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Capítulo 3 – Atividades de leitura: A terceira etapa da Educação de Jovens e

3.1 Aula 1 – leitura do poema “Ver-o-Peso”, de Max Martins

3.1.1 Conversa com os alunos

Arrumamos os alunos em círculo e iniciamos a atividade de pré-leitura, conversando a respeito dos pontos turísticos de Belém. O primeiro ponto referido foi o Bosque Rodrigues Alves, local que a maioria deles visitou quando eram crianças.

45 Depois citaram o Museu Paraense Emílio Goeldi, a Estação das Docas, o Mangal das Garças, a Praça da República, o Portal da Amazônia e o Ver-o-Peso.

Ao citarem o Ver-o-Peso, ponto turístico considerado cartão postal de Belém, indagamos a respeito do conhecimento e da relação deles com o local. Constatamos que alguns já haviam trabalhado lá ou tinham parentes que trabalhavam no Ver-o-Peso.

Em seguida, explicamos para eles que o texto a ser lido naquele dia seria um poema de um poeta paraense chamado Max Martins. Entregamos a eles cópia do poema “Ver-o-Peso” (MARTINS, Anexos, p. 108), apresentamos o livro “Poemas Reunidos”, de onde o poema foi retirado e falamos um pouco sobre o autor do poema, conforme veremos a seguir.

3.1.2 Introdução do autor e do poema

O poema “Ver-o-peso” é de autoria de Max Martins, que nasceu em Belém do Pará, em 20 de junho de 1926. Max, com Benedicto Nunes, de quem era amigo desde a infância, publicou poemas na condição de colaborador no encarte literário “Suplemento Literatura” do jornal Folha do Norte, na década de 40. Alguns de seus poemas estampados neste encarte foram posteriormente publicados em livro.

Max Martins era um autodidata, pois fez estudos particulares nas áreas de literatura, artes, filosofia e poesia. Em 1952, publicou seu primeiro livro “O estranho”, com o qual ganhou o prêmio de poesia Frederico Rhonsard, concedido pela Academia Paraense de Letras, e o prêmio Santa Helena Magno, concedido pela Secretaria de Educação do Estado do Pará. Com o livro “Anti-Retrato”, publicado em 1960, voltou a ganhar os prêmios Frederico Rhonsard e Santa Helena Magno.

Com a publicação de “Não para consolar”, ganhou também, em 1993, o prêmio Olavo Bilac, da ABL (Academia Brasileira de Letras). As suas melhores obras foram traduzidas para o alemão, inglês e francês. Max Martins faleceu em 2009, deixando uma extensa obra: “O estranho” (1952); “Anti-Retrato” (1960); “H'Era” (1971); “O ovo filosófico” (1976); “O risco subscrito” (1980); “A fala entre parêntesis” (com Age de Carvalho, à moda da renga, 1982); “Caminho de Marahu” (1983); “60/35” (1985); “Poema-cartaz Casa da Linguagem” (1991); “3 Poemas - folder com desenho, colagem” (1991); “Marahu poemas” (1985); “Não para consolar - poesia completa” (1992); “Para ter onde ir” (1992).

O poema “Ver-o-Peso”, de Max Martins, foi publicado pela primeira vez no livro “H’Era” em 1971. Em “Ver-o-Peso” o poeta aborda o mercado do Ver-o-peso, cartão postal de Belém, explorando nos setenta e quatro versos, que compõem o poema,

46 uma questão social muito forte na região, que é a exploração do trabalho do pescador e tudo o que envolve essa atividade comercial. Por possibilitar a reflexão a respeito de questões sociais como a fome e a exploração comercial, entre outras, é que resolvi trabalhar com meus alunos o poema “Ver-o-peso”, de Max Martins.

3.1.3 Leitura e discussão do poema

Iniciamos a atividade com os alunos, fazendo uma leitura silenciosa para que conhecessem o poema, depois fizemos a leitura do texto em voz alta, de forma pausada e expressiva, procurando marcar a entonação e o ritmo para os alunos perceberem que essas características são próprias de um poema.

Em seguida, os alunos leram o poema em voz alta, acompanhados por nós, também em ritmo pausado e expressivo. Nesta primeira atividade de leitura, eles iniciaram um pouco tímidos, mas com a repetição, acabaram descontraindo e se envolvendo mais com a atividade.

Uma nova leitura em voz alta foi realizada pelos alunos, mas, desta vez, de forma acelerada, acrescentando ao texto o ritmo próprio de um mercado como o do Ver- o-Peso, que dá voz ao poema lido.

Em uma quarta leitura, foi empregada a técnica de jogral, em que a turma foi dividida em dois grupos, um masculino e outro feminino, e cada grupo entoou um verso do poema, de forma pausada. Na quinta leitura do poema foi repetida a técnica de jogral da leitura anterior, desta vez feita de forma acelerada. Já familiarizados com o texto, os alunos se empenharam bastante nessa atividade de jogral.

Em seguida, solicitamos aos alunos que anotassem e expusessem suas dúvidas sobre o vocabulário, buscando elucidar, em conjunto, com a turma, o significado das palavras citadas, através do contexto e, em seguida, buscamos auxílio em dicionário para as palavras, cujos significados eles não conseguiram elucidar, como aconteceu com as palavras “vero” e “vera”.

Em seguida, instigamos os alunos a fazerem uma reflexão a respeito do poema. Fomos lendo cada verso e eles foram explicitando oralmente o que compreenderam na leitura do texto. Solicitamos que cada aluno destacasse oralmente a estrofe ou o verso do texto de que mais gostou, explicando o motivo da escolha.

O aluno V. F. citou os versos “o homem / come a lama / lambe o barro” (MARTINS, Anexos, p. 109), que ele achou interessante porque mostra a miséria de alguns pescadores, que não conseguem se sustentar com a pesca. A aluna J. S. citou os versos “a fome / vem de longe / nas canoas / ver o peso” (MARTINS, Anexos, p. 108),

47 que a fizeram lembrar dos pescadores e de sua família, quando ela era criança e morava no interior de Marapanim, que passavam vários dias no mar, indo para lugares distantes pescar e vender seus peixes.

Vários alunos se manifestaram, citando os versos do poema que lhes chamou a atenção.

Então, distribuímos aos alunos papel, lápis de cor, canetas hidrocolor, revistas e jornais e solicitamos que eles expressassem suas impressões sobre o poema, com desenhos e colagens. Em seguida, montamos um varal na sala de aula com o resultado do trabalho.

Após essa atividade, os alunos assistiram a um vídeo do poema “Ver-o-Peso”, parte integrante do documentário chamado Porto Max sobre o poeta paraense Max Martins, filmado pelo coletivo de Documentário da Fundação Curro Velho e editado por Neto Dias em 2009.

Como culminância das referidas atividades, levamos a turma em excursão ao Ver-o-Peso, onde conversaram com pescadores e comerciantes de pescados, conheceram os mercados de peixe e de carne, o porto onde ancoram os barcos pesqueiros, e todo o complexo da feira, com as barracas de vendas de alimentos, animais, artesanato e as famosas ervas. As atividades em sala de aula com a leitura e discussão do poema “Ver-o-Peso”, de Max Martins, desenvolvidas em sala, tiveram a duração de 9 horas-aula.

3.1.4 Análise, a partir da leitura do poema

O poema “Ver-o-Peso”, composto de 74 versos, apresenta,por meio do jogo metafórico, uma reflexão a respeito do universo que envolve a atividade comercial, praticada na feira que dá título ao poema.

Nos três versos iniciais, a canoa aparece como o elemento que liga o homem ao mercado, pois a canoa tem nome, tem identidade, diferente do homem, que não tem nome e confunde-se com os outros elementos comuns desse universo que constitui a atividade econômica do pescado.

A canoa também é responsável por conduzir a fome, que pode ser entendida como uma referência em relação à comercialização do peixe, que é comprado para matar a fome de quem o consumirá. Porém o valor arrecadado pelo pescador não é suficiente para matar a sua fome e a de sua família, deixando, aí, subtendida a condição de exploração do trabalho do pescador assim como de outros trabalhadores, de cujo

48 produto quem realmente tirará vantagens financeiras é o “atravessador”1, que compra o pescado por um preço ínfimo e o revende com grande margem de lucro.

Como lemos nos versos de seis a doze, o homem se vende junto com o seu produto, ele se vê obrigado a aceitar as condições impostas pelo comerciante, aqui representado pela balança, que age ante a passividade do peixe, do Homem e da fome. Ela os pesa, ela os vende.

Nos versos treze a dezesseis, o poeta se refere às condições de vida dos ribeirinhos da Amazônia, que vêm de lugarejos distantes, após dias no mar e nos rios, tentar conseguir um preço melhor por seus pescados. Eles trazem com eles a fome, essa que vem de longe e que permanece com ele no mercado, fome que pode ser saciada pelo peixe que ele traz para comercializar, mas que continua presente em sua realidade depois da venda.

Nos versos dezessete a vinte e três, evidencia-se a situação controversa, que resulta do fato de o homem pescar o peixe que servirá de alimento às pessoas que vão comprar o produto enquanto para ele e a sua família não há dinheiro suficiente para suprir essa necessidade básica da alimentação.

Quem compra o peixe para revender, compra também a fome do homem, ou seja, contribui para a situação de pobreza em que os pescadores estão. O peixe come e o homem não come, o homem tem fome. Quem compra o peixe para se alimentar, também tem fome, também é vítima do comerciante, das políticas econômicas que permitem a prática de margens de lucro exorbitantes.

Nos versos vinte e quatro a vinte e sete, o poeta expõe a fragilidade desse homem, que é “de barro” (MARTINS, Anexos, p. 109), ante a inexorável força que o comércio do peixe possui em explorar o trabalho do pescador, pagando tão pouco pelo seu produto, peso de ferro do comerciante. Quando ele vende seu produto por tão pouco, vende também sua identidade, sua dignidade, “vende o nome” (MARTINS, Anexos, p. 108). Aqui o poeta também se refere ao homem como criatura de Deus, feito de barro, frágil, que corrompe e se deixa corromper, que explora e que é explorado. O barro também representa o elemento utilizado na construção da casa de muitos desses pescadores e que também é transformado em alimento de pessoas, que apresentam doenças relacionadas à desnutrição.

1Nome usado na Amazônia paraense para denominar o comerciante de alimentos/confecção entre outros produtos, que têm lucros exorbitantes, tendo em vista a compra dos produtos por um preço muito baixo e revendê-lo com lucro de 100% ou mais.

49 Nos versos vinte e oito a trinta e nove, o poeta enfatiza essa situação de doença, que leva o homem desnutrido, doente, com “febre”, com a “pança” inchada pelo vício de comer lama, de lamber barro. De lama também é a atitude empregada pelo comerciante, que ignora as condições do pescador, que sacia as necessidades de sua “pança” enquanto a do pescador e sua família sofrem com a desnutrição.

O poeta prossegue, nos versos quarenta a quarenta e seis, referindo-se à doença, que leva o homem a alimentar-se de barro, a possuir vermes, tudo resultante da pobreza e da situação de explorado na relação comercial do produto de seu trabalho, o peixe. Num jogo com os anagramas “alma” e “lama”, mostra a degradação que está presente nessa relação comercial, que expõe esse “verme verde”, que aqui pode ser entendido também como o dinheiro, que corrompe a alma desse homem, cuja pele é só “escama”, elemento que recobre a pele do peixe que ele comercializa bem como recobre a pele de outros animais perigosos e considerados traiçoeiros como, por exemplo, a cobra simbolizando o explorador, o “atravessador”.

Nos versos seguintes, o poeta continua relacionando a atividade de comercialização do peixe à situação de fome na qual o homem se encontra, em que a “sorte” do peixe é o “azar” desse homem; o preço do peixe, que é estabelecido pelo peso, determina a miséria do homem, que é obrigado a vendê-lo por valor muito baixo, do qual ele não consegue retirar o seu sustento para viver dignamente, garantindo o seu direito à cidadania.

O poeta encerra o texto, utilizando o nome do mercado para relacionar o Homem ao peixe, mostrando nessa relação o verdadeiro peso, que é a verdadeira morte, morte do corpo, morte da dignidade, morte da esperança. O homem e o peixe têm o mesmo peso, ou seja, o homem encontra-se na mesma situação em que o peixe, é uma “presa da fome” (MARTINS, Anexos, p. 110). O peixe está morto. O homem está morto.

3.2 AULA 2 – LEITURA DO CONTO “ZEUS OU A MENINA E OS ÓCULOS” DE