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A ATUAÇÃO DA LIDERANÇA

No documento ROZELI APARECIDA MENON (páginas 89-94)

6. HISTÓRIA ORAL DAS LIDERANÇAS AVÁ-GUARANI PELA VISÃO DA

6.4 A ATUAÇÃO DA LIDERANÇA

Antes de iniciar os relatos sobre o procedimento e também sobre as formas de liderança dos Avá-guarani apresento a relevância da liderança indígena tradicional, que já foi comentada neste estudo, mas que cabe trazer nesta análise para o aspecto do conhecimento do líder indígena hoje. Quando trato da liderança tradicional, observa-se nas comunidades dos Avá que existe o resgate da memória histórica na qual os antepassados, que eram líderes, repassaram os seus ensinamentos para outras gerações. Muitas ações das lideranças de hoje são baseadas no comportamento das lideranças tradicionais.

De acordo com Martins (2015), até hoje ainda estão presentes a religiosidade, os costumes, a cultura e a tradição do que foi ensinado pelos antepassados. A preocupação das lideranças atuais é que esta memória histórica se perpetue, por isto pouca coisa mudou da liderança tradicional para a nova liderança. A liderança tradicional tinha o pajé (líder espiritual) com grande influência em várias estratégias que o cacique traçava. Hoje ainda continua esta mesma repercussão, porque o pajé é visto em sua comunidade como aquele que

tem sabedoria, poder de cura e que conversa com os deuses (tem visões sobre acontecimentos). Para entender melhor a importância dos xamoi, como são chamados os líderes espirituais nas comunidades, segue o relato do cacique Rudá:

Então a gente fizemos assim pra fortalecer a cultura, primeiramente a gente tem que valorizar o nosso xamoi. Ele que tem preocupação sobre nossa cultura né, mas eu tem que ajudar, eu tenho que entrar e tenho que valorizar isto né, porque ele que sabe mais do que eu, porque que pode valorizar, e porque que a gente tem que manter esta cultura. Então tudo isto ele que sabe, ele que conta dentro da casa de reza, porque que são importante pra gente isto né. E sempre tá bastante éh forte ainda né, esta cultura do povo Avá Guarani (Cacique Rudá).

Neste relato o cacique explica que o xamoi que traz esta memória dos antepassados para que a comunidade a utilize como prática no cotidiano, mantendo a cultura viva, seguindo os costumes e as tradições. É pelo rezador que isto se fortalece. Ele é respeitado na comunidade pela sua sabedoria e experiência de vida, porque geralmente o xamoi é mais idoso e conhece a cultura do seu povo. Diante disto, os caciques Avaré, Sami e Yakecan, em seus relatos, também alegam a importância do xamoi na comunidade, como segue:

Apoiar as culturas xamois. Tudo que pertença a cultura tem que apoiar, as lideranças tem que apoiar este papel, porque hoje em dia já não é todo mundo que apoia principalmente liderança, eu aqui particularmente eu apoio muito, sempre a casa de reza, eu acompanho tudo (Cacique Avaré).

Então a gente tem rezador que é o xamoi né, este dom é Nhanderu que deu né, Deus que deu pra ele não é todo mundo que tem este dom também (Cacique Sami). Ele ainda ensinou a família como que era o antigo, não tudo, mas ainda eu acho que dá força ainda para os povos guarani, porque ele é rezador, ele ainda faz o fé o remédio caseiro (Cacique Yakecan).

Nos relatos dos caciques Avaré, Sami e Yakecam percebe-se a importância do rezador nas comunidades, a influência que tem para manter a cultura e os rituais religiosos. Além disto, pelo que foi relatado, o xamoi preserva a memória do passado e assim a ensina às crianças e aos jovens.

No processo de escolha de um cacique, é a comunidade que determina aquele que vai assumir o compromisso de atender às necessidades do grupo social. Na entrevista que realizei com os líderes, perguntei como eles se tornaram caciques nas comunidades. A respeito disto, seguem os comentários dos caciques Avaré, Ivair, Cauê e Toriba:

Esse cargo aí não é a gente, é comunidade que escolhe né, comunidade que decide né, quem vai ficar, não é qualquer um que fica também neste cargo, porque é difícil, porque se você foi indicado pra ser um líder então tem que ter muita paciência, tem que conversar com a comunidade (Cacique Avaré).

Depende o trabalho da pessoa que tem vontade de trabalhar e entende um pouco do trabalho dos juruá que faz e enfrenta assim o preconceito, tem que ser firme pra ser cacique. Então fui indicado pela comunidade mesmo né (Cacique Ivair).

Eu fui indicado pelo povo porque o povo que mora lá né. Aí fizeram reunião e me escolheram a pessoa e foi escolhido eu pra representar a proposta deles, a necessidade deles assim, então foi assim (Cacique Cauê).

Quando o cacique saiu, eu era vice cacique, daí depois eu devolvi o cargo pra comunidade pra eles indicarem uma outra pessoa. Daí eles acharam que eu podia continuar mas já no cargo de cacique, aí eu fiquei (Cacique Toriba).

No caso da escolha e da indicação para o cargo de cacique, são considerados alguns atributos importantes: o de conduta, o de se posicionar perante as situações de dificuldade de trabalho, o de ajudar nas necessidades das pessoas, além do de despertar a confiança, por ser morador da comunidade e ter descendência. Os caciques Moacir, Rudá e Kaluanã trazem o entendimento de como foi esta indicação para que assumissem a responsabilidade de liderar a comunidade:

A comunidade me colocou aqui porque como sou um lutador e também porque o nosso xamoi, rezador queria porque morava por aqui mesmo. E meu pai contava que minha vó era daqui no caso deve ter lembrando esta história (Cacique Moacir). Então esta indicação sempre foi pela comunidade né, a comunidade vê o trabalho das pessoas. Eu acho que por isto fui escolhido, na verdade é que já fui acompanhado pela liderança já né. [...] eu já vinha ajudando colocando as ideias junto com liderança, junto com o xamoi, líder espiritual né então. Vindo antes já né se preparando pra isto, aí fui escolhido para ser cacique das aldeias, foi me indicado mas todo mundo concordaram, daí eu assumi este cargo. Tudo foi indicado pela comunidade, então não teve eleição, não teve divisão na verdade né (Cacique Rudá). Fui indicado pela comunidade, porque cada liderança tem opinião diferente do atendimento, assim de tratar pessoa. E hoje é só eu, já quer dizer que acostuma e não quer que eu saia de liderança, porque eles falam que outra liderança não sei se vai ter paciência, não sabe tudo isto, porque qualquer coisa tem errado eu levo pela conversa né. Nós escutamos e temos que fazer alguma coisa, por aí (Cacique Kaluanã).

O bom desempenho na liderança requer preparo e o acompanhamento dos trabalhos da comunidade, como comentou o cacique Rudá. Na história do cacique Moacir, ele foi designado para a liderança devido à sua luta e também à origem de seus antepassados, além de ser morador da comunidade.

Deste modo, nos relatos das lideranças, quando o cacique Kaluanã foi questionado a respeito do seu papel na comunidade, ele respondeu o seguinte:

Aqui como a gente trabalha na agricultura familiar o cacique que acompanha isto, porque nós temos aqui 75 famílias, eu tenho que ver a família que precisa, do preparo de solo, da semente, ferramentas, tudo isto tem que organizar. Então eu acompanho este trabalho, então minha atividade diária é isto aí, [...] tem que sair ir

na prefeitura resolver, porque nós trabalha pelo convênio, pelo convênio de Itaipu. Então na verdade o meu tarefa é isto aí e se tiver alguma coisa assim, muitas vezes acontece problema interno tem que chegar e resolver, tudo isto né, então dia a dia de liderança é isto aí, resolver, organizar. Por exemplo, a organização hoje das aldeias, da comunidade, tem que juntar e unir as pessoas, família, pra não ter briga, pra não ter algo errado, tudo isto tem que organizar, porque senão a pessoa não vai ouvir não quer saber nada, não sei o que, muitas vezes é preocupação esta aí. Eu sempre fala pra outra liderança, nós liderança que tem que unir, porque nós somos responsáveis, porque nós somos pai dentro da família (Cacique Kaluanã).

O cacique menciona, em suas conversas, que ele precisa ser como um pai para a comunidade, aquele que ajuda, aconselha, tem diálogo e paciência, porque é responsável por todos. Schaden (1974) comenta que o cacique é considerado como o pai da comunidade porque exerce a ordem e defende os interesses de seu povo, além de resolver os principais problemas da comunidade.

Ainda do ponto de vista das atividades do cacique nas comunidades, o cacique Rudá explica o que ocorre na sua aldeia:

Eu tenho várias coisas que eu faço porque a gente tem projeto também aqui dentro, tem vários setores que eu tenho que acompanhar, tudo setor a gente trabalha junto, tipo saúde a gente se reúne com pessoal faz alguma coisa, falta alguma palestra, precisa de liderança pra ajudar fazer, pra comunicar fazer isto, fazer limpeza na casa, fazer algum mutirão, tudo a gente faz junto. Aí quando cabe da educação, a liderança junto com professor indígena ou não indígena né, o que que falta né. [...] o que que podemos faze dentro das aldeias pra atividades pro jovem pra pode não sair fora das aldeias né. E talvez ir lá éh entra no meio da turma lá sobre algum usuário de droga, maconha, de bebidas. Estas coisas a gente trabalha junto. E também traz um xamoio o rezador que faz parte disto também, mas a gente faz na casa de reza. Assim, a gente trabalha em conjunto né, várias atividades que a gente podemos fazer a gente faz né (Cacique Rudá).

Neste processo, em que o cacique Rudá comenta sobre as atividades na comunidade, percebi que a organização social na aldeia acontece realmente neste trabalho em conjunto, nos setores de saúde, de educação e do dia-a-dia da comunidade. Tudo é feito em conjunto, coletivamente.

Em relação às tarefas que o cacique desempenha, os caciques Avaré, Moacir e Sami falaram que atendem às necessidades das comunidades na medida do possível e desempenham o papel de representatividade dentro das comunidades.

A tarefa é encaminhar a demanda da comunidade, acompanhar, fazer documento, se estiver algum problema interno tem que acertar, este é o trabalho principal né do cacique na área indígena (Cacique Avaré).

O cacique é um representante da comunidade, ele sempre tá lutando pra vivência da criança, vivência da comunidade, pra garantia do direito da criança, pra garantir o direito da população indígena, que o cacique é um representante porque sabe conversar com o pessoal, porque o cacique sempre ensina a criança como que deve viver, plantar alguma coisa (Cacique Moacir).

O cacique cuida da comunidade, se alguém tem problema interno também, tudo problema chega para o cacique né. O cacique é mesma coisa um prefeito também que no município tudo que acontece problema chega pro prefeito né. Só que a diferença que tem, o cacique não ganha nada é trabalho voluntário né (Cacique Sami).

A respeito de como é estruturada a organização social dos Avá-guarani, o cacique Avaré faz a seguinte explicação:

Cada um pega seu papel pra fazer. As funções seria uma parte tem pra agricultura né, que acompanha o plantio, que dividem a parte, espaço pra família, esta seria familhagem né. Tem um que coordena as coisas, outro tem coordenador que busca com semente, este já é pro outro. De reza lá coordena é xamoio, ele que manda. [Pra saúde, pra escola quem faz a função?] é os professores né, a gente tem aqui um técnico de saúde, tem um guarani também, indígena. Esta é a estrutura (Cacique Avaré).

A estrutura que envolve a organização das comunidades, comentada pelo cacique Avaré, é utilizada não só no seu local. Percebi que as terras documentadas possuem a estrutura de funções praticamente igual. Desta forma, os acampamentos têm atividades iguais, porém não com a mesma complexidade, por não possuírem escola, postos de saúde, espaço adequado para plantio. Mas, os povos das ocupações, que estão em acampamentos, aspiram obter as mesmas conquistas que os seus parentes conseguiram para manter esta estrutura de organização em suas comunidades.

6.4.1 Desejos e Preocupações das Lideranças para o Futuro de suas Comunidades

As lideranças apresentaram em seus relatos as preocupações e os anseios para o futuro das suas comunidades, no que diz respeito aos seus territórios e às condições de melhorias para que possam viver com dignidade. A partir destas realidades, seguem os argumentos dos caciques Rudá, Yakecan e Ubiratan sobre as suas principais preocupações:

A coisa de fora tá chegando muito nas aldeias né, aquela coisa que a gente não conhecia, aquela coisa que a gente não vivia assim né, então chega aí o jovem curioso que ele queria também né, já tá pegando tudo né. Então esta é a preocupação (Cacique Rudá).

A minha preocupação maior pra mim é a questão da terra, porque não tem alguma lugar assim pra colocar assim nossa casa, roça, nossa família, não tem como. E aí já vem mais alguma coisa que a gente precisa, hoje em dia precisa escola, precisa também nossa casa de reza (Cacique Yakecan).

Queria que se vivesse em paz, tenha direito, tenha direito da criança a escola, tem que ser alguma coisa, tem que ter o guarani também, tem que ter alguma coisa. Sem esta não tem como dizer que vivemos tranquilo, tem que ter escola, tem que pôr

posto de saúde, nós tem que ter água, nós tem que ter energia, coisa que dá pra sobreviver bem (Cacique Ubiratan).

Os anseios dos caciques para as suas comunidades estão atrelados ao futuro das crianças e dos jovens, às gerações futuras das comunidades que, para Albernaz (2009), são projetos para o futuro de todos na comunidade. Deste modo, os caciques Avaré, Cauê, Kaluanã, Yakecan e Ubiraci destacam em suas falas sobre as suas aspirações para o futuro.

Agora o meu maior desejo é forçar este grupo de jovens, pra poder, pra organizar né, porque isto aí vai conquistar também a demarcação, eu preciso de companheiro, porque cada liderança já lutou bastante, algum já tá velho, algum já morreu, então isto é nossa ideia né (Cacique Avaré).

O meu sonho éh ter uma escola estadual indígena nas aldeias pras crianças, eu quero que criança se divertindo no próprio deles, na hora da merenda todo mundo alegre saem pra merendar, o meu sonho é isto aí. E fazer uma casa de reza bem confortável a gente toda semana vamos estar lá ensinando a criança como que tem que andar na cultura né. Queria a criança desde pequenininho ensinar pra ele continuar depois nossa, a luta dele né. Porque a gente vai envelhecer e daí acabando, chegando ao fim da vida, aí ele já vai ter como pra continuar pra fortalecer a cultura e aprender também como que vai continuar a luta depois. Este aí é meu sonho (Cacique Cauê). O futuro da minha comunidade na minha aldeia é ampliar minha aldeia. Por exemplo aqui na família já não tem mais espaço (Cacique Kaluanã).

Eu queria a primeira parte seja continuação de manter nossa cultura, porque várias vezes nós ouvimos que fala os guarani não tem mais né, então a nossa preocupação maior é isto aí, e sobre a educação porque sem isto tem muito mais família que tá estudando e nós não queria deixar que esqueça da cultura indígena do guarani e também continuar a estudar né. Então a nossa preocupação é isto aí (Cacique Yakecan).

Eu quero que meu povo fique tranquilo, estudar, trabalhar, quem que tá crescendo agora entender esta cultura tradicional pra não acabar a cultura principalmente isto daí (Cacique Ubiraci).

Acima, nas falas dos caciques, ficam claros os desejos de terem a terra para viver com tranquilidade, incentivar a cultura para que permaneça fortalecida na comunidade e prover a educação para as crianças, porque serão os protagonistas que levarão adiante as lutas e o modo de vida dos Guarani.

6.5 ESTRATÉGIAS PSICOSSOCIAIS DE RESISTÊNCIA DAS LIDERANÇAS AVÁ-

No documento ROZELI APARECIDA MENON (páginas 89-94)