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3.1.2 Procedimentos de Abordagem do Texto Escrito em Busca da

3.1.2.9 Aulas de Português na Escola Municipal

PPEM: Licenciada em Letras, pela UNIR, em Rondonópolis-MT. Ano de conclusão:

2005. Em 2006, fez especialização em Docência, pelo ICE (Instituto Cuiabano de Educação). Exerce a profissão há cinco anos, mas há apenas dois atua na área de formação. É contratada por 24 horas aulas e trabalha somente na rede municipal.

Participa parcialmente da hora atividade. Reclamou que gosta de participar dos cursos de formação continuada, mas nem sempre é incluída nas vagas destinadas à escola, por ser contratada.

Duas aulas seguidas, primeiro e segundo horários.

Meu primeiro dia de observação foi na aula dessa professora. Entrei na sala e ela me apresentou à turma, explicando o porquê da minha presença. Em seguida, distribuiu aos alunos cópias do texto “O Homem que Espalhou o Deserto”, de Ignácio de Loyola Brandão (anexo 5), dizendo:

__ Hoje vamos ler um texto que fala sobre desmatamento. É um texto muito interessante e eu quero todos lendo com atenção!

Em seguida, pediu a um aluno que iniciasse a leitura. O texto foi lido de maneira fragmentada: cada aluno lia um parágrafo, a professora explicava a parte lida e apontava outro aluno para prosseguir com a leitura, até ler todo o texto.

Depois, passou alguns exercícios de interpretação na lousa. As questões não eram objetivas, de respostas prontas no texto, ao contrário, provocavam a reflexão sobre o desmatamento, como por exemplo:

· Por que a natureza é importante para o ser humano?

· Quais as conseqüências de o homem continuar devastando as matas e exterminando os animais?

· Em sua opinião, qual o significado de “enquanto as árvores eram plantadas, o homem do machado ensinava a seu filho a sua profissão”?

Apesar de serem questões reflexivas, o desinteresse dos alunos em respondê-las era visível. Atribuí isso à forma como a professora conduziu a atividade: as questões não foram lidas e nem comentadas; ao terminar de passar as perguntas na lousa, sentou-se à sua mesa e foi fazer a chamada; entendo que faltou interação aluno-professora-texto. Alguns alunos apenas copiaram as perguntas e fecharam os cadernos.

Devido à extensão do texto e à forma como foi realizada a sua leitura, não houve tempo para a conclusão dos exercícios, que foram deixados como tarefa para casa. Entretanto, tendo em vista a realização da prova de Língua Portuguesa do programa Gestar32, que consumiu três aulas desta professora (embora, nessa época, ela ainda não participasse do programa e sim, a coordenadora da escola), este assunto só foi retomado uma semana depois.

A aula em que ocorreu a conclusão dessa atividade iniciou, como de costume, com a leitura de uma fábula, considerada pela professora como uma “mensagem”.

Depois, ela explicou aos alunos a “moral da história” e em seguida fez a oração do Pai Nosso.

Um episódio, nessa aula, merece ser destacado: havia na sala alguns alunos se recusando a fazer a produção textual do Gestar. A docente avisou, então, que eles seriam encaminhados à coordenação escolar, para assinar advertência e, referindo-se ao texto lido no início, acrescentou que esses alunos corriam sérios riscos de serem empregados daqueles que completaram todas as etapas da referida avaliação.

Nesse caso, o texto foi utilizado como instrumento de coação e fim moralizante, contrariando os estudos atuais no âmbito da leitura, que defendem que o contato da criança com os livros deve ser prazeroso e de envolvimento pessoal.

Concluído o “sermão”, a professora iniciou a correção das questões de interpretação, da seguinte forma:

32 O Gestar é um programa de formação continuada, semipresencial, destinado à capacitação de professores de 1ª a 8ª série, em Matemática e Língua Portuguesa, desenvolvido pelo Ministério da Educação, por meio do Fundescola/Fundo Nacional de Desenvolvimento da Escola (FNDE), em parceria com as Secretarias de Educação estaduais e municipais.

· Os alunos liam as suas respostas e ela dizia se estavam corretas ou não, mas sem explicar por que; também não fez nova leitura do texto para retomar o seu conteúdo, apesar do grande intervalo de tempo entre o início da atividade e a sua correção. Observei, ainda, que um número significativo de alunos não fez a atividade em casa e estavam apenas copiando as respostas da lousa.

· Nas questões que pediam explicação sobre palavras ou frases, ela mesma explicava o significado, sem dar ao aluno oportunidade de formular uma resposta própria.

Terminada a correção dos exercícios da aula anterior, a professora passou mais algumas questões de interpretação.

Uma delas merece destaque:

· O final do texto é pessimista, pois deixa entrever que a destruição continuará. Você acha justificado o pessimismo do autor? Também acha que por interesses econômicos o ser humano não vai interromper a destruição da natureza? Por quê? Escreva um pequeno texto apontando sua opinião.

Entendo que esta seria uma ótima oportunidade de extrapolação da leitura, apesar da presença insistente do verbo achar, que me faz lembrar da crítica de Bertin (2000) às atividades de compreensão presentes nos livros didáticos, cujas questões se reduzem ao que ela chama de clichês, como “o que você achou do texto?”, ou “qual a mensagem do autor?”. Mas, na questão acima, a professora poderia explorar muito mais o aluno, levando-o não só a expor o seu ponto de vista, como também a justificá-lo, por meio de argumentos baseados em seu conhecimento prévio a respeito da preservação ambiental, um assunto tão importante e atual, discutido diariamente nos diversos meios de comunicação e que tem mobilizado autoridades de vários países do mundo todo.

Entretanto, como ocorreu na primeira parte dessa atividade, novamente a professora nem leu as questões com os alunos ou comentou algo a respeito do assunto, que pudesse motivá-los. Somente passou as questões no quadro, virou-se para a turma e disse:

__ Andem logo! Terminem logo de fazer os exercícios que eu já vou passar dando visto nos cadernos antes da correção, para verificar se todos estão fazendo!

Nem seria necessário informar que essa fala não motivou e nem intimidou os alunos; os que estavam conversando, continuaram. A esse respeito, Solé (1998) enfatiza que:

O interesse também se cria, se suscita e se educa e em diversas ocasiões ele depende do entusiasmo e da apresentação que o professor faz de uma determinada leitura e das possibilidades que ele seja capaz de explorar

(SOLÉ, 1998, p. 43).

As atividades foram corrigidas da mesma forma que as anteriores. Apenas na questão acima destacada, a professora pediu que alguns alunos (os três ou quatro mais desinibidos da sala) lessem para os colegas os textos que produziram, dando a atividade por encerrada.