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2. A ATUAÇÃO DO PROFESSOR INTERLOCUTOR NOS ESPAÇOS

2.3. Atuação do TILS

Discutimos anteriormente a escassez e a quantidade insuficiente de cursos formação para TILS. Interessa agora entender de que modo esta formação pode ou não colaborar para a atuação deste profissional.

A atuação do TILS está relacionada à percepção do outro, neste caso, principalmente à percepção do surdo sobre a prática do TILS. Partindo da proposta de que somos seres dialógicos e de que nos constituímos, também, pelo outro nas diferentes relações atribuídas (BAKHTIN e VOLOCHÍNOV, 2010), quando direcionamos essas questões para a prática da interpretação, percebemos uma relação em que os surdos assumem, direta ou indiretamente, diferentes relações atribuídas acerca da percepção e dos modos de interpretação do TILS.

A relação de subjetividade estabelecida entre surdo e TILS durante a interpretação aponta que as atribuições do surdo sobre o TILS podem influenciar diretamente na busca da construção da identidade deste profissional. Além disso, essa relação de subjetividade demonstra que a atuação do TILS e o processo de interpretação envolvem questões de grande complexidade que não se restringem a fluência de língua ou comportamentais apenas; aspectos sociais, culturais também precisam ser considerados, já que estamos nos referindo a interpretação de diferentes línguas, tais questões serão discutidas no decorrer deste item.

Um estudo realizado com TILS na Austrália (NAPIER, 2011) identificou e comparou os temas que emergiram da percepção dos surdos em relação aos TILS e aos ouvintes; tal pesquisa avaliou os intérpretes de Língua de Sinais e as práticas de interpretação, indicando que a maior preocupação dos participantes está relacionada às

questões comportamentais do intérprete. O grupo dos surdos analisado priorizou um interesse em particular sobre comportamentos relacionados à ética e à neutralidade do intérprete de Língua de Sinais durante a sua atuação. Napier (2011) relata que os participantes surdos enfatizaram que, além da neutralidade, os intérpretes precisam considerar as peculiaridades linguísticas e culturais da comunidade surda, além de estar cientes de que interpretar em Língua de Sinais não se resume somente em saber falar esta língua: ser intérprete é poder abraçar de fato a luta dos surdos.

Vale salientar que a percepção dos surdos sobre a atuação do TILS, na maioria dos casos, se restringe aos comportamentos relacionados à ética e à neutralidade, uma percepção interligada às questões comportamentais, que reduz a interpretação a uma ação simplista, descaracterizando a relação de complexidade das línguas envolvidas - LP e Libras, os modos de ver e perceber os processos que englobam a interpretação não se aprofundam.

Uma interpretação não se define somente por comportamentos e por fluência do TILS, ela está além dessas questões, envolvendo subjetividade, escolhas linguísticas e culturais (GURGEL, 2010). Assim como aponta Sobral (2008), o tradutor não é uma máquina que repete palavras com fluência em uma língua; o tradutor é um autor, ele transcria enunciados, ele precisa compreender a língua em um fluxo discursivo.

O TILS está imerso em um ambiente onde diferentes informações ocorrem ao mesmo tempo; por isso, é necessário que o intérprete tenha habilidades para conhecer e interpretar o que está sendo dito da melhor maneira possível, (GURGEL, 2010), portanto, ser o autor da sua tradução e compreender a língua no fluxo discursivo para interpretar de maneira efetiva e com qualidade.

Duarte (2000) também menciona que durante a interpretação entre surdo e TILS se estabelece uma profunda relação que pode envolver diferentes dimensões de trabalho que não se podem perder de vista: (i) Dimensão Estrutural: levando em conta que a interpretação é um ato de comunicação que deve seguir regras; (ii) Dimensão Intercultural: considerando a interpretação como um ato de comunicação que permite intercâmbio cultural entre os dois grupos; (iii) Dimensão Intersubjetiva: considera que a interpretação é um ato de comunicação que intervém na relação entre as pessoas; e a (iv) Dimensão Técnica: a interpretação é um ato de comunicação que dispõe de certos meios de difusão num contexto preciso.

Para complementar os apontamentos acima, Gurgel (2010) indica que não podemos nos enganar acreditando que a proficiência em Libras seja suficiente para

garantir uma interpretação de qualidade, haja vista que uma interpretação não se resume à mera substituição das palavras por sinais ou vice e versa. O TILS, além de conhecer o contexto em que atua, também precisa buscar modos adequados de verter de uma língua para outra para não distorcer a informação que se pretende expressar em cada situação.

Guarinelo, Santana, Figueiredo e Massi (2008), em uma pesquisa que analisou e refletiu o contexto da interpretação de TILS na universidade, bem como seu papel nesta situação, demonstrou que a falta de formação destes profissionais pode acarretar graves consequências ao surdo, visto que muitos intérpretes não dominam a área de atuação da interpretação e causam, por vezes, confusão, supressão ou adição dos conteúdos, prejudicando diretamente o acesso às informações por parte do surdo. Portanto, percebemos a importância de se refletir sobre uma formação integral adequada para o TILS.

As questões discutidas evidenciam o quanto é preocupante e emergencial a organização de maiores ofertas de cursos de formação nesta área, considerando que o TILS normalmente exerce a profissão alicerçada em intuições ou em trocas de experiências com colegas, o que pode acarretar uma desvalorização do profissional pela precariedade das bases que sustentam sua atuação. Por isso a necessidade de uma formação que propicie e leve em conta as diferentes dimensões da interpretação, as quais estão além da fluência das línguas e dos comportamentos previstos.

Cabe ressaltar a importância de se refletir acerca da atuação do TILS, que vem crescendo e tomando dimensões em diferentes áreas, à medida que a comunidade surda conquista mais espaços nos contextos sociais e ganha reconhecimento. Deste modo, considerando as diversas áreas de atuação deste profissional, nos ateremos à discussão da atuação do TILS no âmbito educacional.