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Capítulo 2 – ESTADO, DIREITO E IDEOLOGIA

2.3 Ativismo judicial

No contexto social o Poder Judiciário é nitidamente um palco de luta de classes - não sendo o único, reforçamos -, pois no mais das vezes as partes envolvidas em um processo representam de um lado o capital e de outro o trabalho. Para que se concretize a teoria protetiva do Direito do Trabalho é fundamental uma atuação dos magistrados, enquanto coletividade, com consciência da realidade quanto aos direitos trabalhistas e sem perder de vista a sua participação no processo social. A essa atuação dá-se o nome de ativismo judicial. O magistrado se torna um protagonista, não uma entidade suprema que só fala em nome da justiça a despeito do conteúdo de suas decisões e atos.

Ativismo é a participação do magistrado incorporando valores éticos e os realizando através de suas decisões. Segundo Hommerding (2003, p. 7),

O juiz, ao julgar, deve sempre buscar a realização dos valores éticos, ainda que em detrimento dos valores estéticos e lógicos. O raciocínio judicial não deve ser meramente lógico-formal como preconiza a doutrina do positivismo jurídico; o juiz, como agente ético, deve sempre buscar a justiça, mesmo que para isso tenha de negar a lei, quando esta acarretar decisões injustas. [...] O juiz não pode se furtar à busca do justo. É na dimensão valorativa que o Judiciário se afirma como Poder Político do Estado, independente e soberano. A supressão dessa dimensão da função jurisdicional é a mais significativa forma de alienação do juiz.

Segundo Teodoro (2009, p. 205), “o ativismo judicial aparece como instrumento importante para a efetivação de direitos trabalhistas. Também pode ser hábil quando se fala acerca das omissões do Poder Legislativo.”

Utilizando a compreensão do Estado ampliado de Gramsci, em que há uma imbricada relação entre vários entes e entre várias forças conflitantes, podemos

relacionar o fato que a concretização dos direitos fundamentais, depende de fatores extrajurídicos (históricos e culturais) dentro dos Estados democráticos. (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008). E estes fatores podem mudar a concretização de direitos na historicidade de cada país, mesmo que tenham a democracia como pano de fundo. A vinculação do Poder Judiciário neste contexto, para os juristas, é definido por duas atuações: positiva, garantindo maior eficácia aos direitos; negativa, impedindo aplicação de dispositivos que desrespeitam os direitos fundamentais. (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008).

Importante atentar para a alteração da morfologia das relações de trabalho e opapel do Judiciário. Entendemos que há, sim, grande possibilidade de se resistir à precarização através de uma participação ativa e coletiva do Judiciário Trabalhista.

Com a Emenda Constitucional 45 (2004), o Judiciário Trabalhista teve sua competência ampliada. Agora julga todas as relações de trabalho (gênero) e não só as relações de emprego (contrato de trabalho clássico). Este fato leva os mais diversos tipos de vínculos contratuais para a pauta diária das audiências trabalhistas. Então, mesmo que o fenômeno da flexibilização tenha trazido para a realidade social inúmeros tipos de vínculo (contratação a termo, parcial, temporária, subcontratação ou vínculo informal) deve o magistrado averiguar fraudes e buscar sempre o melhor para o trabalhador, que ainda é o vínculo empregatício clássico, com todas as suas garantias. No Brasil se mantém o emprego assalariado formal77, que para alguns é “o que de melhor o capitalismo brasileiro tem constituído para a sua classe trabalhadora, pois vem acompanhado de um conjunto de normas de proteção social e trabalhista [...].” (POCHMANN, 2002, p. 98).

Isto posto, o conceito e a caracterização de relação de emprego não deve ser alterado para atender interesses econômicos de mercado. A realidade social trabalhista está cada vez mais heterogênea, o que traz dificuldades aos juristas, posto que aprendem a estudar a partir de regras (situações específicas e definidas, com destinatários certos). Entendemos que esta dificuldade pode levar a uma aceitação, ou submissão, ao que está sendo praticado, mesmo que fraudando os direitos trabalhistas básicos.

77 Aquele que garante carteira de trabalho anotada, contrato por prazo indeterminado e todos os

Assim aduz Merçon (2007, p. 106):

Desta forma, embora acarretando um crescimento percentual das relações de trabalho não-empregatícias no mercado de trabalho, a precarização do trabalho, no mais das vezes, não transmuda a natureza da prestação, que subsiste substancialmente nos moldes da relação de emprego, ainda que sob novo formato (contratação a termo, parcial, temporária, subcontratação ou vínculo informal). Do que se conclui que a nova morfologia do trabalho em regra não lhe desvirtua a essência, tampouco pulveriza a supremacia da relação de emprego ante as demais espécies de relação de trabalho. Por isso é importante atentar para o risco de a EC 45/04 servir de instrumento à flexibilização do conceito de relação de emprego e à relativização da fraude, em verdadeira precarização jurídica do

trabalho – o que ocorrerá, por exemplo, toda vez que o juiz do

trabalho acolher a fôrma de trabalho autônomo forjada pelas partes para desfigurar autêntica relação de emprego.

Estudando a atuação dos juízes, Teodoro (2009, p. 210) aduz:

Se torna imprescindível a generalização de uma formação ética e intelectual humanistas do juiz, bem como incutir-lhe a consciência de que o julgamento não pode estar distanciado da realidade dos destinatários dos direitos previstos na Constituição.

Devemos disseminar a missão que o juiz tem de reconstruir os fatos narrados nos autos para ter acesso à verdade real. E para isso ele deve estar preparado para conhecer o caso concreto e decidir de forma a efetivar amplamente os direitos trabalhistas. (negritei) E Vasconcellos (2006, p. 222) também afirma sobre a função do Judiciário Trabalhista no capitalismo:

Quanto a nós, magistrados do trabalho, enquanto esperamos, confiantes, que cada um e todos os interlocutores sociais assumam seu papel nesta difícil empreitada, no sentido de barrar, ou pelo menos atenuar, os males trazidos pela estruturação da economia capitalista nos moldes acima descritos, devemos ter sempre em mente, acima de tudo, que o direito do trabalho não nasceu para servir como instrumento da economia, mas para humanizá-la e tutelar o trabalhador, frente à insensibilidade do capital, que pretende transformar tudo em mercadoria.

É importante que se perceba que o ativismo é estudado e incentivado exatamente porque a existência de uma função social (ou de um aporte teórico) em

um ramo jurídico não é sinônimo de concretização desta função e não deve ser utilizada como proteção confortável de críticas e de mudança.

Neste passo, a legitimidade social da estrutura justrabalhista como mediadora do conflito entre capital e trabalho deve também ser buscada além de construções teórico-normativas, como veremos a seguir.