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6.2 ANÁLISE TEMÁTICA DOS ACÓRDÃOS

6.2.1 Efetivação do direito à saúde

6.2.1.2 Atribuições da Administração Pública

Os julgados foram uníssonos em seguir a jurisprudência do STF e do STJ e dizer que, para os cidadãos, há solidariedade entre todos os entes federados no dever de fornecer medicamentos, bem como que cabe unicamente ao cidadão escolher de quem irá demandar referida prestação, independentemente do bem pretendido:

Em face da responsabilidade solidária dos entes federados pelo implemento de ações e serviços com vistas a assegurar o direito à saúde, é facultado ao cidadão exigir a efetivação do direito (que lhe é assegurado constitucionalmente) de um ou de todos os entes, em separado ou de forma conjunta, sem que lhe seja exigido perquirir quais as atribuições concernentes à União, aos Estados ou ao Município. (MINAS GERAIS, 2016b).

No mesmo sentido: “A autonomia entre os entes federados na gestão do SUS permite que o cidadão demande em face do ente federal, estadual ou municipal, em relação ao qual trava relação jurídica direta.” (MINAS GERAIS, 2016o).

E ainda, destacando a conveniência à disposição do cidadão na escolha do polo passivo da ação que pretende propor: “A responsabilidade dos entes políticos com a saúde e a integridade física dos cidadãos é comum, podendo sempre a parte necessitada dirigir seu pleito ao Ente da federação que melhor lhe convier.” (MINAS GERAIS, 2016p).

Reiterando o entendimento, ressaltou-se que cabe unicamente aos entes federados evitar a duplicidade de fornecimento quando houver a condenação de mais de um deles:

A responsabilidade dos entes federados, no que se refere ao Direito à Saúde, é solidária, podendo o interessado escolher contra quem irá demandar, podendo, inclusive, direcionar seu pedido a mais de um ente federado, concomitantemente, cabendo a estes se acautelarem no sentido de se evitarem duplicidade no fornecimento. (MINAS GERAIS, 2016h).

O posicionamento adotado, apesar de pacífico nos tribunais, encontra críticas na literatura especializada: afinal, como se pode atribuir a gestão na saúde a todos os entes, possuindo entes todas as obrigações possíveis, com igualdade de responsabilidades? Sustenta- se que a solidariedade deveria ser considerada do sistema, e não de cada ente perante o cidadão (SANTOS; CAMPOS, 2015). Ademais, está-se falando que, em um sistema federativo como o brasileiro, em que a União, os estados e os municípios, cada qual com as suas peculiaridades, tem diferentes capacidades financeiras e de organização, a imposição de obrigação a cada um deles no campo da saúde é, a priori, irrestrita, não havendo qualquer

critério de distribuição de competência, algo inadequado enquanto modelo de gestão (ARRECTHE, 1999; 2004; LOTTA; GONÇALVES; BITELMAN, 2014). Esta crítica, entretanto, não é acolhida pelos tribunais.

Também foi considerado dever da Administração Pública promover o acesso universal, pronto e imediato do cidadão aos serviços de saúde, praticamente sem quaisquer restrições, devendo o ente atender ao pleito do cidadão ao invés de se ater a regulações administrativas ou questões das mais diversas sortes que pudessem impedir o direito do cidadão.

Vê-se, pois, que a assistência médica e proteção à saúde de modo geral é serviço público essencial, dever do Estado e direito de todos os indivíduos, competindo aos entes da federação propiciar o acesso pronto e imediato às respectivas necessidades de todo cidadão. (MINAS GERAIS, 2016c).

No mesmo sentido:

A saúde constitui um direito de todos os indivíduos e um dever do Estado, a quem compete implementar políticas sociais e econômicas visando ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, em conformidade com o disposto pelos artigos 6º e 196, da Constituição Federal. (MINAS GERAIS, 2016i).

Outrossim, houve posicionamento, com respaldo na doutrina da Teoria do Estado (BASTOS, 2004), considerando que a normatização deve se dar de modo a se adequar aos anseios do cidadão, pois a burocracia não é um fim em si mesma, devendo ser vencida pelo Judiciário quando tiver sua finalidade desvirtuada. Nessa lógica, reitera uma das narrativas presentes nos acórdãos: “Força convir, não é o cidadão que tem de se adequar ao sistema organizacional do ente público federado, este é que tem que se adequar às necessidades daquele.” (MINAS GERAIS, 2016b).

Esse pensamento, entretanto, não faz qualquer reflexão sobre a importância da burocracia, se não desvirtuada, na gestão, controle, racionalização dos trabalhos e mesmo na otimização do acesso a direitos (GAWRYSZEWSKI; OLIVEIRA; GOMES, 2012). Desta forma, ainda que a burocracia efetivamente não seja um fim em si mesma, o julgador não deve afastá-la sem fazer qualquer consideração sobre a racionalidade e legitimidade de sua instituição, como se em qualquer negativa a requerimento de indivíduos a burocracia estivesse sendo desvirtuada. A burocracia é uma forma de racionalização da atuação das organizações (VASCONCELOS, 2004) e, conquanto se possa discuti-la, sobretudo quanto à necessidade de

participação democrática em sua elaboração (AITH, 2017), não é correto considerá-la como inconstitucional só porque, no caso concreto, negou algo que fora pleiteado a um indivíduo.

Na literatura, autores como Macedo Júnior (2008), Nader (2006) e Nunes (2011) coadunam com o entendimento de que a garantia à saúde nada mais é do que uma consequência de um dever básico da Administração Pública, uma das clássicas justificativas para a mera existência do Estado: a garantia da vida. A narrativa a seguir, extraída de um dos acórdãos, caminha ao encontro dessa concepção ao afirmar que:

De nada vale a Administração Pública se não consegue, sequer, conservar a saúde e a vida de seus cidadãos, pois, a Máquina Estatal não é um fim em si mesma, devendo os gestores públicos atuar de forma a dar efetividade à Constituição Cidadã de 1988, buscando concretizar os direitos fundamentais em relação a cada um dos indivíduos. (MINAS GERAIS, 2016o).

Indo um pouco além, este julgado ressaltou que deve ser resguardada não só a vida em si, mas a sua qualidade:

Portanto, diante da comprovação do grave comprometimento da qualidade de vida da paciente acaso não adotado o tratamento com a medicação indicada, tem-se por evidenciada a procedência do pedido. (MINAS GERAIS, 2016d).

Diante do exposto, observa-se que, entre as atribuições da Administração Pública, estaria a de promover a existência do indivíduo com a adequada qualidade de vida. Nesse sentido, as demandas judiciais por medicamentos se justificariam com o objetivo de produzir para o cidadão tal condição.