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Capítulo 5: Uma análise do processo

5.1. Experiências vivenciadas e interpretação pessoal

5.1.4. Atribuição causal do sucesso ou fracasso

A atribuição causal de sucesso ou fracasso tem grande influência nas crenças de autoeficácia, por ser a forma como o indivíduo avalia suas experiências. O sucesso ou fracasso é interpretado de forma diferente se sua causa é atribuída à capacidade, ao esforço ou aos aspectos externos (BANDURA, 1997). Atribuir o sucesso à capacidade é um auxílio para incrementar a autoeficácia, assim como atribuir as causas do fracasso à falta de esforço ou a um aspecto externo à pessoa pode contribuir para não prejudicar a autoeficácia.

No questionário inicial (outubro/2013), boa parte dos alunos (seis do total de quinze) concordou com a frase “Eu não acho a Matemática difícil, porém meus resultados nem sempre são bons, porque não tenho tempo para estudar fora das aulas”. Cinco alunos concordaram parcialmente (marcando a opção ‘às vezes penso assim’). Isso sugere a atribuição (mesmo que em parte) do fracasso à falta de esforço por não haver tempo, e não à falta de capacidade, e assim é provavelmente menos prejudicial para a autoeficácia. Quatro alunos discordaram da frase, Fernanda escreveu: “Porque eu acho a matéria difícil” e Diego: “Não gosto de matemática, então nem perco meu tempo estudando essa matéria”. Quatro entre os quinze alunos citaram a importância de se prestar atenção na aula, na explicação do professor, o que enfoca o esforço e ajuda externa:

“Eu acho a Matemática difícil, porém é preciso ter atenção na explicação do professor para aprender” (Amilton).

146 “A matemática não tem que estudar, nem tenho tempo para isso, mas tem que observar a explicação do professor e aproveitar mais as aulas para isso ter rendimento (aprender)” (Edna).

“A matéria se prestar muita atenção na sala de aula dá para aprender, só que para fixar mais a matéria tem que estudar um pouco mais, mas como trabalho o dia todo não dá para estudar” (Geovana).

“Pois nem sempre é por falta de tempo às vezes é por falta de atenção” (Higor).

Nesse questionário, em relação à frase “Eu acho a Matemática muito difícil, sempre achei, desde quando era pequeno. Não consigo entender o que professor explica. Acho que não tenho cabeça pra isso”, apenas dois alunos concordaram e a maioria (oito) discordou, sendo que entre estes quatro comentaram sobre a importância do bom professor, de estar presente e prestar atenção nas aulas, aspectos que foram citados na questão anterior. Uma aluna não marcou uma opção e a explicação dela foi também nesse sentido: “Muitas vezes eu entendo o que o professor explica, ai de mim se não fosse o professor” (Vanda). Novamente a questão da ajuda externa esteve presente.

Ainda no questionário, apenas dois alunos discordaram da frase: “Eu entendo o que o professor explica, mas tenho dificuldade em resolver os exercícios. Acho que fico nervoso, pensando que não vou conseguir”. Eles explicaram:

“Porque eu presto atenção na aula” (Adriano).

“Pois você tem que ter segurança em você mesmo” (Higor).

A maioria (onze) concordou parcialmente, marcando a opção: “Às vezes, penso assim”. As explicações foram diversas: nervosismo por causa do tempo curto (Amilton), cansaço (Francisco), ansiedade (Geovana). Fernanda respondeu que não sabe o porquê. Duas alunas apontaram certa dependência do professor:

“Quando o professor explica eu entendo, mas depois fico com dúvida” (Marlene).

“Sei tudo quando o professor explica, me pede para resolver eu já esqueci tudo” (Meire).

Essa questão tratou mais diretamente da ação do aluno ao realizar alguma tarefa na aula (resolver um exercício), ao invés vez de simplesmente observar, assistir (à explicação do professor) e, neste caso, eles não parecem muito confiantes em si próprios para atuar de forma autônoma. Ou seja, muitas vezes entendiam o que o professor explicava, mas quando precisavam agir por conta própria resolvendo uma atividade, as dificuldades apareciam; havia a sensação de ter entendido a explicação, mas isso não levava a ‘saber fazer’ a tarefa.

147 Na questão seguinte, parecida com esta, as respostas reforçam a ideia de que a explicação do professor é fundamental para a aprendizagem: “Quando o professor explica a matéria com calma, eu consigo fazer os exercícios”. Quase todos concordaram, apenas Meire concordou parcialmente e não escreveu comentário.

“Explicando e dando exemplos é mais fácil” (Amilton).

“Porque quem presta atenção dá conta de resolver a matéria” (Geovana).

Fernanda discordou e Vanda não marcou uma opção, sendo que estas duas citaram a dificuldade que têm com a matéria. Nesses dois casos, a dificuldade pode estar associada à percepção da própria capacidade, comprometendo o senso de autoeficácia:

“Porque eu não consigo entender muito da Matemática” (Fernanda). “Mesmo ele explicando com calma eu tenho mesmo um pouco de dificuldade” (Vanda).

Os demais alunos não parecem se sentir pouco capazes, mas consideram que a explicação do professor ajuda muito, podendo ser crucial para sua aprendizagem. Isso está relacionado com a ideia de associar o sucesso à ajuda externa, contribuição que pode ser interpretada como pouco significativa para fortalecer a autoeficácia52 (BANDURA, 2008).

As outras duas questões do questionário inicial referem-se ao esforço que o aluno realiza para aprender, e as respostas indicam que quase todos pensam que certo esforço é necessário, já que a matéria não é fácil e que fazendo isso é possível o aprendizado:

“Eu esforço muito para eu aprender a matéria” (Edna).

“Tem fases dentro da Matemática que são mais complexas, mas tudo bem explicado é entendido” (Francisco).

“Com esforço eu vou conseguir” (Marlene).

Apenas dois alunos discordaram da frase: “Acho a Matemática difícil, mas sei que se eu me esforçar, consigo aprender a matéria”. Um deles fez referência à própria capacidade: “Porque eu sempre fui bom em Matemática” (Adriano), o outro não comentou.

A maioria (onze) discordou da frase: “Acho a Matemática muito difícil e não consigo aprender bem, mesmo se eu me esforçar muito”, alguns comentaram novamente sobre a importância do professor e de se prestar atenção na aula:

“Um bom professor, não tem como não aprender” (Francisco).

52 Em alguns momentos a expressão ‘fortalecer as crenças de autoeficácia’ é representada simplesmente

148 “Porque sempre posso esforçar mais” (Fernanda).

Um aluno fez referência à desmotivação:

“Quando a gente quer vai, difícil é querer” (Diego).

É perceptível que os alunos viam grande importância no esforço para realizar as atividades, para alguns o esforço era visto como essencial. De forma semelhante à situação em que a causa do sucesso é atribuída à ajuda externa, a causa de experiências de êxito associada ao esforço também tende a não proporcionar grandes repercussões nas crenças de autoeficácia (BANDURA, 2008).

Na entrevista inicial (11-11 a 02-12-2013), em relação às notas que tinham em Matemática quando eram crianças e o porquê das notas serem assim, sete alunos responderam que tinham boas notas e quase todos atribuíram isso ao esforço, nenhum mencionou algo relacionado à capacidade. As demais respostas foram notas medianas e as justificativas também se referem ao esforço (que era insuficiente).

Outra pergunta53 da entrevista inicial referia-se a possíveis razões para dificuldades (se existissem) com as tarefas de Matemática nas aulas (na EJA). Três alunos responderam que não sabem, seis citaram algo relacionado ao esforço (prestar atenção, estudar), dois referiram-se a aspectos pessoais (tempo fora da escola, idade, cansaço) e três alunos responderam que, às vezes, não compreendiam muito bem a matéria. Esse tipo de questionamento exige uma autoavaliação mais minuciosa, o que pode ter sido novidade para alguns alunos. Todos os que responderam algo centraram as dificuldades em si próprios, ninguém citou aspectos externos (como por exemplo, metodologia de ensino, material didático, etc.). Esses dados são compatíveis com o que vem sido apontado na literatura sobre Educação Matemática na EJA. Segundo Fonseca (2007), os alunos assumem o discurso da dificuldade, permeado pela ideologia em que as características do indivíduo, como o talento pessoal e também a idade, são aspectos centrais nas causas de obstáculos para o aprendizado.

Na segunda tirinha (26-11-2013), referente ao exercício avaliativo realizado na primeira fase do trabalho de campo, metade dos alunos respondeu que acha que o resultado seria bom ou ótimo, os demais marcaram as opções regular ou ruim. Três alunos citaram a ajuda dos colegas como razão para ter bons resultados e uma aluna se

53 Questão 2) Quando você tem uma dificuldade para fazer alguma tarefa em sala de aula, o que faz? a)

tem ajuda do professor? b) e os colegas, também ajudam? c) e por que você acha que acontecem essas dificuldades?

149 referiu ao professor “camarada” (Edna). Novamente aparece aqui a ideia de atribuição do sucesso à ajuda externa. As duas alunas que responderam “ruim” (Fernanda e Geovana) comentaram sobre não entender ou não gostar da matéria (aspectos individuais). Dos quatro alunos que marcaram a opção “regular”, apenas um fez referência à falta de esforço: “Porque não estudei muito” (Francisco).

Os dados apresentados anteriormente, coletados na fase inicial, evidenciam que, para os alunos do presente estudo, a explicação do professor ocupava a posição central para propiciar o aprendizado dos alunos e que estes deveriam se esforçar prestando atenção. Assim, o esforço e a ajuda externa tinham forte presença na atribuição causal do sucesso. Em relação ao fracasso, as causas citadas foram aspectos pessoais, sendo mais frequente a falta de esforço e um pouco menos as dificuldades para aprender e a natureza do conhecimento matemático.

Ao longo das aulas do projeto desenvolvido, procuramos incentivar os alunos a se tornarem mais autônomos na realização das atividades e se percebessem responsáveis por seu aprendizado e desempenho. A nosso ver, alcançamos esse propósito em alguma medida. Os alunos passaram a buscar, cada vez mais, realizar as atividades sem ajuda externa (muitas vezes optavam por fazer individualmente apesar da sugestão para formar duplas).

Na entrevista final, quase todos concordaram que as atividades feitas em duplas ou grupos ajudam os alunos a aprender. Apesar disso, a maioria optava por fazer atividades individualmente, o que pode indicar que queriam se certificar de que conseguiam fazer com autonomia as tarefas. Ou seja, pareciam acreditar (mesmo que parcialmente) em sua capacidade para fazê-las sem ajuda. Isso também podia ser percebido nos tipos de perguntas que faziam para os professores, os pedidos de explicação diminuíram, muitas vezes perguntavam apenas se estavam acertando. Dessa forma, os alunos foram percebendo a importância de sua postura mais ativa na aula e, provavelmente, as atribuições deles dadas ao bom desempenho voltaram-se mais para si próprios, diminuindo o enfoque dado ao “prestar atenção na explicação do professor”.

De forma geral, na entrevista final, os alunos mencionaram com mais frequência, comparando-se com os dados obtidos anteriormente, as experiências de sucesso deles: conseguir “pegar” a matéria, entender, acompanhar a turma, conseguir realizar as atividades, conseguir fazer tarefas sem ajuda, acertar muitas questões. Apesar de também haver comentários sobre o auxílio que tiveram através da explicação do(s) professor(es), sobre a dinâmica das aulas, sobre o tipo de conteúdo estudado, esses

150 aspectos externos perderam espaço e os aspectos pessoais tiveram mais enfoque, ainda que estes continuassem mais centrados no esforço do que na capacidade.

Dessa forma, para esse grupo de alunos, o esforço pessoal continuou tendo forte presença na atribuição causal do sucesso, porém a ajuda externa teve sua importância diminuída. Através do reconhecimento de que as experiências de êxito aconteciam com mais frequência e da percepção de si próprio como responsável por isso, o sucesso passou a ser mais associado a aspectos pessoais do que externos, o que constitui uma contribuição importante para o fortalecimento das crenças de autoeficácia.

Considerando o que abordamos em relação aos quatro aspectos que compõe este primeiro eixo temático (experiências de sucesso ou fracasso, indícios de uma maior compreensão dos temas estudados, dificuldade das tarefas e comportamentos dos alunos, atribuição causal do sucesso ou fracasso), verificamos as principais mudanças ocorridas em relação ao grupo de alunos. Estas aconteceram de forma particular para cada aluno, não sendo possível afirmar que aconteceram para todos, mas indicam uma tendência do grupo. Mesmo que sejam mudanças sutis, possuem significado importante do ponto de vista da mobilização das crenças da autoeficácia. As experiências de êxito aumentaram em quantidade e melhoraram a qualidade: além de conseguirem realizar muitas tarefas, os alunos passaram a persistir e obter sucesso também em tarefas mais difíceis, e ainda conseguiram muitas vezes ensinar aos outros, ao mesmo tempo em que diminuía a ajuda dos professores, acontecendo mais discussão entre os alunos, mais tentativas (mesmo que não dessem certo no início) e assim mais satisfação pessoal em relação à própria participação nas aulas, que acontecia de forma mais ativa e autônoma. Os alunos ficaram cada vez mais à vontade para fazer perguntas, sugerir novos problemas, expressar seus conhecimentos, apresentar ideias para realizar atividades inéditas, se familiarizando à dinâmica das aulas. Esses aspectos contribuíram para que os alunos começassem a reconhecer (mesmo que timidamente) suas capacidades, verificando que as experiências de êxito aconteciam com mais frequência e sendo eles próprios os principais responsáveis por isso.