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A autenticidade dos materiais

Parte I Pressupostos teóricos

1. A articulação entre Língua e Literatura

1.4. Dos métodos tradicionais à abordagem comunicativa

1.4.1. A autenticidade dos materiais

As metodologias atuais propõem que as aulas de LE devem estar centradas em situações reais de comunicação e os materiais selecionados ser preferencialmente “autênticos”, isto é, não deverão ter sido expressamente criados para utilização nas aulas de língua, nem ter sido objeto de manipulação. Contudo, a noção de autenticidade pode tornar-se discutível, uma vez que, ao serem integrados em alguns manuais de LE, determinados documentos são desviados do seu contexto original de produção e, por outro lado, não demonstram eficácia no momento de ensino-aprendizagem, não contribuindo por isso para o desenvolvimento da competência comunicativa, como seria de esperar. A este propósito, Zarate afirma o seguinte:

Pourtant un degré de réalisme est franchi: avec le document authentique, le quotidien, l’ordinaire et le banal deviennent objets légitimes d’enseignement et le document iconographique fait une entrée en force dans la classe. La description de l’éphémère et du contingent apparaît comme une alternative à l’enseignement de l’histoire et de la littérature. (1995: 101)

Nas palavras da autora, o espaço tradicionalmente reservado aos textos literários foi inteiramente ocupado pelos materiais ditos “autênticos”. Na verdade, além de a autenticidade reclamada ser objeto de contestação, é possível questionar a qualidade desses documentos em que se retrata o quotidiano e o banal, pois nem sempre são formativos. O que Zarate (1995) defende é a possibilidade de serem apresentados vários pontos de vista que conciliem os valores do passado com os do presente, não havendo por isso uma rutura entre ambos. É necessário pensar, segundo a autora, na seleção dos materiais, nos públicos a quem estes serão apresentados e quais são os fins pretendidos. Assim, interessa ter em conta o contexto, no que diz respeito à autenticidade que hoje em dia é tão sublinhada. Podemos, então, questionar-nos: os materiais considerados autênticos inserem-se num contexto? Se é necessário cumprir esse objetivo que, a nosso ver, é claramente importante, não seria mais eficaz recorrer a um texto literário? Como sabemos, este alia-se a um contexto, enquanto os recursos de áudio, textos de imprensa, entre outros, acabam por não corresponder ao fim pretendido, precisamente por não terem sido criados para uma aula de língua e não terem sido modificados, o que por vezes se torna imprescindível.

Na opinião de Kiyitsioglou-Vlachou, é importante problematizar a questão dos textos autênticos, tentando perceber qual é, ao certo, o critério para os definir.

Mais à la question «qu’est-ce qu’on entend par texte authentique?», on a tendance à dire qu’il s’agit de textes tirés de journaux, de magazines, de programmes de radio ou de télévision, d’Internet, de textes qui s’adressent aux locuteurs natifs de cette langue et on oublie souvent de se référer au texte littéraire, qui constitue par excellence un texte authentique, ayant une valeur intrinsèque, qui se prête à une étude diachronique et qui devrait occuper «dans des méthodes des langues étrangères une place jamais refusée et réalise une fonction jamais définie» (Peytard, 1982: 8). N’oublions pas que l’entrée dans le texte littéraire se fait dès les premiers contacts avec les livres, avec la lecture. (2009: 191-192).

De acordo com a citação acima transcrita, que vai ao encontro do que já foi referido anteriormente, os textos autênticos são normalmente associados a notícias de jornais ou de revistas e programas de rádio ou de televisão, mas nunca a textos literários. Embora o seu estatuto de material adequado para a utilização numa aula de LE seja reivindicado pelos autores que o defendem, a verdade é que parece haver uma opinião geral de que o texto literário não se adequa a atingir os fins comunicativos estipulados pelo QECR. Contudo, há também quem conteste esta ideia, como Kiyitsioglou-Vlachou, que faz ainda referência, no seu artigo, à importância da seleção dos textos. O recurso à Literatura poderá ser um veículo de transmissão de conhecimentos e de situações do quotidiano cuja representação é muitas vezes mais genuína nos textos literários do que nas notícias ou nos recursos áudio/audiovisuais, contendo estes uma certa artificialidade bastante evidente. Em contraste, o texto literário destaca-se, uma vez que “although it may not be confined within a specific social network in the same way that a bus ticket or an advertisement might be, literature can none the less incorporate a great deal of cultural information.” (Collie & Slater 1987: 4).

Embora o lugar do texto literário na aula de LE continue a ser questionado, a verdade é que o seu valor e a sua riqueza linguística são inegáveis. Como refere Sell (2005), são inúmeros os benefícios que poderá oferecer ao processo de ensino-aprendizagem, destacando na sua lista de pontos a favor da Literatura precisamente a autenticidade do texto literário. Além disso, também o carateriza como sendo um material motivador, em

contraste com outros tipos de materiais um pouco artificiais. De facto, se o objetivo final é que os alunos sejam capazes de comunicar sem dificuldades na Língua Estrangeira que estão a aprender, é necessário fornecer-lhes os recursos apropriados que tenham em conta essa finalidade. Como tão bem afirma Sell, “Meanwhile, under a communicative approach, FL [= foreign language] teaching should favour speaking and listening skills, whereas literature is a matter of reading writing, or writing to be read.” (2005: 87). Ao contrário do que é maioritariamente defendido atualmente, e regressando às palavras do autor, incluir o texto literário no seio da abordagem comunicativa não é errado, pois os alunos estarão expostos à leitura, escrita e tantas outras competências que devem ser desenvolvidas.

Em resumo, percebemos que, segundo os autores citados, existe há séculos uma relação óbvia entre Literatura e ensino de Língua, destacando, de acordo com as perspetivas atualmente mais em voga no campo das metodologias de ensino/aprendizagem de LE, a autenticidade incontestável do texto literário, o que deveria recomendá-lo como material privilegiado a ser trabalhado na aula. A sua utilização didática apresenta inúmeras vantagens que devem ser tidas em conta e que contribuem, efetivamente, para o desenvolvimento das várias competências. Além disso, podemos verificar que há um rol de situações da atualidade sempre presentes na esfera da Literatura, uma vez que esta transporta uma forte componente cultural que é, muitas vezes, o retrato da sociedade do país em que os alunos se inserem ou cuja língua estão a aprender.

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