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112 BRASIL, STJ. AgRg no AREsp 646.466/ES, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/06/2016, DJe 10/06/2016.

113 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit. 2006. p. 13.

114 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Op. Cit. 2006. p. 144 e 145

115 TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor: Direito

Com a mudança paradigmática promovida pela Constituição de 1988, o

ordenamento jurídico passou a gravitar entorno da proteção do sujeito de direitos116.

Em proteção à dignidade deste sujeito são criadas normas especiais como o CDC,

formando o complexo novo sistema do direito privado atual117.

Ao afastar-se da raiz individualista e patrimonialista do Direito Civil, sustentada ideologicamente na liberdade individual, permite-se a aplicação de novos princípios respaldados no texto Constitucional118. A função social dos contratos, a probidade e a boa-fé objetiva interferem diretamente na vontade de contratar, que

deve “estar apoiada em uma axiologia responsável [...], sem depreciação à

dignidade do homem119.

O sistema jurídico pós-moderno não é, portanto, apenas um conjunto hierarquizado de normas. É um complexo de elementos em interação, coerentes e

orgânicos, em constante relação entre normas, princípios e jurisprudência120.

Admitido este conceito, a sobreposição de campos de aplicação de diplomas legais

é um problema ao operador jurídico contemporâneo121.

Quanto ao conflito de normas, Norberto Bobbio já havia reconhecido que no caso de conflito entre duas normas para o qual não valha nem o critério cronológico, nem o hierárquico nem o da especialidade, o intérprete, seja ele o juiz ou o jurista, tem à sua frente três possibilidades: 1) eliminar uma; 2) Eliminar as duas; 3) conservar as duas.122

A solução atual está alinhada à terceira opção apontada. É o diálogo das

fontes, que ocorre com o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor123.

A coexistência destes diplomas pode conduzir a uma situação de difícil resolução quando se abre a possibilidade de ambos incidirem sobre o mesmo substrato fático, ou quando a solução de um conflito depende da caracterização de

116 NALIN, Paulo. Op. Cit. 2006. p. 26 a 36

117 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Op. Cit. 2006. p. 33. 118 RUSSO JÚNIOR, Rômulo. O Poder do Juiz Integrar o Contrato à realidade: Ótica do Declínio da

relatividade, do não isolamento, da Função Social Orientadora e da Dignidade da Pessoa Humana. p. 139. In.

NERY, Rosa Maria de Andrade (coord.). Função do Direito Privado no Atual Momento Histórico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

119 RUSSO JÚNIOR, Rômulo. Op. Cit. 2006. p. 138

120 V. SAUPHANOR, Nathalie. L’influence du droit de la consommation sur le système juridique. Paris: LGDJ, 2000. p. 23 a 32. Apud: MARQUES, Claudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2a ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 32.

121 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Op. Cit., 2006. p.26 122 BOBBIO, Norberto. Op. Cit. 1995. p. 100.

um conceito jurídico indeterminado como “vulnerabilidade”. É o que se chama de “hard case” 124.

Teresa Arruda Alvim Wambier entende que “hard case”

é um caso que deve ser resolvido à luz de regras e/ou princípios típicos de ambientes decisionais frouxos cuja solução não está clara na lei, ou realmente não está na lei, e deve ser “criada” pelo Judiciário, a partir de elementos do sistema jurídico.125

É nesses espaços de incerteza, portanto, que ganha destaque o papel da jurisprudência na adequação do direito à realidade. É lógico que no que toca ao direito contratual o Juiz não poderá substituir o impulso inicial reservado à vontade

criadora das partes126. Sua função será “valorativa dos interesses em conflito, além

de interpretativa, de forma que [...] proceda à complementação e à integração das normas por meio de elementos outros que não somente a lei127.

No mesmo sentido, ensina Luiz Guilherme Marinoni que

É indispensável que o Judiciário atribua sentido aos textos legais e, em outros, garanta a sua concretização nos termos dos valores que presidem a vida social, sem nunca se esquecer de desenvolver o direito segundo as expectativas da evolução da sociedade.128

124 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e Evolução do Direito. p. 27. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito Jurisprudencial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

125 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Op. Cit., 2012. p. 27. 126 RUSSO JÚNIOR, Rômulo. Op. Cit. 2006. p. 147

127 GAGO, Viviane Ribeiro. A intervenção do Juiz na Vontade de Contratar. p. 183. In. NERY, Rosa Maria de Andrade (coord.). Função do Direito Privado no Atual Momento Histórico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

128 MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto Corte de Precedentes: recompreensão do sistema processual da corte suprema. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 79.

3 A JURISPRUDÊNCIA PÁTRIA ACERCA DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL NA PLANTA E DA CLÁUSULA DE CORRETAGEM

Os seguintes agentes fazem parte da lide a ser dirimida pelo poder judiciário: as construtoras, responsáveis pela edificação de imóvel; os adquirentes de unidade imobiliária na planta; e os corretores, intermediadores do negócio jurídico e possuidores contrato de corretagem previamente estabelecido com a primeira.

A questão jurídica controvertida posta à análise dos magistrados diz respeito à validade da cobrança, pela construtora, de comissão de corretagem prevista em cláusula do contrato de compra e venda, celebrado com o adquirente (terceiro interessado). Ou seja, questionou-se a validade do repasse ao consumidor do ônus de arcar com os honorários do corretor.

Nas decisões analisadas, inclusive a seara dos fatos é controversa: Por um lado, explanaram os adquirentes que celebraram contrato para aquisição do imóvel no “stand” de vendas da construtora diretamente com os corretores, que agiam como prepostos daquela. Em adição, informaram que não celebraram contrato de corretagem e que não houve prévia e clara informação acerca do dever de arcar com os honorários do corretor.

Por esta razão, pautando-se nas normas do Código de Defesa do Consumidor que repelem cláusulas abusivas e a venda casada, demandaram os adquirentes que fosse declarada a invalidação da cláusula de corretagem.

Por seu turno, as incorporadoras e os corretores defenderam a autonomia de seus serviços. Consignaram que o repasse dos custos de qualquer empreendimento ao consumidor é praxe nos mercados atuais. Além disso, sustentaram a não incidência da lei consumerista na relação, uma vez que os adquirentes tiveram plena consciência acerca do repasse da corretagem.

Por estes motivos, defenderam as incorporadoras a prevalência dos dispositivos do Código Civil acerca da obrigatoriedade dos contratos (pacta sunt servanda) e à corretagem, requerendo a declaração de validade da cláusula que

transfere ao adquirente do imóvel a responsabilidade pelo pagamento dos honorários do corretor.

Deve-se ter em mente que pelo contrato de corretagem

uma pessoa se obriga, mediante remuneração, a intermediar, ou agenciar, negócios para outra, sem agir em virtude de mandato, de prestação de serviços ou de qualquer relação de dependência129.

Esta espécie contratual cria vínculo entre o comitente (no presente caso a construtora) e o corretor. Já o negócio principal (compra e venda) é celebrado entre o comitente e o terceiro interessado no negócio, sem existir qualquer tipo de relação entre o corretor e o terceiro interessado no negócio principal130.

Durante muito tempo o costume informou ser responsabilidade do comitente em arcar com as despesas de corretagem131. Contudo, a dicção do art. 724 do Código Civil é clara no sentido de que este ônus pode ser negociado entre as partes, ou arbitrado segundo a natureza do negócio e os usos locais:

Art. 724. A remuneração do corretor, se não estiver fixada em lei, nem ajustada entre as partes, será arbitrada segundo a natureza do negócio e os usos locais.

Como demonstrado na audiência pública132 realizada em 09/05/2016 no

STJ, no caso concreto, independentemente de quem tenha contratado o corretor, é inegável que ele realizou a aproximação das partes, levando propostas, contrapropostas e buscando imóveis que se adequassem ao perfil do comprador e da incorporadora.

Os tribunais pátrios respaldaram os mais variados entendimentos em seus julgados, ora em favor do consumidor, ora em favor da construtora e dos corretores.

As discrepâncias jurisprudenciais foram tamanhas que, a depender da turma, Estado, ou data em que a questão era decidida, dava-se ganho de causa a um dos litigantes, ou a outro. Era incogitável falar em “segurança jurídica”.

129 RIZZARDO. Op. Cit. 2011. p. 755

130 ASSIS, Araken de. Contratos Nominados: Mandato, Comissão, Agência e Distribuição, Corretagem, Transporte. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 256 e 256.

131 RIZZARDO. Op. Cit. 2011. p. 766

132 Disponível no Canal Eletrônico do Superior Tribunal de Justiça:

Entende Teresa Arruda Alvim Wambier133 / 134 que nosso sistema jurídico “foi concebido justamente com o objetivo racional, expressamente declarado, de gerar segurança ao jurisdicionado, evitando surpresas e arbitrariedades”. Assevera que “a legalidade só tem sentido prático se concretizada à luz do princípio da isonomia”, já que de nada vale a igualdade de todos perante a lei, “se os tribunais podem interpretá-la de modos diferentes e surpreender os jurisdicionados”.

A falta de uniformidade de decisões que trataram da mesma matéria conduziu a questão ao STJ, sob o rito dos recursos repetitivos.

Haja vista que a maioria dos casos julgados pelas cortes ordinárias e pelo STJ dizem respeito à aquisição de unidade imobiliária para habitação, faz-se no tópico seguinte curta análise da realidade deste mercado, para posteriormente analisar o histórico jurisprudencial que ensejou o julgamento de recurso especial sob o rito dos repetitivos no STJ.