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3 AS TÉCNICAS FREINET E AS POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS DE

3.2 A Aula-passeio

A Aula-passeio é um momento de interação das crianças fora da sala que contribui para a ampliação das experiências, possibilitando o desenvolvimento da atenção, do pensamento, da linguagem (VIGOTSKI, 2010). Esses passeios para além dos muros da escola permitem novas descobertas, um contato com o meio no qual estão inseridas, pois as crianças têm a oportunidade de observar e explorar o ambiente despertando sua curiosidade e seu interesse pelos objetos à sua volta.

Figura 10 - Aula- passeio com a turma no entorno da escola

Esta possibilidade pedagógica apresentada na figura 10, foi realizada no próprio bairro, uma volta nas proximidades da escola, para observações especificas, um passeio que não demandou transporte. As crianças assumiram o papel de Guardiões, como foi explicado na introdução do estudo. As crianças se envolveram na atividade e quiseram expressar essa experiência por meio da linguagem.

Representou momentos de interação da turma juntamente com a professora- pesquisadora, pois a cada novidade encontrada as crianças buscavam a informação referente ao objeto desconhecido, conversando entre elas e, quando necessário, perguntando, como demostra a figura 11, instante em que Bela encontra um objeto dentro do saquinho de lixo e Flor pergunta o que era aquele objeto. Imediatamente, Bela responde. Percebi a atenção das outras crianças que estavam próximas na explicação dada por Bela. Assim, a criança exercia o direito de expressão, de ser ouvida pelos demais, em uma possiblidade pedagógica planejada para a troca de experiências que são vividas socialmente, em que as crianças estabelecem relações, ao mesmo tempo em que desenvolviam sua capacidade de ouvir o outro, o que contribui para o desenvolvimento da linguagem oral e a linguagem escrita (LEONTIEV, 2006; VYGOTSKY, 1995; MUKHINA, 1996).

Figura 11- Aula- passeio com a turma no entorno da escola 2.

Fonte: CAETANO, 2016.

Durante a Aula-passeio, as crianças fizeram várias descobertas. Um objeto diferente, uma flor diferente, um fruto diferente, um inseto escondido entre as folhagens etc. Tudo se

tornou motivo para o diálogo. Envolvidas, as crianças voltavam sua atenção para todos os acontecimentos, a cada instante.

Figura 12 - Aula- passeio com a turma no entorno da escola, em 07/03/2016.

Fonte: CAETANO, 2016.

Outro aspecto importante observado foi o controle da conduta. As crianças tinham vontade de correr, atravessar a rua, pegar outros objetos, mas mantinham-se focadas no objetivo da Aula-passeio, controlando seus impulsos.

Figura 13 - Aula- passeio com a turma no entorno da escola, em 07/03/2016.

O interesse pelo novo ao participarem do passeio fazia com que as crianças controlassem seus impulsos, assim essa possibilidade pedagógica possibilitou às crianças “uma maior autonomia vivendo situações reais e assumindo novas responsabilidades, descobrindo suas próprias capacidades em situações desconhecidas” (SAMPAIO, 1966, p.179), por conseguinte, desenvolvendo uma função psíquica socialmente criada nas diversas relações que a criança estabelece com o meio, o controle de sua conduta (VYGOTSKY, 1995; LEONTIEV, 2004).

Figura 14 - Aula-passeio com a turma no entorno da escola.

Fonte: CAETANO, 2016.

Figura 15 - Aula- passeio com a turma no entorno da escola.

Esta técnica freinetiana provocou na turma a necessidade de pesquisar sobre o que encontravam pelo caminho, pois nem todas as descobertas surgidas puderam ser explicadas pelas crianças ou pelas professoras. Na busca de outras fontes de conhecimento para uma melhor compreensão do meio que as cerca, alguns dos objetos que despertaram o interesse das crianças foram levados para a sala de aula. A partir da Aula-passeio, as crianças tiveram o interesse de pesquisar sobre os animais e as plantas, de maneira que essa possibilidade pedagógica provocou a necessidade de pesquisar.

Ao retornarmos do passeio, as crianças se posicionaram na grande Roda de Conversa para que pudessem falar sobre a experiência vivida. Todas as crianças expressaram em detalhes o que viram no passeio. Após a conversa, fizeram o registro da sua experiência, algumas crianças realizaram por meio do desenho, outras por meio da escrita. Foi um momento coletivo que, posteriormente, tornou-se atividade individual de registro do que observaram, situação em que puderam objetivar as apropriações realizadas. Em ambas, as crianças tinham uma participação ativa, expressando suas ideias, seja pela linguagem oral ou pela escrita.

Freinet, ao criar suas técnicas, fundamentou “o processo de ensino-aprendizagem na perspectiva dos que aprendem, participantes que são da construção de seu conhecimento, valorizando a capacidade cognoscitiva individual e coletiva” (CORDEIRO; VALE, 1996, p.45), evidenciando a base social na construção do conhecimento, nas relações interpessoais. Também na perspectiva da teoria Histórico-Cultural, entende-se que os sujeitos aprendem coletivamente com as experiências sociais das gerações anteriores, para depois internalizarem esses conhecimentos, apropriando-os e tornando seus esses conteúdos.

Conforme explica Leontiev (2004), para que a criança desenvolva suas capacidades humanas é necessário que se realize o movimento dialético entre apropriar-se dos objetos culturais produzidos pela humanidade e neles objetivar-se. Desta forma, como a fala e a escrita são objetos produzidos culturalmente, ao realizar seus registros referentes à Aula-

passeio as crianças satisfizeram uma necessidade psíquica, a de compreender e significar o

mundo e, simultaneamente, comunicar-se.

Ao tratar do processo de desenvolvimento da criança, Freinet (1977) explica que as aquisições vitais e os progressos que a criança atinge são necessários para sua humanização de maneira a desenvolver-se como um ser pleno e íntegro. Desta forma, é ao falar que se aprende a falar, e ao escrever que se aprende a escrever, portanto, “a aprendizagem é resultado das tentativas experimentais empreendidas pela criança” (CORDEIRO; VALE, 1996, p.48). Tanto na perspectiva histórico-cultural quanto na Pedagogia Freinet, as crianças

em atividade participam de um processo que proporciona o desenvolvimento de suas habilidades e capacidades humanas.

Figura 16 - Desenho da Aula-passeio de Luiza

Fonte: CAETANO, 2016.

Com a aproximação das concepções que nos traz a teoria Histórico-Cultural à Pedagogia Freinet, passei a ver a cultura como uma condição para o desenvolvimento humano, pois nela estão contidos os conteúdos necessários para que o sujeito desenvolva todas as funções psíquicas superiores necessário à sua humanização. Por isso, e pelo que foi até aqui exposto sobre a Aula-Passeio, considero que essa técnica freinetiana possibilitou uma ampliação de conhecimentos, outras vivências e outros caminhos para a apropriação desse universo de conhecimentos que é a cultura humana, bem como o desenvolvimento de funções como a fala, a atenção, o controle da conduta, a memória, o pensamento e também a escrita. A escrita, em sua função de explicar o mundo, significar e comunicar com o outro nas interações entre as crianças participantes da pesquisa, também possibilitou a organização do pensamento e da linguagem oral.

Neste sentido, Leontiev (2006, p.78), nos traz que “o desenvolvimento das funções psicofisiológicas da criança está assim também ligado naturalmente com o curso geral do desenvolvimento de sua atividade”. Nela a criança se apropria dos objetos culturais, internaliza-os, apropriando-se e assim forma suas funções psíquicas superiores, a princípio

encarnadas nos objetos, tornando suas essas funções. Assim, a criança aprende e se desenvolve. Os indícios levantados da Aula-passeio apontam que os registros das crianças parecem ter cumprido essa finalidade.

Figura 17 - Desenho da Aula-passeio de Marcos

Fonte: CAETANO, 2016.