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A atividade dos psicólogos de CRAS confronto com o real e suas variabilidades

Enquanto as normas são falhas porque consideram uma pequena parcela observável, a atividade nos mostra como o profissional age, imprimindo em seu trabalho toda sua subjetividade e identificação. A atividade é pautada pelo real. Real este que é imperfeito, imprevisível, inédito, diferentemente do ponto de vista do planejamento, da prescrição. Dejours (2012) entende o real como aquilo que não podemos controlar, que foge às previsões, aquilo que nos força ao fracasso, e é este fracasso, segundo ele, que nos impele a mobilizar nossa capacidade criativa para superá- lo.

Em conformidade com ele, Molinier (2013) afirma que o real é aquilo que coloca em xeque a aparente potencialidade de resolução dos métodos convencionais, desta forma a prescrição do trabalho nunca é seguida irredutivelmente à risca. Para a

autora, a prescrição se mostra falha, algo que nunca poderá ser executado fielmente. Isto se dá pelo fato de que uma situação de trabalho real está cravejada de incidentes, somos constantemente arremetidos pelo inesperado, pelo que não pode ser ou não foi

planejado.

Durrive e Schwartz (2008) descrevem o real:

Por oposição ao que deveria ser ou poderia ser (por exemplo, o que é prescrito ou antecipado no trabalho), o real é o que resiste ao esforço que desenvolvemos para o transformar e / ou para o conhecer. Neste sentido, o real é um horizonte, nunca é inteiramente circunscrito, mas está sempre a sê-lo mais. A realidade seria então a parte do real de que conseguimos uma representação (p. 27).

A atividade é a realização dos objetivos descritos na tarefa, porém em confrontação ao real. É a realização daquilo que é esperado tomando, no entanto, os caminhos colocados pelo real, que, como visto, é imprevisível. Para Guérin et al (2001), primordialmente:

(...) a atividade se opõe à inércia. É o conjunto dos fenômenos (fisiológicos, psicológicos, psíquicos...) que caracterizam o ser vivo cumprindo atos. Estes resultam de um movimento do conjunto do homem (corpo, pensamento, desejos, representações, história) adaptado a esse objetivo (p, 16).

Cada situação de trabalho traz consigo uma gama de possíveis imprevistos. Um psicólogo do CRAS pode ter dificuldades para realizar o cadastro de uma família no sistema caso a internet não seja de qualidade, por exemplo.

Este distanciamento entre o que se prescreve o que efetivamente se faz, dá-se justamente em função das variabilidades colocadas pela situação real de trabalho.

influenciando a atividade. Segundo os autores, podem-se distinguir duas grandes categorias de variabilidades: uma normal, que é fruto da própria modalidade de trabalho, como, por exemplo, no caso dos psicólogos de CRAS, a inexistência de uma infraestrutura adequada à sua atuação, como uma sala específica para escuta e

atendimento, ou a falta de transportes para deslocamento necessário para a realização das visitas de condicionalidades do Bolsa Família, dentre outras; e uma incidental, que se dá em face de problemas ou elementos desconhecidos que possam estar presentes naquele momento da realização da atividade, como, por exemplo, a falta de algum funcionário, ou algum caso de violência dentro do ambiente do CRAS.

Quanto a estas variabilidades, Dejours (2012) e Molinier (2013) entendem que é em situações como esta que o indivíduo manifesta toda sua engenhosidade, suas

artimanhas laboriosas, sua inteligência astuciosa. Em acordo com isto, Zarifian (2003) coloca que a competência traduz-se justamente pelo agir autônomo e eficiente na tentativa de resolução de imprevistos colocados pelo ambiente de trabalho.

Nouroudine (2004) afirma que a defasagem encontrada entre as dimensões do prescrito e do real mostra a impossibilidade de fazer do trabalho uma mera execução de normas. Para ele, permite ainda compreender que o processo de trabalho subscreve-se numa constante dialética entre as normas antecedentes e a renormatização. Isto será discutido no tópico a seguir.

Cada trabalha dor realizará sua atividade tendo em mente a mesma tarefa. No entanto, cada atividade traz consigo o traço de pessoalidade, de não transferibilidade de valor, que é inerente ao operador. Desta forma, a atividade é, em última instância, a impressão da subjetividade do operador na tentativa de realização da tarefa (Guérin et al, 2001). Ainda para os autores “(...), o resultado da atividade é sempre uma „obra (ergon) pessoal‟, sinal de personalidade, etc., daquele que a produziu” (p. 18).

Dejours (2012) e Molinier (2013) entendem que o trabalho é fonte de manifestação da subjetividade do operador, bem como aquela é ao mesmo tempo reimpressa de acordo com este. Ora, entenda-se para tanto que o homem ao mesmo tempo em que imprime sua pessoalidade na realização de uma atividade, esta realização reverbera também na estruturação de sua pessoalidade.

Outro aspecto reverberante na atividade é a regulação. Falzon (2007) descreve este elemento como: “um mecanismo de controle que compara os resultados de um processo com uma produção desejada e ajusta esse processo em relação à diferença constatada.” (p. 10). Segundo o autor, este processo de regulação é utilizado na ergonomia de duas formas que dizem respeito ao objeto sobre o qual incidem: a regulação de um sistema, onde o trabalhador exerce a função de um comparador e regulador de um sistema técnico e a regulação da própria atividade humana, que diz respeito ao momento onde o operador regula sua própria atividade com o intuito de evitar repercussões negativas desta nele próprio (Falzon, 2007). Esta última é a modalidade mais importante para as considerações acerca da atividade dos psicólogos de CRAS, aqui em foco.

Por realizarem um trabalho social, que de acordo com Villate, Teiger e Caroly- Flageul (2007), mantêm prescrições imprecisas e que na maioria dos casos acabam por incidir numa maior cobrança ao trabalhador que acaba se autoprescrevendo, os

psicólogos podem sofrer por estarem constantemente se autorregulando sem, no entanto, terem padrões que possam norteá-los.

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