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2 Plantão Psicológico como modalidade da prática clínica: o trânsito entreo ôntico e o ontológico

3.3 PROCEDIMENTOS DE PESQUISA

3.3.2 Atividades envolvidas no Plantão Psicológico

A sistemática de atuação do serviço do plantão obedeceu à seguinte organização: todas as semanas, desde seu início, nas segundas e terças-feiras, em horário comercial, os alunos exerciam a prática do plantão. A carga horária prevista era um total de 16 horas semanais, sendo oito horas em cada delegacia. A partir do momento em que as duas delegacias foram atendidas pelo plantão simultaneamente, houve um revezamento entre os alunos, de forma que todos atuassem nas duas delegacias.

3.3.2.1 Da intervenção e supervisão: modos e lugares

diferentes.... Ao final, uma mesma compreensão

- Da intervenção

A palavra intervenção aqui deve ser entendida como inter-(in)venção, ou seja, o que se cria entre algo, aqui, mais especificamente, na relação entre os participantes do plantão (plantonistas, usuários, profissionais da delegacia). Conforme foi delineado na sessão acima, as ações (Atendimento individual às mulheres que sofreram violência; Atendimento de casal e família; Pequenas palestras; Escuta/acolhimento das queixas; Acompanhamento de audiências dos

homens acusados de agredir mulheres; Atendimento aos profissionais da DEAM) se foram delineando na experiência do plantão à medida que se dava a experiência, ou seja, não foram ações previamente planejadas ou calculadas, deu-se a partir da experiência da prática toda a construção das intervenções.

Assim, vale a pena pontuar descritivamente como se efetivava cada uma dessas ações:

Atendimento individual –correspondeu à maior parte das intervenções.Diz

respeito a uma intervenção dual (terapeuta e usuário da DEAM) que geralmente se iniciava com a apresentação do plantonista. Por exemplo: “Meu nome é Darlindo Ferreira, sou psicólogo (ou „fulano de tal‟, estudante de Psicologia), e estou aqui para divulgar o Plantão Psicológico que fazemos na DEAM. Caso queira falar comigo, é só dizer”. O atendimento preferencialmente era realizado em dupla, um plantonista mais experiente com um menos experiente. Este último ficava em uma postura mais próxima de observador da intervenção, podendo também fazer intervenções no diálogo quando considerasse necessário.

Para facilitar nosso trânsito na DEAM, usávamos um crachá de identificação da universidade com nosso nome. Essa forma de intervenção dava-se primordialmente como um diálogo, em muitos casos iniciava-se com a pergunta: “Como você está se sentindo?”. Não havia um roteiro predefinido, nem previsão de tempo determinado; em média, levávamos de 30 a 40 minutos, porém houve atendimentos de até 4h.

Atendimento de casal –Basicamente, consistia na mesma rotina

doatendimento individual, com a diferença de ter que ser necessariamente com dois plantonistas, de preferência de sexos diferentes, pois percebemos que essa configuração de casal parecia favorecer abertura para a fala dos usuários em

atendimento. Em média, esse tipo de atendimento levava mais tempo que o individual, cerca de 1h a 2h. Nesse diálogo, algumas vezes foi possível reviver aspectos da violência original, que legitimou suas presenças na DEAM, como gritos, xingamentos etc., tudo bem à nossa frente. Boa parte do tempo era gasto na tentativa de que ambos pudessem se escutar, apenas sair do lugar previamente estabelecido (vítima, agressor) para deixar o outro dizer o que tinha a falar. Éramos, por vezes, confundidos com um mediador ou mesmo julgador, mas fazíamos questão de desconstruir essa impressão rapidamente. Geralmente, ao final dos atendimentos, os casais aparentavam-se reflexivos, questionando um pouco mais suas “verdades absolutas” que os trouxeram até ali.

Pequenas palestras –Corresponderam a apresentações previamente

elaboradas pelo grupo de estagiários com duração de 10 minutos. Foram confeccionados alguns cartazes, em folhas de cartolina e colagem de fotos de revistas, nos quais traziam informações concisas sobre: o que é violência contra mulher; quais os tipos de violência; o que é a lei Maria da Penha e, por fim, o anúncio do serviço do Plantão Psicológico na DEAM, inclusive com os horários e objetivos previstos. Essas palestras eram ministradas duas vezes em cada plantão na sala de espera, sobretudo quando esta se encontrava repleta de pessoas esperando para serem atendidas.

Acompanhamento de audiências dos homens acusados de agredir

mulheres –compreendeu o acompanhamento do procedimento administrativo da

DEAM de audiência entre os agressores, as mulheres (vítimas) e a delegada. Nossa participação consistiu em acompanhar o diálogo e fazer algumas intervenções no

sentido de esclarecer a todos que participam desse momento administrativo suas compreensões sobre o fato discutido.

Atendimento aos profissionais da DEAM –correspondeu ao atendimento

individual do plantão, envolvendo os profissionais da DEAM, desde a delegada até o pessoal dos serviços gerais. Inicialmente, os funcionários se apresentavam desconfiados sobre o que exatamente iríamos fazer no ambiente de trabalho deles, mas, com o tempo, foi sendo possível construir uma relação de confiança. O que nos foi desvelado com o tempo dizia da necessidade de acolhimento ao sofrimento que esses profissionais sofriam ao lidarem cotidianamente com a violência. Os profissionais da DEAM passaram a procurar o plantão com uma necessidade urgente de falar, dar algum sentido ao cotidiano fragmentado, repleto de dor, morte, injustiça.

- Da supervisão

Faz-se necessário situarmos melhor o que chamamos por supervisão. Esta se dava na própria DEAM e na universidade, sendo esta última uma vez por semana com horário previamente agendado (fixo). A primeira era realizada logo ao término do atendimento do plantonista. Já na universidade, com a presença dos outros estagiários, era mais demorada, com a possibilidade de um distanciamento maior sobre a vivência das ocorrências do plantão. Dessa forma, a supervisão foi-se constituindo como o lugar de trabalhar com o plantonista suas experiências vivenciadas no plantão, o que se configurou também como espaço de confirmação, de legitimação da prática.

De acordo com Bacchi (1999), esse tipo de supervisão se diferencia do que comumente é chamado de supervisão técnica, ou seja, a supervisão que tem por objetivo ajustar e acompanhar a utilização da adequação das teorias e técnicas realizadas pelos alunos frente às demandas de seu fazer de estágio. Pelo contrário, a supervisão de apoio psicológico vai-se configurar como um espaço privilegiado na formação, amplamente utilizado pelo grupo de pesquisadores do LEFE, principalmente nas áreas de saúde e educação com vistas à implicação dos sujeitos em uma construção de conhecimento alicerçado na experiência de aprendizagens significativas.

A supervisão é o momento onde é possível retomar e traduzir a experiência vivida, gerando sentidos. Sendo assim, torna-se claro que profissionais de saúde e educação se beneficiam de um espaço que lhes garanta a reflexão sobre sua prática e sobre tudo aquilo que esta desperta, para, assim, ressignificá-la, ampliá-la e torná-la comunicável. Para, assim, tornar viável a intervenção, o diagnóstico, a aprendizagem e o apossar-se de si mesmo em que implicam esses processos (Bacchi, 1999, p. 213).

Portanto,asupervisãosetransformoutambémemespaçode ressonância das vivências de todos que participavam do plantão, lugar de testemunhar e comunicar o

como fazia e o que se fazia em termos de intervenções no dia de estágio.

3.4 Os instrumentos de colheita das informações da