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3. Poder, prestígio e caridade: as trajetórias de Augusto Simões Lopes,

3.2 Antônio Joaquim Dias

3.2.1 Atuação profissional

Iremos começar pela trajetória de Antônio Joaquim Dias a frente do jornal literário A Arcádia, que assim como o jornal Artista, foram os primeiros veículos de comunicação que Dias fundou, no final da década de 1860.

Desde cedo, Joaquim Dias se portou a favor do progresso e do maior conhecimento literário da humanidade, como demonstra uma publicação sua no A

Arcádia, datada de 1868, sob o título de Panteão Literário. No texto, Antônio destaca

a criação de um clube literário em Porto Alegre, denominado Panteão Literário, mencionando que a ―ideia é nobre e sublime‖ e incentivando os membros para não dar importância diante dos críticos e das dificuldades:

Desprezando os maldizentes críticos desapiedados, transpondo as barreiras do ignorantismo, eis essa mocidade estudiosa, esperanças da província, unindo-se num só recinto, a mesma influência, para tornar-se forte, vencer, e à sombra dos lauréis da vitória, adquirir um renome na posteridade. Avante! Avante sempre, mancebos. – No presente, o trabalho. No porvir, a glória. (A ARCÁDIA, 1868, p.153-154).

Na citação acima, o autor menciona a ―mocidade estudiosa‖, da qual muito provavelmente ele próprio julgava fazer parte. No final do texto, Joaquim Dias parabeniza os fundadores do Panteão Literário e se solidariza com os seus membros, proferindo as palavras coragem e trabalho.

Ao mudar-se para a cidade de Pelotas, Antônio Joaquim Dias, fundou a sua primeira folha diária, sob a denominação de ‗jornal do Comércio‘. Segundo o Correio

Mercantil, em texto publicado logo após a morte de Antônio Joaquim Dias e, portanto

sob forte apelo emocional e nada imparcial, o Jornal do Comércio teria sustentado ―lutas medonhas, sangrentas, não só com colegas desta cidade como com colegas de Rio Grande, encontrou embaraços por todos os lados, viu-se rodeado de ódios encarniçados, que o pretenderam, às vezes, até, levar aos tribunais‖67, porém, a

acolhida pelos leitores teria sido positiva.

O Jornal do Comércio funcionou por poucos anos. Após vendê-lo para o Sr. Arthur Lara Ulrich sob a promessa de que não abriria outro jornal na cidade, em 1º de janeiro de 1875, Antônio fundou o seu último e mais exitoso jornal, o Correio

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Mercantil, contrariando a palavra que havia dado para o Sr. Ulrich. O Correio foi um

―jornal republicano e abolicionista, mas sempre com posições moderadas e conservadoras‖ (CALDERAN, 2002, p.14).

Antônio Joaquim Dias também teve o seu nome associado a uma série de polêmicas, situações constrangedoras e acusações enquanto residia em Pelotas e estava à frente do Correio Mercantil, como por exemplo: acusações de vender defesas que eram publicadas no Correio Mercantil beneficiando assassinos de um escravo; a introdução de moedas falsas na cidade e o roubo de um bilhete premiado da loteria (AL-ALAM, 2002).

O periódico ilustrado o Cabrion acusou Antônio Joaquim Dias68 de ter sido

―um dos algozes responsáveis pelo assassinato‖ (GONÇALVES, 2013, p.8) do escravo Jerônimo no ano de 1881, na charqueada de Paulino Leite. Conforme Mariana Gonçalves:

Dias não estava envolvido no crime, contudo foi considerado um dos algozes devido a defesa dos verdadeiros idealizadores – atuando como porta-voz dos acusados – ocultando a verdade, promovendo uma mentira e persuadindo os leitores. Além disso, segundo o Cabrion, Dias recebia para defender os mandantes do caso. (GONÇALVES, 2008, p. 8).

Não sabemos se de fato Joaquim Dias recebeu para defender Paulino Leite e seu irmão Antonio Leite. Ao fim do processo, como era de se esperar, numa sociedade escravista, somente o capataz da fazenda, Manoel Pedro de Oliveira e outros três escravos, Antonio, Marcelino e Casimiro são condenados e presos. Aos ―senhores‖ Antonio e Paulino nada aconteceu.

Outra acusação que Dias sofreu envolveu um simples padeiro e um bilhete premiado da loteria da Província. Segundo CALDERAN (2002), o padeiro teria entregado o bilhete para Dias, com a promessa de receber o dinheiro do prêmio, que nunca foi entregue por Joaquim Dias.

Excetuando as acusações que não podem ser confirmadas ou negadas, Dias contribuiu de forma proativa exercendo o ofício de jornalista em Rio Grande e Pelotas, muitas vezes despertando a ira de outros jornais, por motivos diversos,

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Antônio Joaquim Dias recebeu o nada agradável apelido de Mondongueiro pelos editores da folha ilustrada o Cabrion. Fonte: GONÇALVES, Mariana Couto. A Princesa do Sul de Bernardo e Gerônimo: A Pelotas escravista a partir de crônicas e folhetins. 6º Encontro Escravidão e Liberdade. Florianópolis: UFSC, maio de 2013, p.12.

148 entre eles a disputa por clientes, por espaço político, etc. Outro fato que incomodava a concorrência, dizia respeito ao fato de Antônio ser estrangeiro, como menciona Calderan:

O fato de Dias ser estrangeiro causou-lhe alguns aborrecimentos, pois os jornais de oposição, principalmente o Diário de Pelotas acusaram o Correio Mercantil de funcionar ilegalmente, de não ter editor, pedindo providências ao promotor público da comarca dizendo que este jornal a tudo e a todos atacava, insultava e injuriava, sejam instituições; indivíduos, partidos políticos, religiões, etc, mas que, no entanto, ninguém poderia responder por ele perante os tribunais do país. (CALDERAN, 2002, p.18).

A vida profissional de Joaquim Dias não esteve atrelada somente ao mundo da imprensa, nas palavras de Santos (2017), ―A.J.Dias também foi um visionário como empresário‖. No ano de 1884, ele recebeu autorização para explorar linhas telefônicas entre o centro da cidade até o armazém da Companhia São Pedro, situado na região do Porto. Essa nova atividade, possibilitou lucros significativos a Antônio Joaquim Dias. Conforme Santos (2017), as linhas telefônicas possibilitaram aos empresários agilidade na informação a cerca da movimentação portuária, ―como a chegada de navios e de mercadorias, e pagavam 200 réis por recado enviado‖. Segundo o autor, em 1886, dois anos após Joaquim Dias ter começado a explorar as linhas telefônicas na cidade, a paisagem começou a se alterar devido à introdução do cabeamento telefônico, ―passando pelos telhados de algumas casas, com a montagem de uma central telefônica, pioneira no Estado‖ (SANTOS, 2017, p.61). Esses novos ganhos financeiros, além de trazer maior notabilidade à figura de Dias, certamente o ajudaram a custear as despesas da sua filha, que iniciou a faculdade de Medicina no Rio de Janeiro, coincidentemente, no ano de 1886.

Por mais que os jornais que questionavam ou atacavam Joaquim Dias estivessem com a razão em algumas acusações ou argumentos, não podemos ser ingênuos e desprezar a existência de interesses, os mais diversos que permeavam as publicações dos periódicos, que por ventura quisessem prejudicar de alguma forma a figura de Antônio Joaquim Dias. Era difícil exercer atividades jornalísticas no Brasil imperial sem cair nas redes de interesses políticos que permeavam a imprensa da época. Além do mais, as publicações dos periódicos podiam mexer com a vida pública das pessoas, afetando sua reputação tanto para o bem quanto para o

149 mal, gerando descontentamentos. Um processo-crime datado de 18 de janeiro de 1888, revela como tais situações podiam ultrapassar os limites da boa convivência. Na ocasião, ao meio dia daquela data, Antônio Joaquim Dias encontrava-se acendendo um cigarro na rua Voluntários da Pátria, quando Antônio Batista Pereira acertou-lhe uma paulada na cabeça, seguida de vários outros golpes. Interrogadas as partes, descobriu-se que o motivo da agressão foi o Correio Mercantil ter publicado, dias antes, uma notícia de que Batista Pereira não tinha capacidade para administrar os correios da cidade69.

Portanto, enquanto jornalista, Dias era um homem público capaz de mobilizar alianças pessoais ao preço de gerar inimizades. Sendo um indivíduo de origem social modesta, soube manipular tais regras sociais e políticas e, a forma como investiu no estudo dos filhos, denota certo desejo de ascensão social, mesmo que geracional. Neste sentido, a caridade pode ter servido como uma forma de acessar tais mecanismos, diminuindo os obstáculos colocados àqueles que vinham ―debaixo‖ e possibilitando o ganho de um maior prestígio no interior de uma prática social na qual as elites da cidade detinham certa proeminência. É disso que tratemos a seguir.