ajuda, terapias cognitivo-comportamentais às psicocirurgias, os compulsivos procuram desenvolver uma racionalidade do autocontrole, baseada na infindável mensuração dos possíveis riscos que encontrarão nas diferentes situações vividas cotidianamente. É através desta forma que a vida passa a ser tratada como uma terapia contínua e ilimitada, atingindo de forma plena os seus mínimos detalhes.

Siqueira (2010) situa a emergência dos saberes psiquiátricos sobre as compulsões na expansão daquilo que Foucault (2008b) nomeou de governamentalidade neoliberal, que passou a difundir do campo econômico para o social o modelo do homo

œconomicus, caracterizado pelo empreendedorismo de si mesmo. Ao reconhecer que no neoliberalismo todos os indivíduos são transformados em sujeitos-empresa, inscritos na lógica da concorrência, Foucault (2008b) constatou a existência de certa sujeição ao aprimoramento das qualidades inatas ou adquiridas que deveriam ser utilizadas na maximização de suas potencialidades, gerando rendas decorrentes do capital humano que possuem. Se do ponto de vista macro, o neoliberalismo procurou restringir a razão do Estado no intuito de eliminar eventuais excessos de governo, do ponto de vista individual, ele instaurou uma racionalidade firmada no autocontrole, regulado por tecnologias de governos de condutas que buscavam administrar os possíveis excessos dos impulsos.

Os teóricos do capital humano, sobretudo, Gary Becker, que segundo Foucault (2008b) é o autor neoliberal mais radical desta vertente estadunidense, afirmam que os comportamentos e condutas dos indivíduos devem ser tomados como elementos

155 primordiais nas análises econômicas. Assim, a chamada conduta racional, enfatizada por Becker, pressupõe que todo comportamento deve visar à otimização de recursos, sendo sensível a modificações de variáveis dadas pelo meio. No entanto, a relação entre as variáveis do meio e as condutas dos indivíduos assinaladas pelos teóricos do capital humano também são os pilares da teoria comportamental desenvolvida por Burrhus Skinner, criador do Behaviorismo Radical, que defende a tese de que o controle de fatores ambientais constitui uma nova tecnologia que poderá produzir indivíduos extremamente funcionais à sociedade.

Não é por acaso que a Psicologia Comportamental viria a se tornar, nos anos 1990, uma aliada inseparável da psiquiatria biológica, como se verifica nos tratamentos para as compulsões. Ambas atenderão às exigências colocadas pela governamentalidade neoliberal para as quais o indivíduo deve administrar suas condutas com vistas a conquistar ganhos em saúde mental e qualidade de vida. Por meio dos saberes psiquiátricos sobre as compulsões, observa-se que o atual estágio do capitalismo não requer a formação de subjetividades que sejam apenas avessas a riscos (como os colecionadores patológicos e os maníacos por limpeza) ou então apenas predisposta a eles (como os jogadores patológicos ou os pródigos em compras). O neoliberalismo exige dos indivíduos o reconhecimento dos sinais ambientais emitidos pelos contextos em que estão imersos. Eles são indispensáveis para o cálculo de riscos e para a elaboração das “melhores” condutas a serem desempenhadas. Tal como faz uma empresa, o indivíduo precisa de análises de conjuntura para determinar sua ação (SIQUEIRA, 2010: 161).

Certamente um dos aspectos mais intrigantes da governamentalidade neoliberal se deve ao fato dela atribuir ao indivíduo à responsabilidade de administrar não apenas as aparentes “liberdades” criadas por ele, mas também suas limitações, coerções e controles. Foucault (2008b) não foi o único a chamar a atenção para o fato de que o neoliberalismo só governa com veemência por meio do consumo de liberdades. Deleuze (2008), ao tratar das sociedades de controle, também reconheceu sua capacidade aparentemente paradoxal de criar sentimento de liberdade e infinitude, ao mesmo tempo em que multiplica certos mecanismos de controle.

Foi a partir desta perspectiva de Deleuze que Siqueira (2010) concluiu que os compulsivos emergem nas sociedades de controle também por meio da relação aparentemente contraditória entre a produção de liberdades e o controle exercido sobre elas, entendendo que é exatamente este jogo que caracteriza o neoliberalismo na perspectiva de Foucault. Assim, quanto mais estas liberdades se difundiam no século XX, mais surgiam dietas, regimes, profilaxias, conselhos, recomendações e demais protocolos de condutas e de comportamentos que visavam administrar e controlar quaisquer tipos de relações.

156 Siqueira (2010) constatou que as compulsões deixaram de ser diagnosticadas exclusivamente como transtornos de comportamentos e condutas excessivas na medida em que passaram serem tratadas como “patologias” da liberdade e como “doenças” do neoliberalismo. Ao reclamar cada vez mais por novas modalidades de governos das condutas dos indivíduos, estas diferentes tecnologias de controle provenientes do poder médico contemporâneo que operavam sobre as compulsões, acabaram incidindo sobre as drogas através de atuações sobre os campos da saúde e da segurança pública; circunscritos pelas políticas de redução de danos, que culminaram com a intensificação das políticas fundamentadas na chamada tolerância zero.

Políticas de Redução de Danos

Uma das figuras mais citadas não somente no Brasil, mas em todo o planeta, no que se refere às políticas de redução de danos, é o professor de psicologia e diretor do

Addictive Behaviors Research Center da Universidade de Washington, Gordon Alan Marlatt (1999a; 199b). Certamente, um de seus trabalhos de maior destaque foi à organização da obra intitulada “Redução de Danos: Estratégias práticas para lidar com comportamentos de alto risco”, onde o autor não apenas apresenta os principais elementos desta política situada, sobretudo, no campo da saúde pública, como também relata algumas experiências observadas sobre este assunto em diferentes países, conforme apresentarei doravante.

As políticas de redução de danos executadas atualmente em diversos países do globo iniciaram-se com o relatório de Rolleston implementado na Inglaterra, em 1926, que estabelecia um princípio segundo o qual o médico poderia prescrever legalmente substâncias derivadas do ópio para os dependentes de alguns tipos de drogas. Este ato médico fundamentado na prescrição de certos medicamentos que objetivava reduzir a incidência da dependência de substâncias psicoativas ilícitas era entendido como tratamento e não como “gratificação da adição”. Portanto, entregava-se ao médico o poder tanto da prescrição quanto da escolha do modelo de tratamento destinado ao

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