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ATUAÇÃO DO CNJ: MOMENTO ANTERIOR À APROVAÇÃO DAS LEIS

6 CAPÍTULO V DIREITO À SAÚDE E O CNJ: REALIDADE ESTATÍSTICA

6.2 ATUAÇÃO DO CNJ: MOMENTO ANTERIOR À APROVAÇÃO DAS LEIS

Antes de adentrar na atuação do CNJ na construção do processo normativo orçamentário faz-se necessário apresentar os trabalhos desenvolvidos por esse Órgão na seara da saúde, direito fundamental social que representa o recorte metodológico do presente trabalho, a fim de defender a efetivação desse direito pelo referido Conselho.

Vejamos.

Em abril e maio de 2009 o STF realizou a Audiência Pública n. 4 para discutir as questões relativas às demandas judiciais referentes ao fornecimento de prestações de saúde.

Nessa oportunidade, juristas e estudiosos do Direito e membros da sociedade, após vários debates, constataram as carências e deficiências na efetivação do direito à saúde. Foi registrado pelo STF263 que essas carências são resultados da falta de eficiência da prestação jurisdicional e a qualidade das políticas públicas existentes, tais como: a falta de informações clínicas prestadas aos magistrados a respeito dos problemas de saúde enfrentados pelos autores dessas demandas; a generalizada concessão de provimentos judiciais de urgência, sem audiência dos gestores dos sistemas responsáveis por aquelas políticas, mesmo quando essa audiência não oferece qualquer risco de afetar o direito em causa, porém sua falta é tendente a prejudicar a sustentabilidade do SUS; e a necessidade maior de difusão de conhecimentos entre os magistrados a respeito das questões técnicas que se originam ou são refletidas nas demandas por prestações de saúde, inclusive aquelas que resultam da interatuação do SUS e as organizações privadas264.

A referida Audiência Pública foi a razão principal para que o CNJ se engajasse para instituir o Fórum Nacional da Saúde, o que fez em 2010 por meio da Resolução107/10. Para criação do referido Fórum Nacional, o CNJ mobilizou uma equipe técnica especial.

Milton Nobre discorre sobre essa mobilização após a Audiência Pública n. 4 no STF,

A evidente repercussão que essas e outras questões correlatas têm no âmbito da administração da justiça e, sobretudo, os seus desdobramentos no que compete o CNJ planejar e controlar para torná-la mais célere, acessível e, consequentemente, mais eficiente, levou o Conselho, por meio de ato do seu então Presidente, Ministro Gilmar Mendes, a designar, pela Portaria n. 650/09, um grupo de trabalho, formado por magistrados e especialistas para realizar estudos e propor medidas visando aperfeiçoar a prestação jurisdicional em matéria de assistência à saúde265.

O Fórum Nacional da Saúde resultou na Recomendação n. 31/10 do CNJ que indica aos demais órgãos do Judiciário a adotarem medidas práticas, visando subsidiar os magistrados e demais operadores do direito, de modo a assegurar melhor qualidade e eficácia na solução das demandas judiciais pertinentes ao direito à saúde.

263 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Audiência Pública – Saúde. Brasília: Livraria do Supremo, 2009. p. 30 e ss.

264NOBRE, M. A. DE B . Da Denominada “Judicialização da Saúde”: Pontos e Contrapontos. In. NOBRE, M. A. DE B.; DA

SILVA, R. A. D. (Coords.) O CNJ e os Desafios da Efetivação do Direito à Saúde. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011. p. 354.

265 NOBRE, M. A. DE B . Da Denominada “Judicialização da Saúde”: Pontos e Contrapontos. In. NOBRE, M. A. DE B.; DA

SILVA, R. A. D. (Coords.) O CNJ e os Desafios da Efetivação do Direito à Saúde. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011. p. 354.

Nas palavras de Milton Nobre,

A respeito da Recomendação n. 31/2010, merece ser dado especial relevo, ainda que de passagem, à parte que se dirige aos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais com a finalidade de instruí-los a orientar, através de suas Corregedorias, os magistrados que lhes sejam vinculados a que: 1) procurem instruir as ações, tanto quanto possível, com relatórios médicos, nos quais estejam contidas a descrição da doença, inclusive Classificação Internacional da Doença (CID), a prescrição de medicamentos, com descrição genérica ou princípio ativo, os produtos, órteses, próteses e insumos em geral, com posologia exata. 2) evitem autorizar o fornecimento de medicamentos ainda não registrados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) ou em fase experimental, ressalvadas as exceções expressamente previstas em lei; 3) ouçam, quando possível, preferencialmente por meio eletrônico, os gestores, antes da apreciação de medidas de urgência; 4) verifiquem, junto à Comissão Nacional de Ética em Pesquisas (CONEP), se os requerentes são integrantes de programas de pesquisa experimental dos laboratórios, caso em que estes devem assumir a continuidade do tratamento; 5) determinem, no momento da concessão da medida abrangida por política pública existente, a inscrição do beneficiário nos respectivos programas266.

Além dessas recomendações e orientações, resta claro a preocupação do CNJ, oriunda de um desdobramento daquela Audiência Pública promovida pelo STF, com o direito fundamental da saúde. Dessa feita, o CNJ, no exercício das competências constitucionais, busca uma atuação consciente e planejada do Poder Judiciário com a razão última de alcançar maior eficiência e rapidez na prestação jurisdicional referente às chamadas demandas de saúde.

Essa preocupação, porém, parece transcender do âmbito processual, para existir uma atuação do CNJ além das demandas judiciais à saúde, ou melhor antes da ocorrência dessas demandas, buscando resolver os problemas de políticas públicas no campo orçamentário.

Vejamos.

No capítulo IV, foi apresentado o funcionamento do orçamento brasileiro, trazendo à tona três espécies normativas orçamentárias: Plano Plurianual (PPA) – Lei de Diretriz Orçamentárias (LDO) – Leis Orçamentárias Anuais (LOA).

Com isso, a título relembrança o PPA define as prioridades do governo por um período de quatro anos, devendo conter "as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal

266NOBRE, M. A. DE B . Da Denominada “Judicialização da Saúde”: Pontos e Contrapontos. In. NOBRE, M. A. DE B.; DA

SILVA, R. A. D. (Coords.) O CNJ e os Desafios da Efetivação do Direito à Saúde. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011. p. 355.

para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração permanente.

A LDO, por sua vez, tem como a finalidade, entre outras, orientar a elaboração dos orçamentos fiscais e da seguridade social e de investimento do Poder Público, incluindo os poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e as empresas públicas e autarquias, visando sintonizar a Lei Orçamentária Anual com as diretrizes, objetivos e metas da administração pública, estabelecidas no Plano Plurianual.

Por fim, a LOA estima as receitas e autoriza as despesas do Governo de acordo com a previsão de arrecadação. Havendo a necessidade de gastar além do previsto durante o exercício financeiro, o Poder Executivo precisa, obrigatoriamente, submeter ao Congresso Nacional um novo projeto de lei solicitando crédito adicional.

No mesmo capítulo se concluiu que no Brasil o plano orçamentário é autorizativo e não vinculativo. Logo, o Executivo e o Legislativo não são atrelados e condicionados à lei orçamentária, o que possibilita previsão de garantias a direitos sociais sem que haja prática de efetivá-las.

Verificou-se, ainda, que este mecanismo orçamentário existe para permitir que o Executivo tenha maior flexibilidade de atuação com o fim último de alcançar e atender todas as necessidades reais da sociedade. Todavia, sabe-se que esta intenção que fundamentou o orçamento autorizativo está longe de ser cumprida, pois, na prática, se depara com um superávit dos cofres públicos, muito devido a não atuação do Poder gestor da nação e consequentemente uma não integração normativa à Constituição Federal.

Ademais, foi verificado também que os percentuais de cada ente federativo destinado à saúde encontram-se aquém do necessário para se ter uma política de saúde pública séria e efetiva.

Assim, conforme já pincelado anteriormente nesse capítulo, a presente dissertação defende que o Conselho Nacional de Justiça pode ter uma participação expressiva na construção do orçamento público sem que ocorra um desrespeito ao princípio da separação de poderes.

O que se propõe é que o CNJ, com base no seu regimento interno e nas resoluções previamente apresentadas, dialogue e atue conjuntamente com o Poder Legislativo no momento da criação das leis orçamentárias. O CNJ possui, em números, a quantidade das demandas judiciais nacionais que envolvem o direito à saúde e, com isso, pode expressar em valores, em medicamentos, em exames para diagnósticos, em internações, em procedimentos cirúrgicos e em assistência, de um modo geral, as reais necessidades da sociedade.

Observa-se que os referidos números acima são do Poder Judiciário, o que significa dizer, com base na separação de poderes, que estes refletem a falta de atuação dos demais Poderes na área da saúde ou uma atuação insatisfatória dos mesmos. Logo, o CNJ tem o dever de apresentar esses dados ao Poder Legislativo para que, com base nos dados da criação da legislação orçamentária passada, possa adequar a legislação orçamentária a ser aprovada com os problemas sociais, a fim de que haja uma integração normativa da Constituição às normas orçamentárias, com a razão fim de satisfazer, na prática, os direitos fundamentais, o que viabiliza uma aplicabilidade imediata pelo Poder Público.

Assim, reitera-se que o CNJ pode e deve servir de instrumento dotado de competência constitucional para efetivar os direitos fundamentais junto aos demais Poderes. Conforme estudado na teoria de separação de poderes contemporânea e nos limites da competência do CNJ, poderá o referido órgão atuar para o aprimoramento dos direitos fundamentais no processo legislativo orçamentário, propondo percentuais orçamentários que traduzam a realidade brasileira, debatendo com o Poder Legislativo e recomendando a adoção de posturas ativas para a solução do problema em questão.