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7 A ATUAÇÃO DA COORDENAÇÃO POLÍTICA DOS ASSENTAMENTOS E A FORMAÇÃO COMO PARTE DAS SUAS RESPONSABILIDADES

7.1 – Assentamentos Aruega e Santo Dias

O poeta brasileiro Paulo Leminski escreveu um poema que diz: "Na luta de classes, todas as armas são boas: pedras, noites e poemas”. Essas palavras, recorrentemente repetidas por pessoas dos movimentos sociais, além de comportar imenso valor subjetivo, diz sobre as muitas mudanças que fazem parte da luta de classes, evidenciando a correlação de forças em disputa nesta sociedade.

E, imersa nessa luta de classes (citada pelo poeta), está a luta pela terra no Brasil, requerendo a esperteza de saber usar essas diferentes “armas”, nos momentos oportunos da batalha cotidiana, como disputa constante. E, em se tratando do MST, movimento social que arregimenta e organiza trabalhadores sem-terra e os coloca no campo de batalha a partir da luta pela terra, à duras penas aprendeu a manusear muitas dessas “armas” e a armar seus sujeitos nessa luta pela terra. Não sem muitas derrotas e perdas, infelizmente, busca a capacitação e preparação de sua base. Faz isso a partir da formação (política, social, técnica, cultural, etc.) de sua base social.

Essa formação se dá na prática cotidiana das diferentes atividades e ações desenvolvidas dentro e fora dos acampamentos e assentamentos, sempre com a responsabilidade de formar as pessoas como parte de uma organização coletiva, orientadas pela estruturação organizativa do MST. E dessa forma, essa organização coletiva proposta, e que ao final é o próprio MST, objetiva mudar a estrutura e as condições de vida das pessoas, a partir das alterações do uso e posse da terra, e consequentemente, se propõe a mudar a sociedade: mudando o jeito de se organizar, a partir de novas formas de organização da vida e de trabalho, irradiando a prática de valores humanistas e socialistas no dia a dia - resistindo cada vez mais “os ventos contrários” dessa forma atual da organização da sociedade que se baseia e se guia pelos parâmetros do sistema capitalista.

É óbvio que essa organização empreendida pelo MST o condicionou à criação de estruturas organizativas formais (regular e determinada) que possibilitasse unidade e dinâmica às suas ações, por isso, a formação é uma ferramenta e bandeira imprescindível do MST, que perpassa todos os seus espaços e atividades.

Como já fora tratado anteriormente, esse movimento nunca teve rigidez com essas formas de estruturação interna, podendo mudar o formato e adaptar às diferentes regiões e culturas conforme a demanda específica local, e por muitas vezes e motivos mudou, mas sempre as utilizou na sua trajetória: “Por sempre ter se caracterizado como um ‘movimento de massas’, a preocupação nunca foi fazer da estrutura um dogma, mas adotar formas orgânicas que estivessem de acordo com as necessidades de cada época” (BOGO, 2003, p. 53).

Essa estruturação organizativa do MST precisa dar conta de abarcar a realidade do cotidiano com toda a sua complexidade, e isso é o que varia muito de um lugar para outro. Nesse sentido, os trabalhadores camponeses não fazem maiores esforços para assimilarem as estruturas organizativas do MST, pelo contrário, ela se parece com uma colmeia, “como as abelhas, todos sabem o que devem fazer e agem sempre em direção ao fortalecimento da coletividade” (ibidem, p. 53).

Para garantir essa organicidade, o movimento tem concretamente espaços que representam muito bem esse objetivo. Assim, nos acampamentos e assentamentos, há uma Coordenação da Área, onde são eleitas duas pessoas (a recomendação do MST é que, de preferência, seja um homem e uma mulher, visando estimular a igualdade de gênero em todos os espaços) que já tem alguma “expressão” nos Núcleos de Base. Essa Coordenação da Área tem como objetivo centralizar as discussões, mantendo a unidade nos encaminhamentos. Como já nos referimos, é um espaço de debates, estudos e análises; as decisões devem ser remetidas para os Núcleos de Base a fim de envolver todos e todas, tanto na discussão como na decisão, e por isso, esta Coordenação se confunde com um espaço de tomada de decisão, o que não necessariamente é. E por frequentemente se confundir, algumas decisões são

tomadas com rapidez, sem uma disseminação para os outros espaços. Essa prática equivocada pode implicar em encaminhamentos chamados “de cima para baixo”, fazendo com que muitas famílias tenham resistência, já que não ajudaram a decidir, limitando a participação das famílias.

E assim, a formação do MST a partir das ações que são desenvolvidas nos assentamentos, está sob a responsabilidade direta desse coletivo. Pode ser subsidiada por militantes e dirigentes, locais, regionais e/ou estaduais, mas a efetivação das práticas formativas depende de seu gerenciamento. Assim, imerso nessa diversidade de formas organizativas, os assentamentos e acampamentos do MST no estado de Minas Gerais também se adequam. Nos dois Assentamentos envolvidos nessa pesquisa, percebemos diferenças quanto à lógica da organização interna local, muitas das quais descreveremos a seguir.

Em se tratando da organização política local, no Assentamento Aruega, tem-se a prática de reunir os membros da diretoria da Associação e, depois de discutir os pontos. Em assembleia reúnem-se para encaminhá-los juntos aos demais moradores, que moram próximos uns dos outros, formando núcleos habitacionais. Já no Assentamento Santo Dias, em função da organização das moradias serem à partir dos núcleos de base (e não em agrovila, como no Assentamento Aruega) dispersas espacialmente, os pontos são levantados na coordenação política e através das representações dos núcleos de moradias e dos setores (e não em associação, como em Aruega), realizam reuniões nos núcleos para encaminhar os pontos discutidos. Vale salientar que há também reunião da associação desse Assentamento, mas para discutir seus pontos especificamente, tais como aqueles ligados à questões “burocráticas” da Associação; à execução de projetos via essa entidade jurídica; à elaboração de projetos para aquisição de mais recursos; ao uso dos instrumentos e máquinas dos associados, bem como sua manutenção; ao pagamento mensal e contribuições especiais dos associados para fins determinados, etc. - e esta não acumula os debates das questões políticas locais.

Nos Assentamentos pesquisados, todas as pessoas da coordenação/diretoria entrevistadas estão há muitos anos morando na comunidade (o menor tempo

de residência registrado é do Assentamento Santo Dias, com mais de seis anos no local), como também já atuam há algum tempo na associação, havendo casos inclusive, de revezamento do cargo com outras pessoas, de outras diretorias. Nesse sentido, as atividades relacionadas à formação das demais pessoas desses Assentamentos, como também a ausência delas, é assunto comum e trivial para esses sujeitos, ou seja, compreendem bem que as atividades políticas, técnicas, culturais, etc. que são apresentadas como demandas para atender determinado momento/situação do assentamento, dependem do empenho e encaminhamento dessa instância.

Essas coordenações dos Assentamentos, a propósito do MST, entendem que é fundamental identificar e reconhecer a capacidade e disposição de cada pessoa do assentamento em participar, organizar e criar, em torno do desenvolvimento do trabalho cooperado, formas de convivência social e atividades coletivizadas, em outras palavras, precisam “saber escalar bem o time”, estimulando a participação coletiva. Aos moradores que avançaram menos nesse rumo, a tarefa da coordenação é tornar a formação na prática coletiva cotidiana cada vez mais evidente e convincente. Assim, a participação na vida do assentamento não é apenas uma opção, mas basicamente uma necessidade social (BOGO, 2003, p. 161). E assim, a formação deve guiar esses sujeitos rumo aos objetivos da organização.

No Assentamento Aruega, as ocupações do cotidiano dos diretores da Associação, com exceção das atividades ligadas ao cargo assumido na diretoria da associação, são exatamente iguais as atividades das demais famílias do Assentamento, acrescidas das atividades referentes ao cargo. Trabalham na lavoura, nas hortas, cuidando dos animais, etc. e executam as tarefas decorrentes do cargo junto à Associação. Como nesse Assentamento não existem núcleos de base e setores, as tarefas são executadas a partir da condição e disponibilidade de cada sujeito delegado, considerando a aptidão de algumas pessoas que se identificam com determinadas “áreas”, tais como saúde, educação, produção, religião, artesanato, música, etc.

Quanto ao que esses sujeitos, que tem a tarefa de dirigir ou coordenar o Assentamento, estes estudam e, como se capacitam para interagir na