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Atuando “Tanto no Serviço de Deus Quanto no de Vossa Majestade”: As trajetórias dos

3. A Guerra dos Mascates: Ponto de Interseção de Trajetórias

3.3. Atuando “Tanto no Serviço de Deus Quanto no de Vossa Majestade”: As trajetórias dos

Miranda

Outro sacerdote que solicitou um hábito de Cristo foi o padre do hábito de São Pedro, Antônio Álvares de Brito, natural de Pernambuco, filho de Manuel Álvares de Brito. Padre Antônio, antes de ser religioso, prestou 17 anos de serviços militares entre soldado pago, cabo de esquadra e capitão de infantaria da ordenança do Recife. Ao que parece sua grande contribuição para a repressão da sublevação da nobreza, além da eliminação dos cabeças durante o ano de 1711, foi o de apreender gente, quando em 1712 no distrito de Apuá foi:

412 SOUZA, George F. Cabral de. Elites y ejercicio de poder em el Brasil colonial: la Cámara Municipal de Recife (1710-1822). Salamanca: Tesis Doctoral Universidad de Salamanca, 2007, p.720.

413 Requerimento de Manuel Borges Veloso. AHU_ACL_CU_015, Cx. 86, D. 7054.

414 SOUZA, George F. Cabral de. Elites y ejercicio de poder em el Brasil colonial. Op. Cit., p.920.

com o seu capitão apreender o capitão-mor João de Barros Rego416 por haver incorrido no crime de lesa majestade e essa prisão se fez no dito capitão-mor e quatro pajens seus, todos armados em distância daquela praça 16 léguas gastando-se nesta mais de treze dias em que tiveram grande o incômodo por no mais rigoroso tempo417

Sendo um dos subordinados de Félix Machado que empreenderam essa “caças as bruxas”, ao partido olindense, pondo em fuga alguns e levando presos ao Recife catorze homens, que não são discriminados.

Diferentemente dos padres Manuel Borges Veloso e Antônio Álvares de Brito, o Padre Gaspar de Araújo Quinteiro, não prestou nenhum serviço militar strictu senso. Capelão dos terços da Cidade de Olinda e Vila do Recife, na apresentação de seus serviços demonstra a sua atuação particular no período do cerco do Recife.

Como sacerdote, administrou os sacramentos “para que nenhum [soldado] marche sem confissão”, atuou no trato dos feridos, no consolo espiritual e na celebração de missas, comprando, inclusive um cavalo para poder ser mais rápido no percurso entre Santo Antônio e a Fortaleza das Cinco Pontas e “as mais fortalezas com a mesma caridade e dispêndio de sua fazenda e cumprindo inteiramente com as suas obrigações”418.

A atuação dos padres na política local, como incitadores das alterações é destacada pelo Bispo d. Manuel Álvares da Costa. Em carta ao Rei, o referido prelado, percebe que de maneira alguma

podia aplacar os soldados e moradores, mas como os religiosos e padres que me haviam de ajudar eram os que incitavam e aconselhavam mais este tumulto, nada pude conseguir em três dias que estive na dita vila para os aquietar faltando-me ao respeito e obediência entrando continuamente os soldados na casa onde assistia com armas e estrondos419.

Assim, os serviços religiosos de padre Gaspar serviam também não apenas no plano espiritual, mas na esfera da organização política, atuando para incitar a população e melhorar o moral das tropas. Desenvolvendo uma liderança que Antônio Manuel Hespanha denominou de elites do confessionário, “que por meio da confissão auricular e da direção de consciência,

416 Militar, João de Barros Rego nasceu em Olinda, na segunda metade do Século XVII. Foi vereador em Olinda (1668), juiz ordinário (1691) e provedor da Fazenda Real (1710). Durante a Guerra dos Mascates participou das batalhas e acabou preso em maio de 1712. Morreu na prisão (Fortaleza do Brum, Recife), a 28-12-1712. Disponível em:

http://www.peaz.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=806:jo%C3%A3o-de-barros- rego&catid=69&Itemid=148.

417Requerimento de Antônio Álvares de Brito. AHU_ACL_CU_015, Cx. 66, D. 5629. 418 Requerimento de Gaspar de Araújo Quinteiro. AHU_ACL_CU_015, Cx.74, D.6211

419 Carta do Bispo de Pernambuco ao Rei sobre o desempenho na organização da capitania durante a ausência

do governador da mesma, Sebastião de Castro e Caldas, e das convulsões sociais ocorridas na vila do Recife.

controlam os confessados, mesmos os pertencentes às mais formais das elites, distorcem os poderes instituídos”420 mesmo no seio da própria Igreja e da ordem patriarcal. Era o sussurro dos homens de Deus, e no nosso caso também os discursos inflamados em praça pública, que incitavam os homens das armas. Por esses serviços o padre Gaspar de Araújo Quinteiro pede a recompensa de um hábito de Cristo em favor de u

m sobrinho, Antônio Machado421.

Outro sacerdote a solicitar um hábito foi João Teixeira de Miranda, o fez numa perspectiva diversa de todos os outros religiosos até agora arrolados. A sua atuação junto ao seu irmão, o também Padre Joseph Borges de Morais se deu na conversão de indígenas na capitania do Ceará, aldeando os gentios das duas missões Arariú e Tremembé, batizando-os e ensinando lhes e a seus filhos a doutrina cristã.

No levante de 1714, o padre João de Miranda, levou “três tiros de espingarda de que escapou milagrosamente”, nesse mesmo período juntou-se a uma tropa que se fez na Serra de Ibiapaba onde, como capelão confessava os feridos e dava ânimo aos soldados, a partir, deste ponto saiu se uniu aos Tremembés.

Relata o capitão de uma companhia de infantaria, Antônio de Souza Marinho, que ao saber da intenção do “gentio bárbaro” de descer os sertões, cercando a ribeira de Acaraú o Padre João reuniu a sua clientela indígena da tribo dos Tremembés e juntamente com os moradores defenderam o cerco que se fez por seis dias até a chegada do Coronel José de Lemos.

Numa terra de fronteira aberta pelos sertões, a elite local, exitosa da guerra empreendida contra o antigo invasor batavo, tentava monopolizar a violência através da posse de armas e de clientela de negros e índios dispostos a seguirem seus mandos. Desde as disputas por engenhos a questões mais pessoais, as divergências passaram a ser resolvidas através da violência. Assim como os índios hostis e os negros aquilombados, armados dede a guerra holandesa, passam a deixar as populações em constantes sobressaltos422. João Teixeira de Miranda pediu um hábito

420 HESPANHA, António Manuel. Governos, elites e competência social: sugestões para um entendimento renovado da história das elites. In.: BICALHO, Maria Fernanda; FERLINI, Vera Lúcia Amaral. Modos de

Governar: Idéias e Práticas Políticas no Império Português séculos XVI a XIX. São Paulo: Alameda, 2005, p.42.

421 Requerimento de Gaspar de Araújo Quinteiro. AHU_ACL_CU_015, Cx.74, D.6211

de Cristo para seu Cunhado Manuel Pinto Pimentel como remuneração dos seus serviços e de seu irmão423.

3.4. Homens de Boa Vida e Costumes: Candidatos à Familiares do Santo Ofício e a