• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO IV – Apresentação dos resultados O “sentido dos direitos”

1. Atribuição da responsabilidade em torno da criação de soluções para a

Uma das questões colocadas a todas as pessoas que participaram neste estudo pretendia perceber a quem é que atribuíam a responsabilidade pela criação de soluções para a existência de uma conciliação trabalho-família mais efetiva. Assim, encontrámos dois grandes grupos de resposta. O primeiro atribui a

62 responsabilidade de tais soluções tanto ao Estado, como às empresas como aos indivíduos, numa conceção repartida, socializada e coletiva das responsabilidades pela conciliação, que teve uma expressão de 40% neste estudo.

Já o outro grande grupo responsabiliza apenas os próprios indivíduos pela criação de soluções que auxiliem a conciliação trabalho-família, numa conceção claramente individualizante e privatizadora dos problemas de conciliação, o qual teve uma expressão de 60% dos/as participantes.

Quanto ao primeiro tipo de conceção temos o seguinte discurso de uma técnica superior:

“É assim, todos em conjunto porque, por exemplo, se o Estado não nos der condições ao nível das escolas, ao nível dos horários de trabalho, ao nível de nos retirar as férias, de nos retirar os subsídios de férias, de nos retirar isso tudo, claro que não há família que se consiga aguentar, não é? Porque numa casa em que todos ralham e ninguém tem razão não há hipótese, não é? A empresa também tem muita influência, porque também as condições que dá ao funcionário também se reflete ao nível familiar e o próprio indivíduo para saber conjugar isso tudo, não é? Saber quais são as prioridades, saber o que é que tem de abdicar para uns e para outros. Eu acho que o conjunto, são os três…” (Técnica superior de 41 anos, ent. nº 12, linhas 640-647)

É de notar que são mais as mulheres que têm este tipo de discurso, o que pode ser explicado pelo facto de serem estas as que mais sentem necessidade de apoio para a conciliação trabalho-família (Den Dulk e Peper, 2007). Esta conceção confirma a “perspetiva da necessidade” segundo a qual são os indivíduos com mais constrangimentos e, logo, necessidade, que apresentam maior sentido dos direitos (Den Dulk e Peper, 2007: 55). De facto, das minhas entrevistas mais de metade das mulheres indica este tipo de conceção.

Relativamente ao outro tipo de discurso individualizante, podemos ver por exemplo, a seguinte fala:

“Acho que somos nós mesmos. Acho que somos nós. Porque nós é que temos que nos adaptar à realidade em que vivemos. Se eu tenho uma família e tenho um trabalho, tenho de me adaptar a essas duas dimensões, porque foram escolhas minhas.” (Técnica superior ent. nº 1, linhas 304- 308)

“Quem deve propor e quem deve pensar nessas soluções é o individuo porque é a parte interessada, não é?” (Técnico superior, ent. nº 7, linhas 471-472)

63 Estes discursos atribuem a responsabilidade em exclusivo aos próprios indivíduos para a criação de soluções para uma conciliação trabalho-vida, uma vez que foram eles que optaram por exercer determinada profissão e por ter família. Isto mostra a perspetiva individualizada sobre as soluções para a conciliação trabalho-família. Contrariamente ao grupo anterior, são mais os homens que adotam este discurso.

Portanto, a análise a esta questão mostra que, apesar de 40% das pessoas reconhecerem que o Estado e as empresas também são responsáveis pela criação de soluções para a conciliação trabalho-família, 60% ainda rejeita essa possibilidade, assumindo que a responsabilização é única e exclusiva dos próprios indivíduos, o que comprova que ainda existe um baixo sentido dos direitos por parte daqueles que adotam esta perspetiva. Isto vai ao encontro das conclusões expostas por S. Lewis relativamente ao contexto inglês (1998), onde a autora concluiu que os jovens que entrevistou apresentavam um sentido limitado de direitos, privilegiando o sentido de responsabilidade do indivíduo sobre o sentido de responsabilidade pública pelo apoio às famílias. A mesma tendência para uma privatização e individualização da gestão da conciliação e das tarefas de cuidar expressam 60% das pessoas entrevistadas, indicando que uma vez que a opção de ter famílias é uma opção pessoal, logo as respostas têm de vir do núcleo familiar e não da sociedade. Considero que a forte ideologia familialista (Portugal, 1995, Sousa Santos, 1986, 1995) onde ao tradicionalismo nas conceções de família sempre se juntou um sistema de proteção social assente na contribuição informal das famílias, em compensação da sua fraqueza e limitações (Portugal, 1995; Sousa Santos, 1986, 1995), explicam a prevalência ainda hoje desta conceção. As famílias eram no passado incentivadas a responsabilizarem-se pelos seus elementos, pelos cuidados aos seus, face a um Estado fraco que não oferece soluções de apoio suficientes. Na década de 1990-2000 houve um investimento público em equipamentos coletivos de apoio à família (idosos e crianças, especialmente), em cumprimento das metas de Barcelona, por exemplo. Essa linha de ação pública parecia querer traduzir um reconhecimento da importância e responsabilidade coletiva pelas tarefas de cuidar, numa altura de crescentes e profundas mudanças sociodemográficas (aumento das taxas de atividade de ambos os sexos, concomitante com o aumento do número de pessoas idosas para cuidar, com a

64 nuclearização da família, entre outras). Essas démarches políticas não parecem ter sido suficientes para uma inversão das ideologias familialistas e individualizantes que continuam a colocar o ónus das tarefas de cuidar sobre a esfera privada e o indivíduo. Inclusivamente, numa época de cortes e reduções salariais, bem como de redução dos investimentos públicos (com reflexo no apoio aos serviços públicos e privados de apoio à família, por exemplo) assistimos a um acentuar de uma retórica pública que pode reforçar aqueles processos de privatização e de individualização, apontando o olhar crítico público para o “egoísmo” das pessoas que não cuidam dos seus (veja-se as notícias sobre idosos encontrados mortos em casa) ou das mulheres que não querem ter mais filhos e a consequente “catástrofe demográfica”.

2. Avaliação dos direitos: uma retórica de deveres e resignação/satisfação com os direitos existentes

Talvez consequência deste sentido de que quem deve cuidar e gerir os cuidados familiares são as próprias pessoas e famílias, surge uma segunda constatação a partir das entrevistas realizadas: a de que os homens e mulheres que participaram neste estudo se encontram satisfeitos com os direitos existentes. Inclusivamente, foi interessante verificar que em algumas entrevistas a retórica dos deveres é apresentada e automaticamente mobilizada como contraponto ao questionamento da satisfação com os direitos existentes.

“...eu acho que nós temos os direitos que devemos ter. Acho que a sociedade também não se constrói só com direitos, também temos os deveres e nós só queremos direitos e esquecemo-nos dos deveres. Eu acho que nós…já temos os direitos que temos e que devemos ter…esquecemo- nos é dos nossos deveres a maior parte dos dias e a maior parte das vezes. Eu falo até por mim, sei lá…todos nós falhamos todos os dias e todos nós achamos “ah mas eu…hoje não me apetece porque não estou motivada, porque os políticos não me motivam porque…nem me agradeceram o trabalho que eu fiz”. Opah já me pagam o ordenado…já tenho direito a férias, a isto, aquilo (risos)…” ( Assistente técnica, ent. nº 3, linhas 565-573)

“…porque nós também temos muitos deveres e para termos os direitos também temos que cumprir as coisas.” (Técnica superior, ent. nº 12, linhas 664-665)

Como vemos nas falas anteriores, de duas mulheres entrevistadas, estas destacam os “deveres” em contrabalanço à ideia de direitos. Esta retórica dos

65 deveres emergiu em 50% das entrevistas, indicando uma lógica de merecimento e individualização do direito a ter direitos, dependente da obediência aos “deveres”. Os direitos são assim enfatizados não como princípios básicos de cidadania per si, mas como moeda de troca no jogo entre indivíduo e sociedade. Nesta linha de racionalidade, em que a legitimidade dos direitos decorre de forma estrita do cumprimento dos deveres, a maioria das pessoas entrevistadas revelou estar satisfeita com os direitos existentes. Esta conceção de direitos como algo de “condicional” (Somers, 2008) é segundo Margareth Somers tradutora de uma contratualização da cidadania, onde o direito a ter direito está ele próprio em questão pela ação da nova articulação entre Estado, mercados e direitos. Ele é o sinal da ascensão do fundamentalismo do mercado e da destatização (Somers, 2008).

Como se pode observar na fala da assistente técnica entrevistada, reduz-se a ideia de contrapartida e direito no trabalho, ao salário e às férias que as entidades empregadoras disponibilizam. Isto mostra uma noção muito restrita de direitos associados ao trabalho, a qual remete apenas para a remuneração e o descanso. Conceção restrita de direitos que submete o seu acesso a uma contribuição individual a pagar pelos sujeitos. Repare-se que na fala da entrevistada 3, há mesmo um sentido de gratidão pelo salário e pelas férias que recebe em troca do seu trabalho.

Adicionalmente, verificou-se também a tendência de as pessoas associarem ao ter mais direitos o terem mais deveres, numa correlação positiva que faz recear a ampliação de direitos, associando-lhe consequências negativas em termos laborais:

“Mais direitos implica mais deveres e obrigações por isso acho que não.” (Assistente técnica, ent. nº 16, linha 380).

Temos portanto uma retórica de deveres que determina noções de ilegitimidade e/ou de indesejabilidade de direitos.

Ainda assim, foi também possível verificar nas falas analisadas a consciência de perda de direitos, associada ao contexto de crise que estamos a atravessar:

“Se nós temos direitos adquiridos que eles nos estão a tirar em termos de assistências médicas, em termos de reformas (…) já nos vão tirar o subsídio de natal e o subsídio de férias…” (Assistente técnico, ent. nº 20, linhas 399-400 e 404-405)

66

“Os apoios aos filhos está cada vez pior, os abonos e assim, eles começaram a cortar e pronto, já nunca mais voltam a dar aquilo que tiraram, não é?” (Técnica superior, ent. nº 18, linhas 519- 529)

“Nós tínhamos as obras sociais, mas agora já acabou, está suspenso e em princípio não é mesmo para haver (…) as obras sociais deram-nos uma ajuda muito grande, na farmácia nem se fala, nós agora notamos a diferença, quando vamos aos medicamentos buscar alguma coisa, nós antes pagávamos mesmo pouquíssimo…” (Assistente operacional do sexo feminino, ent. nº 14, linhas 783-785 e 787-789)

Apesar da conformidade apresentada à noção de deveres em contrabalanço à noção de direitos, é interessante notar a consciência dos indivíduos quanto à perda de direitos já instituídos com o impacto da austeridade, como são exemplo os subsídios de natal e férias, os abonos de família e as obras sociais8. Concomitantemente o tom discursivo dos/as entrevistados/as relativo à perda destes dos direitos já instituídos resultante do impacto da austeridade é diferenciado tendo em conta o tipo de direitos perdidos. Quando em causa estão as Obras Sociais do município o tom do discurso é de acomodação, por outro lado, quando referem a perda de direitos como os abonos familiares e os subsídios de férias e de natal o tom dos discursos já remetem para a queixa de tal perda bem como para a reivindicação para que estes voltem a ser instituídos.

Ainda assim nas entrevistas foi reconhecido que o Estado deveria apoiar mais as famílias com:

- Extensão da duração das licenças de parentalidade

- Oferta de mais equipamentos públicos para o cuidado das crianças, dado que corrobora com resultados presentes de pesquisas anteriores (Torres e Silva, 1998)

- Oferta de mais equipamentos e apoios financeiros para a prestação de cuidados de geriatria.

O apoio mais valorizado nas entrevistas foi o da extensão da duração das licenças de maternidade/paternidade/parentalidade (35% das pessoas):

8 Iniciativa segundo a qual os funcionários da autarquia usufruíam de benefícios, principalmente ao

67

“…olhe, eu acho que em questões da licença de maternidade e de paternidade deviam ser alargadas, totalmente alargadas e, se calhar, aquele investimento todo que se está a fazer e que se quer fazer relacionado com o número de lugares nas creches e por ai fora…não precisava de haver esse investimento se se dissesse à mulher que podia ficar até aos três anos, por exemplo, com os miúdos, não é? Eu acho que, se calhar, andamos aqui a tentar resolver o problema quando o problema é resolvido logo lá…na raiz.” (Técnico superior de 38 anos, ent. nº 7, linhas 588-594)

Relativamente à análise dos apoios concedidos pela entidade patronal para a conciliação trabalho-família, apenas 10% das pessoas o consideram insuficiente. É sintomático que 50% das pessoas desculpabilizem e justifiquem a ação da organização neste domínio e 40% afirmem que ela faz o que está na lei, subentendendo que não esperam que ela faça mais ou conceda mais apoios.

Vejamos as seguintes falas:

“Isso tudo depende, se tiverem dinheiro sim. Se acham que, lá está, agora se não têm também não podem fazer nada coitados.” (Assistente operacional do sexo feminino de 48 anos, ent. nº 9, linhas 374, 375)

“É assim, eles nem que queiram ajudar, não podem, não é? Isto é um orçamento que vem, pronto, as horitas vão-nos pagando aquelas que podem, não é? Se fizermos horas ou então gozamos o tempo. Eu por acaso como tenho a agricultura às vezes peço para gozar o tempo mas também nos pagam as horas. Mas também não podem fazer mais que isso.” (Assistente operacional do sexo masculino de 47 anos, ent. nº 10, linhas 632-636)

A maioria dos entrevistados desculpabiliza a entidade patronal quanto a medidas para a conciliação entre o trabalho e a família, resultado que corrobora conclusões de investigações anteriores (Lewis, 1998), segundo as quais os indivíduos têm tendência para adotarem a perspetiva da empresa tendo em conta aquilo que pode ser ou não praticável. Deste modo, eles privilegiam os direitos da empresa em detrimento das suas necessidades enquanto trabalhadores e membros de uma família.

A perspetiva do apoio da entidade patronal na medida do que está instituído na lei, bem como a da desculpabilização da entidade patronal confirmam, também, o que se tinha apurado noutros estudos (Lewis, 1998), isto é, a tendência para as pessoas individualizarem a questão da conciliação e das responsabilidades familiares. Não entendem que deva haver uma socialização dos custos e tarefas

68 com a produção das famílias. Isto é o reflexo da influência da ideologia que predominava nas empresas e nas próprias pessoas de que o "trabalhador" é neutro, que não tem responsabilidades ou vida pessoal e familiar tão denunciada por Acker (1993).

2.1) A avaliação dos direitos associados à maternidade e paternidade

Quando em análise está a duração da licença de maternidade podemos dar conta de duas opiniões expressas pelas pessoas entrevistadas: por um lado as que se encontram satisfeitas com o tempo de licença e as que expressam a necessidade de as licenças terem maior duração do que a que têm atualmente.

Ilustrando a primeira conceção, temos a fala da seguinte mulher:

“…eu sei que ao fim dos três meses ou quatro meses eu já estava a dar em maluca (risos), porque não fazia mais nada, portanto, sentia necessidade de fazer sempre algo mais para além de ter a (filha), não é?..ao meu cuidado. Eu, para mim acho que são as normais, as eficazes. Eu também acho que mais de quatro meses também acho que…não é a questão de não ser necessário, pode ser necessário para alguns pais, eu estou a falar de mim própria.” (Assistente técnica de 35 anos, ent. nº 6, linhas 667-674)

De acordo com esta assistente técnica, que refletiu sobre a forma como se sentiu durante a sua própria licença de maternidade, a duração de quatro meses é considerada suficiente. Inclusivamente, ela expressa uma indesejabilidade por licenças de maior duração, que implicam um maior afastamento da mulher relativamente à esfera do trabalho, e consequente sentimento de isolamento e concentração excessiva no cuidado à criança. Tal como esta assistente técnica, 40% das mulheres, e até alguns homens exemplificando com o caso da sua cônjuge ou amigas, expressaram a mesma avaliação do período de licença de maternidade, fundamentando com a necessidade de dedicação da mulher a outras tarefas existenciais para além da maternidade, nomeadamente ao convívio proporcionado pelo trabalho. O mesmo foi encontrado por Rosa Monteiro (2005) junto das suas entrevistadas que associavam o período de licença de maternidade a um centramento excessivo no papel convencional feminino e à tarefa de cuidar da criança. Estas resistências ao fechamento no cuidar e no doméstico, indica que a experiência de ser mãe não é “o mar de rosas” que aparece nos discursos dominantes, que a veem como produtora dos maiores sentimentos de realização e felicidade das mulheres. As mulheres, quando experienciam a maternidade,

69 iniciam um processo de aprendizagem contínua altamente desafiante e exigente, daí que muitas retratem esta experiência como uma das tarefas mais difíceis e desafiantes das suas vidas (Monteiro, 2005:91-92). A experimentação da licença de maternidade é um primeiro momento de corte identitário com selves anteriores, onde a liberdade e autonomia são substituídos por uma intensa necessidade de dedicação exclusiva a outro ser (McMahon, 1995). O compromisso com os filhos, o centramento num papel convencional feminino e na domesticidade geram sentimentos contraditórios, entre o “amor a outros” e a “amor por si” (Monteiro, 2005: 212).

A vivência da licença de maternidade congrega uma rutura com outros self’s das mulheres, sendo associado a isolamento e sobrecarga, que também as pessoas entrevistadas neste estudo expressaram. O que este facto expressa bem é a forma como o trabalho entrou já no léxico identitário feminino (Monteiro, 2005), derrubando conceções que colocam a família, a domesticidade, os/as filhos/as no centro da esfera identitária das mulheres, desvalorizando a participação no trabalho a um valor meramente instrumental (Monteiro, 2005; Sharpe, 1984; Torres et al., 2000). O trabalho tem uma importância fundamental na vida dos indivíduos, principalmente na das mulheres, tendo em conta que este contribui para a sua identidade pessoal (Torres et al., 2008) e social (Torres, 2001). Parece- me ser esta a razão pela qual os homens e mulheres que participaram neste estudo concordaram com a duração atual da licença de maternidade, e reconhecem esse período como um intervalo algo penoso em que a mulher se priva de um self mais completo. Justificam a sua afirmação com o facto das mulheres no final desse tempo já sentirem a necessidade do contacto com colegas de trabalho e com o público, a necessidade de fuga da esfera doméstica, de fuga àquele isolamento periódico e, consequentemente, a necessidade de se sentirem úteis e autónomas, bem como o reconhecimento de competências, como verificado noutros estudos (Monteiro, 2005 e Torres, 2001).

Porém, se esta é uma ideia expressa por cerca de 50% das pessoas entrevistadas, é importante salientar que a outra metade apresenta a ideia contrária, considerando que as licenças deveriam ser mais extensas. Devemos no entanto notar que esta afirmação não invalida o que acabámos de referir acima. Na realidade, as pessoas que indicavam como suficiente o tempo de licença por

70 maternidade, faziam-no para salvaguardar a necessidade das mulheres (de contato social e profissional) evitando grandes interrupções nas carreiras, no contato com o “mundo lá fora”, e na assunção da importância do trabalho na satisfação existencial feminina. As que consideram que o tempo de licença devia ser maior fazem-no em nome das crianças, referindo-se aos aspetos negativos de uma institucionalização precoce dos cuidados à criança/bebé, tal como constatado noutros estudos (Monteiro, 2005; Torres, 1998).

“Se calhar, eu mãe, achei que era curta, não é? Por mim eu gostaria de estar mais um bocadinho a tratar da minha filha naqueles primeiros meses. Mas, se calhar, é assim, eu acho que as crianças vão muito pequeninas para o infantário, não é? O Estado acha que é o suficiente, acha que é o tempo suficiente, mas se calhar se tivéssemos um bocadinho mais nem as crianças perdiam e as mães também ganhavam, não é? Eu acho que quem ganhava mais nisto tudo eram as crianças.” (Técnica superior de 36 anos, ent. nº 18, linhas 449-454)

Esta mulher não vê com bons olhos a institucionalização das crianças tão pequenas, afirmando que nesses locais se encontram mais expostas aos mais variados tipos de contágios, como nos explica o técnico superior cuja fala se transcreve de seguida:

“…porque também senti que colocar os miúdos demasiado cedo nos infantários para mim é prejudicial, no meu caso foi prejudicial. Os miúdos ficaram sempre doentes, foi muito complicado levá-los até aos três anos (sem estarem doentes)…” (Técnico superior de 38 anos, ent. nº 7, linhas 496-499)

Para além deste fator da maior exposição aos contágios das crianças pequenas nas instituições, tal como refere Monteiro (2005), a grande carga horária de frequência nos infantários é um aspeto que assusta a maioria das mães, que não têm possibilidade de ir buscar as crianças mais cedo.

São mais as mulheres que demonstram preferência pela extensão do período da licença de maternidade, facto que vai ao encontro de investigações anteriores (Lopes, 2009) e, tal como o estudo de Den Dulk e Peper (2007) demonstra, isto significa que as mulheres sentem mais a necessidade de direitos que as auxiliem nesta difícil conciliação. Esta maior necessidade por parte das mulheres relativa aos direitos e às políticas que as auxiliem na conciliação trabalho-família pode ser

Documentos relacionados