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CAPÍTULO 4. A ÉTICA E O DIREITO NA ATUAÇÃO POLÍTICO-DISCIPLINAR DO

4.1 A ATIVIDADE POLÍTICA DO PODER JUDICIÁRIO

Como de início já asseveramos, na introdução deste trabalho, ainda que até mesmo no exercício de sua atividade precípua, ou seja, a jurisdicional, o Poder Judiciário também acaba por desempenhar papel político – utilizando-se aqui, vale sempre destacar, o conceito lato sensu de ato político –, na medida em que, ao procurar oferecer soluções mais adequadas para diversos tipos de conflitos, seja de natureza pública seja privada, sua atuação se desenvolve em busca de uma paz social mais justa e duradoura, o que, assim, não deixa de possuir inegável caráter político.

Sem dúvida, essa característica de pacificador emana, dentre várias posturas do juiz, daquela específica que revela seu apreço pela ordem constitucional. A opção de interpretar a Constituição e o compromisso de conferir à sua letra e ao seu espírito, dentre as muitas possíveis leituras, a que for mais adequada e razoável, dá azo, efetivamente, a uma atuação de cunho pacificador, socialmente falando.

E a razoabilidade e a adequação de sua interpretação normativa decorrem da conformidade com os parâmetros de Justiça acolhidos pelo sistema. Disposto a uma revisão dos conceitos de legitimidade e de imparcialidade, o juiz assume o desafio de concretizar as mensagens normativas do constituinte. Ao colocar em segundo plano o seu status de agente de poder em cotejo com o de mera autoridade judicial, pode, sim, o juiz converter-se em eficaz agente da pacificação, resultado esse de inegável teor político.

Aliás, enveredando exatamente pela mesma seara, José Renato Nalini afirma que

Para assumir a função de agente pacificador, aquele capaz de conferir solução eficaz para os conflitos, o juiz precisa se compenetrar de novas responsabilidades. Insuficiente o domínio da técnica jurídica. Este conhecimento ajuda. Pode ser instrumento hábil, necessário, mas impotente para a plenitude a que se preordena sua função. O desempenho de uma função política extraível da vontade fundante e destinada a edificar um Estado de Direito de índole democrática é incomensuravelmente maior do que aplicar a lei à controvérsia. A proposta é outra, mais complexa, mais abrangente.93

Não se olvide, ainda, em interessantíssima abordagem do tema, que, segundo a lição de Eduardo Appio, “A principal função do Poder Judiciário no contexto político do século XXI será a de permitir a efetiva participação de grupos e segmentos da sociedade que não têm acesso aos canais de comunicação com o poder político”94, função essa que, desnecessário destacar, possui natureza e

espírito de cunho preponderantemente político.

Outrossim, cumpre acrescentar, o Poder Judiciário vem participando cada vez mais de forma ativa na análise da constitucionalidade, ou não, de leis e atos normativos. Nesse sentido, portanto, há que se reconhecer o Judiciário como ente realizador, também, da função política do Estado, uma vez que, ao declarar ou não a constitucionalidade da legislação e criar jurisprudência, no sentido de estabelecer normas gerais a serem seguidas pela sociedade, ele está a realizar atividade eminentemente política.

Ora, o controle de constitucionalidade, somado ao controle da legalidade, implica a contenção dos abusos das demais funções do Estado e, portanto, é sim função política. Nesses casos, o Poder Judiciário atua como legislador negativo, afastando o ato normativo contrário à Constituição.

Mas o escopo do presente trabalho, reitera-se, não é o de se debruçar mais esmiuçadamente sobre o cunho político da atividade do juiz, mesmo quando no exercício de sua atividade precípua, ou seja, a jurisdicional. Isso foi aqui mencionado apenas em razão da estranheza que muitos poderão sentir, num primeiro momento,

93 A Rebelião da Toga. 2ª ed. Campinas: Millennium, 2008, p. XXIV.

ao lerem um trabalho cujo tema aborda a atuação política do Poder Judiciário em determinada esfera de suas atribuições.

Assim, para aqueles que nunca pensaram mais detidamente sobre o assunto, procura-se aqui demonstrar que o Poder Judiciário, sob certa ótica, exerce atividade política não só no campo administrativo, onde se insere a órbita disciplinar, mas até mesmo quando desempenha atividade jurisdicional.

E, na esfera administrativo-disciplinar, quer nos parecer que não paira qualquer dúvida sobre o caráter eminentemente político dos atos provenientes de tal atuação, mesmo que advinda do Poder Judiciário.

Afinal, invocando-se a lição de Hely Lopes Meirelles, o denominado ato político “não passa de um ato de governo, praticado discricionariamente por qualquer dos agentes que compõem os Poderes do Estado”95, dentre os quais se

inclui, óbvia e naturalmente, como corolário lógico da própria forma de constituição da República, o Poder Judiciário.

Aliás, ainda na esteira do magistério do autor acima citado, a política é, também, “forma de atuação do homem público quando visa conduzir a Administração a realizar o bem comum”.96

Em verdade, retrocedendo-se aos ensinamentos recebidos ainda em tempos de formação acadêmica, sabe-se que cada órgão do poder estatal (no Brasil temos uma república tripartite, composta pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário), exerce, segundo o magistério de Michel Temer, “preponderantemente, uma função e, secundariamente, duas outras. Da preponderância advém a tipicidade da função; da secundariedade, a atipicidade”.97

95 Direito Administrativo Brasileiro. 32ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 45. 96 Ibidem, p. 45.

Destarte, o Poder Judiciário, fora de sua atuação principal, a jurisdicional, também exerce outras atividades, como a legislativa, ao editar, por exemplo, suas normas regimentais e provimentos, e como a executiva, administrando e organizando seus integrantes (servidores e magistrados), nas quais se insere, consequentemente, o controle disciplinar exercido sobre eles (integrantes).

E a essas atividades todas, fora daquela principal, não se pode, portanto, deixar de atribuir caráter eminentemente político, uma vez que, como antes referido, o ato de governo é ato político.

Também não é diferente aqui o entendimento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, para quem a função da administração pública de editar atos de conteúdo jurídico “não fica absorvida apenas pela função administrativa de realização concreta dos interesses coletivos, mas compreende também a função política ou de governo”98, de onde se conclui que os atos praticados no campo administrativo-

disciplinar pelo Poder Judiciário, assim como o seria igualmente em relação aos demais poderes, têm natureza política e, portanto, política é a atividade de que decorrem.

Em suma, parece-nos a esta altura suficientemente clara a natureza política também da atuação administrativo-disciplinar, daí porque despiciendas se fazem maiores considerações sobre a questão, sob risco de enveredar por caminhos que não aqueles originalmente traçados como objetivo deste trabalho.

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