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1. Aspectos metodológicos

2.2. Polidez lingüística

2.2.3 Atos de ameaça às faces

Brown & Levinson oferecem uma classificação dos atos contra a imagem, atendendo aos seguintes critérios:

♦ Qual face, a positiva ou a negativa, viu-se ou sentiu-se ameaçada? ♦ Quem viu sua face positiva ou negativa ameaçada, o falante ou o

ouvinte?

Marcuschi (2001) resume os possíveis atos de ameaça à face da seguinte forma:

ƒ Desaprovação, insultos e acusações são atos que ameaçam a face positiva do ouvinte;

ƒ Pedidos, ordens e elogios são atos que ameaçam a face negativa do ouvinte;

ƒ Auto-humilhação e autoconfissões são atos que ameaçam a face positiva do falante;

ƒ Agradecimentos, desculpas e aceitação de ofertas são atos que ameaçam a face negativa do falante.

B&L partem da MP (pessoa modelo), dotada de face e racionalidade e propõem que o falante dispõe de estratégias lingüísticas para preservar as faces ameaçadas e estas atendem às necessidades também do ouvinte. São estratégias de mitigação ou atenuação:

A) A primeira das estratégias consiste em realizar um ato de forma intencional e sem compensação, o que os autores denominam on record. Realizar um ato sem compensação supõe que nossa interação comunicativa ficou clara e que foram sempre observadas as máximas do Princípio de Cooperação de Grice, em 1975, mesmo que tenha havido um desvio da máxima, ela terá sido em função da preservação de uma das faces.

B) Outra estratégia é cometer um ato de ameaça às faces, FTA, com

compensação, isto é, o falante tenta mitigar a ameaça, utilizando-se de

uma ação compensatória, reconhecendo assim as necessidades do ouvinte como válidas. É possível compensar de formas complementares, que se dão de forma simultânea, com um mesmo fim social, a saber, a preservação mútua das faces, mesmo em se tratando de estratégias bem diferentes:

a. Polidez positiva: mantém a imagem positiva do ouvinte, alimenta o desejo de ser admirado, querido e compreendido pela comunidade, ou de que suas decisões sejam aprovadas. A compensação se obtém ao perceber que os desejos do outro se alinham com os seus próprios desejos, há solidariedade ou camaradagem, solidarity

politeness, em inglês. Outros conceitos podem ser acrescentados a

este, como o de envolvimento. B&L assinalam que este tipo de polidez é o menos problemático e está estreitamente relacionado ao desejo de nos acercarmos do ouvinte. Ao usar desta estratégia de polidez positiva, o falante indica, em primeiro lugar, que pertence ao mesmo grupo social do ouvinte; expressa também que algum aspecto do ouvinte é admirado ou desejado pelo falante; e, finalmente indica, que está disposto a beneficiar o ouvinte e que ambos cooperam na mesma atividade. Baseia-se na familiaridade. Estes aspectos vão resultar de grande importância dentro do discurso de telemarketing.

b. Polidez negativa ou de deferência: este recurso preserva a face negativa do ouvinte, o desejo que todos têm de não limitar e entorpecer a liberdade do interlocutor, não resultar em peso para ele. Baseia-se nos tópicos que se devem evitar, está voltada para o outro, é mais elaborado e convencional em nossa cultura ocidental. Minimiza-se o FTA com desculpas pela interferência na liberdade de ação.

C) Esta terceira e última estratégia de mitigação, proposta por B&L, consiste em levar a cabo um FTA sem compensação. Não há uma intenção comunicativa clara, é o ouvinte que deve fazer inferências para elucidar qual teria sido a intenção do falante com tal FTA. Seria uma violação das máximas do Princípio de Cooperação de Grice (1975), mas uma das estratégias de polidez mais persuasivas que existem, depende dos seguintes fatores ou variáveis sociológicos: a) da distância social entre ouvinte e falante; b) do poder relativo do falante sobre o ouvinte ou vice- versa; c) do grau de imposição absoluta, denominado em inglês de ranking

of imposition.

Baseados nos fatores acima, B&L (1987) propõem uma fórmula para calcular o grau de seriedade do FTA, independentemente se a ameaça deu-se à face positiva ou negativa. Precisa-se levar em conta que há variáveis sociológicas e que estas dependem do contexto, das mudanças de relações entre os participantes e não são de forma alguma absolutas.

Conforme Silva (1997), podemos observar alguns tipos de polidez a partir do modelo de B&L:

A polidez ‘off-record’ representa um ato comunicativo indireto, pois quem enuncia deixa uma saída para si, implicitando um número de interpretações defensáveis [...]. A polidez

positiva é o desagravo à face positiva do interlocutor, isto é, ocorre ao usarmos expressões

de solidariedade que remetem a benefícios para o interlocutor. Consiste em satisfazer, parcialmente, as aspirações desse interlocutor, dando a entender que há desejos comuns entre os interactantes. [...]. A polidez negativa ocorre quando empregamos expressões que evitam imposições ao interlocutor, como o uso de evasivas, como o desejo de não querer comprometer-se nem comprometer o outro. (Silva. 1997:187-189)

Um quadro ilustrativo das estratégias para execução de uma FTA demonstra a relação encontrada entre as ameaças e a polidez deferida:

Estratégias para execução do FTA

1.diretamente, sem compensação

diretamente (on record) 2. polidez positiva

faça o FTA com ação de compensação

3. polidez negativa

FTA 4. implicitamente (off record)

5. Não faça o FTA

(cf. Brown & Levinson, 1978:74)

Este esquema pode ser entendido da seguinte forma: o falante resolve fazer um FTA de maneira direta (1) ou implicitamente. De maneira direta, poderá usar de compensação ou não. A ação de compensação pode passar pela polidez positiva (2) ou negativa (3). O falante pode também fazer um FTA não explícito (4) ou desistir dele (5). Quanto maior o número que caracteriza a estratégia de polidez, mais indireta e mais atenuada será a realização do FTA. Conforme Meireles (1999):

esta estratégia implica em deixar de executar determinada ação pelo fato de ela ameaçar (na visão do falante) de tal modo a interação, que não há atenuação suficiente para os efeitos negativos que a sua realização causaria ao relacionamento entre os participantes da interação. (Meireles, 1999:59)

Apesar das numerosas críticas recebidas, o modelo de B&L (1987) constitui uma das primeiras tentativas de elaborar uma teoria da polidez lingüística reguladora das relações sociais e é, sem dúvida, um dos modelos mais completos. Fraser

(1990:219) afirma que, de todos os modelos de polidez existentes, o ponto de vista de B&L sobre preservação das faces é visto como o trabalho mais completo e mais claramente articulado até o momento, fornecendo, portanto, a melhor moldura dentro da qual se podem levantar questões cruciais sobre a polidez lingüística.