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Ao explorarmos o esporte, necessitamos ampliar nosso horizonte para compreender todas as faces do comportamento humano frente a situações vividas neste contexto (MACHADO; BRANDÃO, 2006). Como já foi apresentado nesta dissertação anteriormente, há uma multiplicidade no que diz respeito ao entendimento das atletas do Cruzeiro com relação à saúde. As narrativas delas renderam-nos compreensões interessantes e bastante diversificadas.

Contrário ao entendimento hegemônico de que “os atletas por serem considerados como o segmento da sociedade mais saudável, em que se tem a crença de que as qualidades atléticas desses são um reflexo de seu estado de saúde” (MENESES et al., 2013, p. 5), algumas das jogadoras apresentaram visões que mostraram um outro lado da prática esportiva – os quais nem sempre são benéficos.

Nos anos 80, “as atenções são dirigidas para os atletas, àqueles que geralmente são considerados como saudáveis. A sedução que a imagem do atleta

87 provoca, ao estar associado à saúde através do esporte racionalizado” (MENDES, 2007, p. 85), indica padrões a serem seguidos. Com tudo, isso não acontece sempre, sendo possível relativizar essa posição. Quando as jogadoras falaram sobre a rotina de treinos e jogos, a questão do desgaste energético que o futebol demanda sobrepõe as falas, expressando certo tom de prejuízo à saúde delas.

Considerando que o futebol caracteriza-se como um exercício inconstante com muitos períodos dinâmicos e contato físico intenso, observa-se que essa característica demanda inúmeras alterações e adaptações fisiológicas impostas por esses exercícios durante sua carreira, o que exige que os atletas trabalharem próximo de seus limites máximos de exaustão (SILVA et al., 2005), sendo comum o aparecimento de lesões, extremo cansaço e fadiga.

Nesse contexto, a reflexão relatada pela Marta ilustra tal fato ao apontar a intensidade e frequência com que ocorrem os treinos:

Fisicamente, é aquela história né? Ser atleta não é sinônimo de saúde. Então, a gente tá ali numa fase de treinamento muito pesada, as vezes a gente treina em dois cantos diferentes, as vezes a gente treina em Macaíba, e vem aqui pra Universidade, e tem esses dois treinos seguidos … e acaba que em relação a dor muscular é muito pesado (Marta).

A partir do relato, percebemos que a atleta compreende a rotina extenuante de treinos como prejudicial à sua saúde. Isso também fica evidente na fala da jogadora Cristiane ao expor que: “os treinamentos e jogos interferem na saúde tanto positiva como negativamente, porque querendo ou não, na minha visão o esporte agride um pouco o corpo – você é sempre submetido a ir além do que seu corpo suporta”.

Nesse caso, a prática do futebol acaba se apresentando como maléfica à saúde dessas mulheres, encaminhando as atletas para um estado não saudável, visto que os limites não são respeitados, em algumas ocasiões, tornando a prática um sacrifício corporal.

Outros aspectos são citados pelas jogadoras quando questionadas a respeito das interferências dos jogos e treinos na saúde. Um deles é o entendimento que aponta a saúde como contrária à doença. As jogadoras mencionaram o surgimento de algumas patologias como consequências negativas da intensidade e rotina de treinos, que ocorrem cerca de três vezes por semana no campo gramado, juntamente com o treino na academia, cuja sequência varia. Vejamos as falas da Antônia e Letícia:

88 Eu acho que a rotina de treino e jogo por vez, ela atrapalha um pouco a saúde sim, já tem casos de eu voltar doente de competições - como foi o caso da Copa do Nordeste, que a gente jogou 8 jogos seguidos, todos os dias e o corpo, assim, ele fica cansado e não aguenta né?!E por vezes eu adoeço, eu fico com bastante crise de garganta ... eu tenho isso, a cada dois meses eu tenho crise de garganta. Creio que os treinamentos e os jogos, como é uma rotina muito pesada e tá ali treinando todo dia (Antônia).

Assim, quando tenho treinos muito intensos e mesmo assim não deixo de ter minha rotina normal de estudo e trabalho, meu corpo ele fica muito mais fragilizado, acho que essa semana foi o ápice de tudo - eu acho que eu tava muito cansada, assim nos meus dias porque eram treinos muito intensos e eu não podia deixar de ir para a aula e nem estagiar, então, normalmente quando eu chego nesse ponto eu adoeço com muita facilidade, passo três dias doente, com febre ... enfim, é muito prejudicial pra minha saúde (Letícia). Esses comentários reforçam que “o conceito de doença, por sua vez, construído a partir de uma redução do corpo humano, considerando os aspectos morfológicos e funcionais definidos pela anatomia e fisiologia” (PALMA; ESTEVÃO; BAGRICHEVSKY, 2003, p. 15) se entrelaçam com o cotidiano das jogadoras e elas assumem essa visão quando relacionam o assunto ao esporte que escolheram praticar.

Assim, a doença costuma ser limitada ao seu aspecto tão somente orgânico, sem considerar questões do viver humano, bem como suas relações, os quais podem também gerar distúrbios e trazer prejuízos à sua saúde. Nesse contexto, o pensamento de Gadamer (1993) vem colaborar com esse entendimento mais ampliado, ao afirmar que a doença não é apenas um fato médico-biológico, mas sim um processo relacionado com a história de vida do indivíduo e com a sociedade, ou seja, não é apenas a patologia que indica se o sujeito é um ser saudável ou não, mas sim todo o contexto em que está inserido.

A esse respeito, considerando um cenário epistemológico na Educação Física e dos esportes em que até meados do século XX os debates sobre a saúde não eram apreciados, podemos perceber que ainda é comum depararmo-nos com a compreensão limitada de saúde a qual é vinculada à ausência de doença. Sob esse viés, Mendes (2007, p. 87) explica que “até o período citado anteriormente, as publicações analisadas, no geral, permanecem alheias a outros fatores relacionados à saúde, como as desigualdades econômicas, a insalubridade das cidades, as condições desfavoráveis de habitação, dentre outros”, diferente das discussões atuais sobre a saúde.

89 Essas representações de saúde, embora sejam fixas, também sofrem ressignificações e adquirem novos valores e sentidos, como exposto a seguir, onde discutiremos alguns elementos que se entrelaçam com as práticas esportivas, bem como para a construção dos corpos dessas jogadoras, os quais foram revelados a partir das falas delas.