• Nenhum resultado encontrado

Capítulo I – O Autoconceito

1.4. O Autoconceito Académico

Pelo facto do presente trabalho se debruçar sobre o autoconceito em contexto escolar, fará sentido abordarmos, mais pormenorizadamente, esta dimensão constitutiva do autoconceito. As experiências escolares possuem um papel crucial na formação das auto-perceções dos indivíduos, pelo que Elbaum e Vaughn (2001) referem que as crianças com dificuldades escolares possuem um risco mais elevado de terem um autoconceito académico mais negativo.

O autoconceito académico está, na perspetiva de Burns (1982), quase definido no final do 1º ciclo, sendo um fator importante no envolvimento em atividades escolares e um bom índice de prognóstico em atividades não intelectuais.

Por seu turno, Stevanato, Loureiro, Linhares, e Marturano (2003) defendem que o autoconceito positivo não está necessariamente associado com um ajustamento adequado, bem como o autoconceito negativo não implica um ajustamento pobre. Carneiro, Martinelli e Sisto (2003) sugerem que o êxito ou fracasso académico acabam por reforçar o autoconceito académico existente que, por sua vez determina, em grande parte, as próprias possibilidades do aluno, os riscos que enfrenta e os resultados que obtém. Assim, as crianças com juízos positivos sobre as suas capacidades referentes às tarefas escolares obtêm resultados melhores quando comparadas com aquelas cujos julgamentos sobre suas próprias habilidades são duvidosos ou negativos (Carneiro et al., 2003).

Desta forma, a repetição das experiências negativas por um longo período de tempo acaba por ter um impacto negativo no autoconceito escolar das crianças, nas suas

27

expectativas de autoeficácia, na sua motivação e no seu esforço, provocando um retraimento ou um comportamento não adaptativo e inadequado. Assim, o autoconceito integra e organiza a experiência do sujeito, regula os seus estados afetivos e atua como motivador e guia do comportamento (Carneiro et al., 2003). É de salientar que a inserção na escola contribui para a formação do autoconceito escolar, referente às caraterísticas que o aluno acredita possuir relativamente ao seu desempenho académico e que se desenvolve com base nas avaliações que recebe dos seus professores, colegas e pais sobre o seu desempenho escolar (Carneiro et al., 2003).

No entanto, a presença de uma correlação entre autoconceito e o rendimento escolar não define por si só a existência de uma relação causal e muito menos, a sua direção ou natureza. O que é possível afirmar é que há estudos que revelam ser possível potenciar o autoconceito dos alunos e que os níveis de rendimento escolar dos alunos com insucesso aumentam, depois do uso de programas orientados para a melhoria do seu autoconceito (Simões, 1997; Vaz Serra, 1995).

Por sua vez, Oerter (1989) assume a existência de quatro níveis no desenvolvimento do autoconceito escolar:

 O Eu é capaz de integrar os padrões do rendimento escolar no autoconceito (idade pré-escolar);

 O autoconceito integra os conceitos de esforço e capacidade, reforçando a sua autonomia e confiança;

 Recorre-se à comparação social com o seu grupo de referência, sendo importante o papel do sistema escolar;

 O indivíduo apercebe-se que as funções da escola se assemelham às da sociedade em geral, existindo uma relação dialética entre o indivíduo e a sociedade, cujo sistema social seria integrado pelos diferentes indivíduos.

28

Como anteriormente já tínhamos referido, a perceção do nível da competência escolar por associação aos reforços advindos das figuras significativas, permitem analisar o impacto destes no autoconceito dos indivíduos em situações de fracasso escolar (Martini & Burochovitch, 1999). Vários estudos (e.g., Kloomok & Cosden, 1994; Martini & Burochovitch, 1999) sublinham que as causas do insucesso escolar resultam não só da ausência de capacidades cognitivas e intelectuais, como também de outros fatores como sendo um autoconceito pobre ou mesmo negativo. De forma idêntica, o autoconceito pobre e fraco pode intervir na progressão ou êxito no desempenho escolar, na profissão, nas dificuldades de relacionamento interpessoal e mesmo na adoção de determinados comportamentos de risco (Stevanato et al., 2003).

Estudos diversos efetuados por Hay, Ashman e Kraayenoord (1998) e Martini e Burochovitch (1999) mostram que as crianças com insucessos escolares apresentam autoconceitos gerais mais negativos, quando comparadas com as que possuem sucesso escolar. O estudo conduzido por Kloomok e Cosden (1994) mostrou que as dificuldades de aprendizagem das crianças possuem influência apenas no domínio do autoconceito académico, sendo que o seu autoconceito geral se apresenta equiparado ao das crianças sem essas dificuldades. Este estudo mostrou ainda que são as crianças com dificuldades escolares que se classificam a si próprias como sendo menos competentes nas tarefas escolares.

Segundo Harter (1999) as crianças durante a infância fazem julgamentos globais sobre os seus méritos e autoavaliações relativas a uma variedade de domínios. À medida que o seu desenvolvimento se processa, aumenta o número de domínios diferenciados pelo que só as crianças mais novas estarão sujeitas à influência adversa da avaliação do autoconceito global, na presença de um comprometimento num domínio específico.

29

Por outro lado, por exemplo, Chapman, Tunmer e Prochonow (2000) constataram que dificuldades específicas de leitura afetam mais rapidamente o autoconceito, que pode ser generalizado para o autoconceito académico, concluindo que dificuldades específicas podem afetar o autoconceito global.

As crianças com dificuldades escolares possuem uma autoestima geral mais baixa e apresentam mais problemas de socialização pois acreditam que possuem menos habilidades sociais do que os seus colegas que não apresentam comprometimentos escolares (Prout & Prout, 1996; Vaughn & Haager, 1994).

Também se constata que as crianças que possuem um comprometimento escolar associado a problemas de comportamento apresentam um autoconceito mais baixo e negativo (Martini & Burochovitch, 1999; Rock, Fessler, & Church, 1997). Este autoconceito negativo resulta do feedback negativo que recebem do ambiente não só relativamente ao domínio académico, como também ao social.

Simões (1997) e Vaz Serra (1995) ressalvaram contudo, que os resultados das várias investigações sobre as associações entre o autoconceito geral e o rendimento escolar são ambíguos e, por vezes, contraditórios. A este respeito, Costa (2002), refere que alguns dos motivos que justificam estas discrepâncias se prendem com as diferenças na operacionalização do autoconceito e desempenho académico, na diversidade na forma, pontuação, número e especificidade dos itens dos instrumentos utilizados, na validade de construto desses instrumentos e no uso de amostras heterogéneas em função do tamanho, do sexo, idade, nível de ensino, nível socioeconómico e capacidade académica.

Em suma, podemos dizer que o autoconceito é uma estrutura cognitiva que organiza as experiências passadas do indivíduo, reais ou imaginárias, controla o processo informativo relacionado consigo próprio e exerce uma função de

30

autorregulação (Tamayo et al., 2001). No fundo, o autoconceito é um construto complexo e multidimensional que engloba holísticamente todo o indivíduo, refletindo o seu passado, o seu presente e o seu futuro.

Documentos relacionados