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Cada ser humano, independente do exercício de sua profissão, expressa e comunica fatos em sua cotidianidade. Entretanto, há aqueles que por força da vocação, apresentam uma maior necessidade de registrar acontecimentos culturais e sociais, trazendo reflexões e análises da vivência dos povos. Assim:

A necessidade de comunicar, estabelecida em um determinado momento da existência humana, expressa o marco diferenciador do homem em relação aos outros animais: ele se comunicava e podia registrar essa ação de alguma forma, eternizá-la (OLIVEIRA, 2008, p. 21).

Maurício de Sousa, dentre outros autores de HQs, tem demonstrado seu trabalho por meio de narrativas permeadas pelos mais diferenciados assuntos, contando com grande apreciação do público leitor. Nasceu em Santa Isabel no interior paulista e foi criado em Mogi das Cruzes.

Ainda criança, ele criou um personagem e o intitulou de Capitão Picolé. Anos mais tarde, em 1954, mudou-se para São Paulo, onde foi trabalhar no jornal Folha da Tarde como repórter policial. No final da década de 50, publicou uma tirinha no jornal onde trabalhava (SOUSA, 1991). Seu iminente desejo na produção de suas revistas foi decorrente de leituras de quadrinhos durante a infância, quando foi alfabetizado lendo essas obras, ampliando assim o gosto pelo ler, conforme ele próprio relata (SOUSA, 2000).

No ano de 1959 deu início aos seus primeiros personagens, Bidu e Franjinha. Concomitantemente, foi criando outros, baseados em seus filhos, amigos de infância, nele mesmo e em outras pessoas nas quais encontrava inspiração artística. Por seu reconhecido talento, Maurício conquistou vários prêmios, dentre eles “[...] Yellow Kid, considerado o Oscar dos quadrinhos. O prêmio foi concedido no ano de 1971, em Lucca, na Itália” (SOUSA, 1991, p. 05).

Maurício conseguiu o reconhecimento de seu trabalho de forma gradativa, encontrando obstáculos em sua trajetória profissional, como por exemplo, a valorização das obras americanas em detrimento das brasileiras, principalmente na apresentação dos valores culturais do Brasil. Nesse sentido, o autor era desejoso por mostrar o valor de suas aptidões e das obras literárias de grande qualidade existentes no país (CIRNE, 1975a).

Em face disso, expressava por meio de suas HQs assuntos universais que não fossem focados exclusivamente em costumes brasileiros. Cirne (1975a, p. 64) explicita que: “No interior desta problemática situa-se o porquê da universalidade de Maurício de Sousa, inclusive os reflexos de sua luta pela lógica do consumo”. O autor, à mesma página também enfatiza que “[...] a luta do desenhista, em sendo uma luta pela lógica do consumo, antes precisa se voltar contra o aparelho ideológico”. Nessa época, portanto, as HQs americanas eram mais valorizadas pela sociedade. Personagens como Pelezinho e Chico Bento que representam figuras nacionais, foram criados depois das primeiras publicações.

Diante das dificuldades enfrentadas na carreira profissional na propagação e valorização de seu trabalho, Maurício, nos dias atuais, conta com grande número de

leitores que apreciam suas obras, sendo realce entre as de outros autores de HQs. Sua empresa também se destaca pela vendagem de produtos variados, como por exemplo, cosméticos, brinquedos, dentre outros.

A questão, porém, não é a dimensão ou os negócios da empresa, visto que o objeto de estudo neste tópico diz respeito aos assuntos apresentados nas narrativas da Turma da Mônica em que os personagens, caracterizados humanamente, encenam episódios que nos possibilitam compreender que os assuntos apresentados na obra desse autor não são apenas interessantes, mas também significativos para a formação leitora no trabalho pedagógico do professorado.

Mesmo diante de obstáculos, suas obras têm sido bastante apreciadas, na medida em que elas vão ao encontro do contexto social de cada época, com personagens diversificados e temas educativos. Ramos e Feba (2011, p. 218) salientam que:

Na verdade, a história em quadrinhos é um produto cultural ao qual crianças e jovens têm acesso informalmente. No entanto, se conceituarmos literatura infantil como Cecília Meireles (1979) nos aconselha – aquela que as crianças apreciam -, as revistas infantis poderiam ser consideradas uma forma de literatura. As crianças leem histórias em quadrinhos; basta observar o sucesso de revistas da

Disney e da Turma da Mônica (Grifos do autor).

Muitas são as opiniões acerca do trabalho de Maurício de Sousa no universo escolar e também em outros contextos sociais. Entretanto, a grande popularidade de suas obras não é novidade para nenhum estudioso. Higuchi (2000), em seus estudos, destaca que grande parte dos alunos menciona que com relação à leitura das HQs, as histórias da Turma da Mônica são as favoritas. Vergueiro (1999) também enfatiza a obra do autor no âmbito nacional.

Conforme mencionado, as HQs têm sido implantadas pelos PCN, PNBE, exames de vestibular, dentre outros. Além disso, muitos estudiosos e pesquisadores têm utilizado HQs de Maurício de Sousa como fonte de pesquisa no âmbito acadêmico. Há a inserção dos quadrinhos produzidos por ele em provas do Enem (2011)15, vestibular da Unicamp (2009)16, livros didáticos (LUFT, 2005), (CEREJA;

MAGALHÃES, 2003, 2002), (SIMÕES; SANTOS, 2006), dentre outros.

15 Disponível em <http//:www.enemdicas.com/prova/baixar-provas-do-enem.html>. Acesso em: 30

maio 2012.

16 Disponível em <http//: www.comvest.unicamp.br/vest_anteriores/provas_comentadas.html>. Acesso

Nas HQs produzidas por Maurício, que tiveram seu início no ano de 1959 e atualmente são publicadas no Brasil e também em outros países, como por exemplo, Itália, Indonésia, Estados e Unidos e outros, a produção artística dos desenhos sequenciais, balões, metáforas visuais, quadros atrelados à escrita, demonstram ao leitor do mundo moderno que as imagens existentes desde a era primitiva não perderam seu valor, bem como a confirmação da importância da linguagem verbal para a evolução dos povos.

De forma talentosa, Maurício é um autor que tem demonstrado seu interesse e envolvimento com a sociedade, seus costumes, ideologias, gostos, produzindo arte de acordo com o cotidiano das pessoas, retratando os encantos e desencantos existentes na vida do ser humano com elementos da realidade. Suas obras estabelecem um diálogo com a sociedade em que muitas vezes descortina os aspectos ideológicos, propagando convenções e padrões e conferindo formas de pensar do ponto de vista moral, ético, político e assim influenciar e afetar a escolha das pessoas. Portanto, é preciso lê-las com visão política e ideológica na formação de leitores.

Em suas obras são contemplados temas que retratam folclore, diversidade étnica, cuidados necessários com o meio ambiente, inclusão social por meio de personagens com necessidades especiais, contribuindo para a reflexão acerca dos fatos que ocorrem em nossa sociedade, transmitindo valores culturais e sociais nos enredos de suas histórias. Elas conduzem o leitor à interpretação e reflexão de acontecimentos que perpassam a vida humana e, assim, muitas são as releituras possíveis por meio de histórias que dialogam com diferentes artes.

Ao fazer uso de características humanas nos personagens, é possibilitada ao leitor a relação de si próprio com as situações vivenciadas por cada um deles correlacionado ao fato de atuarem em contextos atuais. Além disso, as crianças que fazem parte das narrativas são provenientes de diferentes etnias, o que favorece o entendimento do valor do respeito pelas diferenças do ser humano. Assim, seus personagens identificam-se com pessoas, retratando vivências possíveis de acontecerem com outros indivíduos.

Maurício de Sousa retrata em suas obras, atrativos juntamente com desencantos existentes na vida do ser humano, ao contrário de algumas Histórias em Quadrinhos que demonstram preocupação em mostrar seus personagens de forma perfeita e fantástica, em que todos os problemas podem e são solucionados.

O Super Homem, por exemplo, é inteligente, forte, usa roupas com as cores da bandeira americana e consegue resolver todas as situações. Os demais personagens das histórias desse herói também são dotados de poder e beleza.

Nas HQs produzidas por Maurício, os personagens são baseados em indivíduos comuns, com qualidades, defeitos, problemas, dificuldades. As histórias chegam até o leitor mostrando a realidade das pessoas de maneira criativa, dinâmica e surpreendente. As crianças apresentadas por ele possuem características humanas, nascidas e criadas em uma família, que brincam, brigam, divertem-se, festejam datas comemorativas, estudam, passeiam, fazem novos amigos e aceitam em seu convívio aqueles que às vezes são considerados diferentes.

Ele criou várias turmas, de acordo com as características peculiares dos personagens que as compõem, todas ricas de diversão e alegria, com grande pluralidade educativa ao processo de ensino e aprendizagem da leitura, desenvolvimento de valores, conhecimentos culturais, representações do modo de viver, dentre outros. “Portanto, a história A Turma da Mônica fez memória. Uma memória que a cada novo acontecimento atualiza valores sócio-culturais” (BARBOSA, 2009, p. 58) (Grifos do autor).

Diante do mosaico cultural vivenciado pela sociedade, em suas obras são retomadas práticas vivenciadas por povos de diferentes costumes. Nos dizeres de Barbosa (2009, p. 94):

A Turma da Mônica oferece ao leitor textos que tecem um novo olhar

em relação a um dizer já tecido e internalizado como verdadeiro, recriando, através de retomadas intertextuais, os sentidos que se inscreveram na história e agora são reconduzidos a um outro lugar, a um novo efeito de sentido, que retoma o mesmo, para fundamentar o diferente, por meio da interdiscursividade e intertextualidade, regulando e respaldando os discursos inseridos no texto (Grifo do autor).

Assim, nas HQs desse autor, há a presença de vivências simples e corriqueiras da vida humana, como também o diálogo intertextual com outras épocas e contextos sócio-históricos, culturas e modos de expressão humana, disseminando e mantendo vivos muitos fatos que representam as sociedades. Por meio da linguagem verbal e não-verbal expressas em suas narrativas, Maurício traça modos de vida e valores assumidos e vividos pelas pessoas e por ele mesmo,

possibilitando leituras polissêmicas.

Ao conceituar literatura, Bosi (1985) a trata como um instrumento que expressa aspectos culturais, ou seja, também reflete a cultura dos povos em suas narrativas por meio de diversos assuntos. Segundo os dizeres de Barbosa (2009, p. 94), “quando o sujeito-autor Maurício de Sousa retorna a determinados temas e figuras do passado para serem atualizados no presente”, fatos sociais dialogam com os enredos presentes nas HQs. Como exemplos há histórias que abordam modos de vida árabe (SOUSA, 1998); costumes dos povos gregos (SOUSA, 2006), dentre outros.

FIGURA 2 – Modos de vida árabe FIGURA 3 – Costumes dos povos gregos

Fonte: SOUSA (1998) Fonte: SOUSA (2006)

Narrativas que tratam de vivências cotidianas de nossa sociedade como as figuras folclóricas (SOUSA, 1997), por exemplo. Diálogos com assuntos de diferentes obras, como “Os três porquinhos” no enredo das HQs (SOUSA, 2007), entre outros. Com esses exemplos, compreendemos que a leitura delas fornece ao leitor múltiplas mensagens e sinais das histórias dos povos, tanto atuais quanto também mais remotos. “Com isso, Maurício de Sousa em sua função-autoria promove determinadas condições de leitura que fazem seus sujeitos-leitores interagir com a diversidade cultural, com a memória histórica, tornando-os leitores plurais” (BARBOSA, 2009, p. 163).

FIGURA 4 – Figuras folclóricas FIGURA 5 – Os três porquinhos

Ao lançar nosso olhar sobre a obra de Maurício de Sousa, entendemos que a utilização como material pedagógico no que concerne à formação de leitores no contexto escolar, possibilita ao aluno leituras plenas de significado, que o leve a descobrir e redescobrir informações que ora perpassam e refletem sua própria realidade, ora a de povos em outros momentos e contextos sócio-históricos, como arte que, enquanto se lê, também traz aprendizagem e satisfação do mundo ficcional do qual o ser humano necessita para seu desenvolvimento.