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3. INTERACIONISMO SÓCIO-DISCURSIVO

3.2. Atividade social, atividade de linguagem e mundos representados

Seguindo Léontiev (1979), Bronckart (2009) designa por “atividade” as organizações funcionais de comportamento dos organismos vivos, a partir das quais eles têm acesso ao meio ambiente e constroem elementos de conhecimento (representação) sobre esse ambiente. As atividades estão associadas, então, a processos de cooperação e são, portanto, coletivamente organizadas.

Bronckart (2009) considera que a espécie humana é caracterizada pela extrema diversidade e pela complexidade das suas formas de organização e, portanto, das suas formas de atividade. Essa diversidade está associada à emergência de um modo de comunicação particular, que é a linguagem. Para o autor, é essa emergência da linguagem que confere uma dimensão social às organizações humanas eàs suas atividades.

Ao defender que as atividades estão associadasa processos de cooperação, Bronckart (2009) tenta estabelecer diferenças entre a cooperação na espécie humana e nas outras espécies animais. Para ele, nas outras espécies animais, os organismos engajados em uma atividade constroem representações sobre o contexto, sobre a atividade e sobre os pares que estão implicados nela. Para o autor, nas outras espécies animais, a atividade é marcada, sobretudo, por situações comunicativas com caráter fundamentalmente acionador, ou seja, no mundo animal, a correspondência entre o sinal e a resposta comportamental é direta, não havendo, portanto, negociação nem contestação. Assim, no mundo animal, em que há ausência de diálogo, os conhecimentos elaborados pelo animal durante sua participação em uma atividade são

representações não negociadas – nem negociáveis - sobre o meio, embora sejam marcadas pelas modalidades de cooperação próprias do grupo e/ou da espécie.

Já na espécie humana, ao contrário do que acontece nas outras espécies animais, a cooperação dos indivíduos engajados na atividade é regulada e mediada por interações verbais. Para caracterizar a atividade na espécie humana, Bronckart (2009) recorre ao agir comunicativo de Habermas (1987). Para o primeiro autor, a emergência do agir comunicativo é também constitutiva do social.

Bronckart (2009) defende, então, que os signos, que cristalizam as pretensões à validade designativa, são formas negociadas e, portanto, veiculamrepresentações coletivas do meio, que se estruturam em configurações de conhecimentos que podem ser classificadas, de acordo com Popper (1972/1991) e com Habermas (1987), como mundos representados.

Segundo Habermas (1987), três mundos podem ser distinguidos. O primeiro deles considera que os signos podem remeter, dentre outros, a aspectos do meio físico; assim, o ser humano dispõe de representações, conhecimentos coletivos acumulados, pertinentes sobre os parâmetros do ambiente, que constituem o mundo objetivo. O segundo deles considera que os signos podem também incidir sobre as modalidades convencionais de cooperação entre os membros do grupo (ou seja, sobre o modo da organização da tarefa), as quais constituem o mundo social. Por fim, o terceiro deles considera que os signos também podem incidir sobre as características próprias de cada um dos indivíduos engajados na tarefa, as quais compõem o mundo subjetivo.

Sob essa perspectiva, Bronckart (2009) propõe que o homem, a partir do agir comunicativo,transforma o meio nesses mundos representados, que constituem o contexto específico de suas atividades. Assim, como procedentes das atividades, que são sempre coletivas e sociais, os conhecimentos humanos tornam-se construtos coletivos.

Entretanto, Bronckart (2009) enfatiza que essas construções coletivas referem-se a processos de cooperação entre indivíduos e estruturam-se em um mundo representado específico: o mundo social. Nesse sentido, ao regular as modalidades de acesso dos indivíduos aos objetos do meio, o mundo social condiciona, então, as formas de estruturação do mundo objetivo e do mundo subjetivo.

Para Bronckart (2009), os mundos representados, que definem o contexto das atividades humanas, são construídos a partir dos signos (organizados em textos e em discursos), que dependem do uso e que, portanto, veiculam significados sempre

moventes. Assim, “esses mundos, por sua vez, também se transformam permanentemente” (BRONCKART, 2009, p. 35).

O autor atenta que a atividade verbal só se realiza no quadro de uma língua natural particular. Nesse sentido, cada língua engendra o processo representativo geral da linguagem humana de acordo com suas próprias modalidades, o que, para Bronckart (2009), confere propriedades sempre particulares aos produtos representados (os significados). Assim, cada língua tem sua semântica própria e é através dessa semântica própria que os mundos representados são construídos. A partir dessa premissa, Bronckart (2009, p. 36) destaca que os mundos representados são marcados “por essa semântica particular e [que] é, sem dúvida, dessa diversidade das semantizações dos mundos representados que se origina uma parte importante das variações entre as culturas humanas”.

O autor também destaca que uma língua natural, como uma instituição social, pode assegurar a intercompreensão entre os membros do que Saussure (1916) classifica como comunidade verbal.40 Entretanto, Bronckart (2009) alerta que a posição saussureana implica que as comunidades verbais sejam consideradas realidades sociais globais sociologicamente homogêneas. O teórico do ISD discorda, então,dessa premissa e advoga que as comunidades verbais são atravessadas por organizações diversas, complexas e hierarquizadas, nas quais se desenvolvem - permanentemente – relações de força e conflitos entre grupos sociais com interesses próprios (muitas vezes, discordantes).

Assim, para Bronckart (2009), uma comunidade verbal é constituída por múltiplas formações sociais, que, de acordo com seus objetivos e interesses particulares, elaboram modalidades particulares de funcionamento da língua, que são as formações discursivas de Foucault (1969).41 Essas formações discursivas, adotadas, no quadro do ISD, como formações sociodiscursivas, moldam os conhecimentos dos membros de uma mesma formação social.

Outro pressuposto teórico defendido por Bronckart (2009) advoga que o funcionamento da linguagem, assim como todas as produções humanas, apresenta um caráter histórico. O ISD propõe, então, que é no quadro de uma atividade mediada pela

40Entretanto, para Bronckart (2009, p. 37), “mesmo que uma língua assegure a intercompreensão, ela não pode ser considerada como uma entidade única e homogênea”.

41Segundo Bronckart (2009, p. 140), “teríamos uma formação discursiva, a cada vez que ocorressem certas regularidades (de ordem, de correlação, de posição, de transformação, etc) entre os tipos de enunciações, os conceitos e as escolhas temáticas observáveis nos enunciados efetivos”.

língua que o homem tem acesso ao meio. Assim, para esse quadro teórico, a língua se apresenta como uma acumulação de signos, “nos quais já estão cristalizados os produtos das relações com o meio elaboradas e negociadas pelas gerações precedentes” (BRONCKART, 2009, p. 38, grifo do autor).

Sob essa perspectiva, os signos que constituíram e constituem os mundos representados mobilizam – e veiculam - os traços dessa construção histórica permanente. Nesse sentido, a significação dos signos implica negociação, que se dá, de acordo com Bronckart (2009, p. 38), “não só no confronto com as representações veiculadas pelos textos dos contemporâneos, mas também, e sobretudo, no confronto com as representações veiculadas pelos textos das gerações anteriores”. A partir dessa premissa, então, o ISD defende que as produções de linguagem dos sujeitos ocorrem, necessariamente, na interação com uma intertextualidade, em suas dimensões sincrônica e diacrônica.