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Embora o conceito de autenticidade seja de interesse da psicologia e da educação, ele ainda é um conceito difícil de se definir e até controverso [24, 23]. Archibald e Newmann trazem

à tona a discussão sobre aprendizagem autêntica e, inclusive, definem critérios para que ela seja classificada como tal [78, 79]. Em seu trabalho, Newmann define três parâmetros para a classificação da autenticidade: (1) a construção de conhecimento, (2) a investigação e (3) uma similaridade com o que acontece no mundo de fora da escola [78, 79]. De acordo com a filosofia construtivista, a pedagogia autêntica de Newmann dita que os alunos devem utilizar seu conhecimento prévio para se envolver com problemas, tarefas e desafios que se conectam com o mundo além da sala de aula. Significa que a aprendizagem autêntica parte de problemas autênticos e um problema autêntico é um problema fundamentado em um contexto do mundo real, uma concepção que ele detinha que influenciou outros que vieram depois dele [63, 70, 70, 22, 28].

Essa associação do termo autenticidade a atividades do mundo real ou alguma de- monstração prática é uma percepção comum [24]. No entanto, o mero fato de se apoiar em contextos do mundo real (ou de fora da escola) é criticado por Splitter [23], que en- tende que a dicotomia entre o mundo de fora da escola e de dentro da escola é um erro, ao passo que, se apoiando na escola progressiva de Dewey, afirma que o processo de apren- dizado de um aluno é sequencial. Sua defesa final é a de que a autenticidade do processo de aprendizado reside não no que os outros fazem fora da escola, mas no que deveriam fazer. Embora Splitter critique a transformação do termo autenticidade em um definidor exclusivo da prática de fazer coisas que sejam similares àquelas de fora da escola, ele faz coro à construção ideológica de Newmann sobre autenticidade e suas relações com as práticas exemplares do mundo do trabalho, desde que não relegue a escola a uma posição de separação do que as pessoas costumam chamar de mundo real [23].

Dado que a autenticidade dentro das práticas pedagógicas se relaciona com episte- mologia da aprendizagem situada [26], é recomendável que a instrução seja realizada em um contexto de resolução de problemas, tal como preconizam as teorias da Gestalt [26]. Além disso, sendo a ABP um modelo construtivista [36], a autenticidade exerce nela uma grande importância. É por meio da autenticidade que se argumenta que é necessário que os alunos dominem as técnicas e ferramentas dos profissionais da área para o qual estão se preparando, desde que a realização das atividades até a construção de objetos de conhecimento [24].

Os projetos desenvolvidos em uma unidade de ABP incorporam várias características que são responsáveis pela definição de autenticidade que damos a eles. Estas caracterís- ticas podem incluir o tema, as tarefas, os papéis que os alunos desempenham, o contexto em que o trabalho do projeto é realizado e os colaboradores que trabalham com os alu- nos no projeto [26]. E do ponto de vista da qualidade do que os alunos constroem, a autenticidade também reside nos próprios artefatos que são produzidos, no público para os produtos do projeto e até nos critérios pelos quais os produtos são julgados [26].

Na busca filosófica de Splitter sobre uma definição adequada para a autenticidade, ele afirma que o que é produzido no contexto pedagógico pode ser considerado autêntico se comparado a um arquétipo (um conjunto mínimo de caraterísticas) de um exemplar original [23]. Isso significa que o que conta como autêntico para uma pessoa pode estar longe de ser autêntico para outra [23]. Partindo desse pressuposto, é possível argumentar que a autenticidade não está alicerçada na simples produção de algo, mas na produção de algo útil, adequado ao conjunto de características mínimas definidoras de algum objeto de referência criado por especialistas profissionais [80]. E neste sentido, é usar os problemas de outras pessoas como pontos de referência para diminuição dos efeitos da subjetividade. Ou seja, para que um artefato seja considerado autêntico, deve haver nele algum valor estético, utilitário ou pessoal para o público que receberá este artefato para uso [26, 23].

Uma das práticas da ABP que reforça o entendimento de que o que é produzido pelos alunos deve transcender a utilidade meramente didática, é o fato de que os artefatos construídos em unidades de ABP devem ser submetidos à crítica externa [70, 64, 62, 24], característica inerente à epistemologia construcionista [21]. Quando a transferência do sucesso de uma unidade autêntica de aprendizagem se traduz na disponibilização dos artefatos para uso da comunidade externa, até essa comunidade se beneficia ao receber um objeto útil e valoroso para uso e mitigação de suas dores. Então, o aluno começa a vivenciar a experiência de ser útil e a entender que o papel profissional, em última instância, é o de sanar as dores de outros. A ideia de que o artefato gerado pela unidade de ABP pode resolver problemas reais causa efeitos positivos na motivação dos alunos, que é um dos elementos que, se não forem bem trabalhados durante a execução dos projetos, pode levá-los ao fracasso [70]. E, dessa maneira, como criar condições nas quais as questões que os alunos buscam e os artefatos que eles criam não sejam do tipo de “trabalhos de escola” é uma questão que merece ser explorada [81].

Este trabalho mantém o foco da exploração da autenticidade no objeto de conheci- mento construído em uma unidade de ABP para o ensino do desenvolvimento de software e não no processo ou na similaridade da prática (ou seja, nos modelos de engenharia de software) para construção do objeto, embora este último possua uma parcela grande de efeitos na qualidade do que é produzido, como discutido nos resultados da Revisão Sis- temática da Literatura descrita na seção 3. Os problemas residem no mundo real e as pessoas sofrem com ele. Tentar resolvê-los não deve significar trazer mais problemas para estes usuários, mas levá-los a ter uma experiência recompensadora de uso.

Em busca de uma visão mais objetiva do que pode vir a ser a autenticidade em um software produzido por meio da ABP, destaca-se os requisitos de Experiência do Usuário (UX), entendendo que um artefato para ser útil deve ser bem recebido pelo usuário e usado [8]. Neste contexto, a próxima seção levanta uma discussão sobre como os valores de UX

também são importantes para os artefatos de software produzidos dentro das unidades de ABP.