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Autodeclararão de cor/raça das mulheres entrevistadas

4. APRESENTAÇÃO DOS SUJEITOS DA PESQUISA

4.2 Autodeclararão de cor/raça das mulheres entrevistadas

Quadro 2 – Lista das respostas das entrevistadas em relação à pergunta: Qual é a sua cor/raça segundo as categorias do IBGE?

Fonte: Elaboração própria.

O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes, contraditórias, ou não resolvidas (...) resultado de mudanças de paisagem, de mudanças estruturais e institucionais (...), a identidade é formulada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (HALL, 2011, p. 12-13).

O trecho citado de Stuart Hall dá o mote para analisar as respostas das entrevistadas para a pergunta “Qual é a sua cor/raça segundo as categorias do IBGE? ”. Interessante notar que, para algumas mulheres, sobretudo as que responderam “preta”, o sentido da pergunta foi questionado, levando à dúvida se era uma “pegadinha”, porque, para a maioria delas, a primeira

Código Codinome Cor/Raça (Categorias do IBGE)

A Marta Parda B Gisa Parda C Erika Preta D Esther Parda E Nina Preta F Alícia Preta

resposta que veio à tona foi: sou negra. Posteriormente, quando perguntada: “Mas de acordo com as categorias do IBGE?”, metade do total optou por responder “preta”; enquanto as outras três optaram por responder “parda”. Este questionamento e o fato de algumas mulheres responderem: “Eu sou parda, mas me considero negra”, caso de Esther, ou, segundo Alícia, que ressaltou em sua fala, “eu sou negra”, mas apontando a controvérsia recente de um vídeo divulgado na internet em que um africano morador do Brasil questionava a caracterização de negro, que segundo ele, a sociedade depreciava tudo que é negro como “buraco negro”, “mercado negro”, entre outros, e advogou a utilização da categoria preto. Alícia brincou ser uma “pegadinha”, por sugerir que os termos estão em constante ressignificação e se auto classificou como preta/negra, assim como Erika. Nesta controvérsia, segundo o trecho de Stuart Hall (2011), as identidades estão sempre sendo transformadas de acordo com os sistemas culturais e explicam como a formulação de uma identidade negra, também para as mulheres entrevistadas, está em constante formação, de acordo com o processo cultural/social/político atual. Neste contexto, a partir da discussão fortalecida e defendida pelo movimento negro brasileiro, a identidade negra e os sentidos da construção de uma “negritude” é um processo eminentemente político e condicionado historicamente frente aos avanços que a discussão sobre as desigualdades raciais e sociais no Brasil tem alcançado e como, a partir da consolidação de algumas políticas públicas de ação afirmativa para a população negra, no mercado de trabalho e na educação, têm sido implementadas no país. A fala de Esther, que define sua cor como “parda, mas eu me considero negra”, ilustra como o processo de construção de uma identidade negra, que a princípio une pretos e pardos, se constitui, de forma política, como um grupo de pessoas que está mais suscetível a discriminação, preconceito e, sobretudo, à desigualdade na sociedade brasileira, resultados de formas de intolerâncias perpetuadas pelos mecanismos sociais existentes e expresso pelos indicadores sociais e localização da população negra na estratificação social do Brasil.

Conforme discutido no capítulo sobre a questão da identidade, as mulheres negras constroem uma identidade de raça ou etnia que pode ainda perpassar a identidade de classe e a orientação sexual, entre outras identidades. Todo esse peso psicológico pode gerar a crise da identidade ou uma repactuação de um local no mundo e da luta pelo reconhecimento desse espaço. Isso pode ser reconhecido na fala de Marta:

Para falar em termos gerais, a gente percebe que preconceito existe, a gente percebe que a gente tem.... Eu tenho visto palestras de mulheres negras, a gente vê que tentar classificar não dá para separar muito... é gay, é lgbt, é mulher. Eu mesma sou uma mistura, eu poderia estar no grupo [de afinidade] de mulheres e negros. Não dá para escolher qual participar, eu poderia ser os dois. ” (....) Estes cruzamentos são bem complexos, imagina que eu poderia se mulher, negra, deficiente. Como vai avaliar?

Avtar Brah (2006), para explicar a categoria gênero, diz que esta categoria é preservada e constituída de maneira diferente, segundo a localização dentro de relações globais de poder. Desta forma, os processos de acúmulo de opressões sugeridos na fala de Marta, relacionados hipoteticamente ao pertencimento racial, de gênero, de orientação sexual e de compleição física, podem gerar uma série de diferenciações e também de opressões que a mulher pode se sujeitar e também se identificar. Patrícia Hill Collins (2000) denominou de matrix de dominação - que se refere a como esta intersecção de opressões são atualmente organizadas - as opressões vividas por estas mulheres. Este processo de inter-relação de tipos de opressão, referem-se aos domínios de poder estrutural, disciplinar, hegemônico e interpessoal que ocorrem entre diferentes tipos de opressão. Desta forma, não se pode reduzir o pertencimento e a identidade destas mulheres somente a “mulheres negras”, e sim, observar e reconhecer que a própria identificação de cor/raça é um processo político, mas que também se refere às subjetividades e histórias destas mulheres. Trata-se, portanto, de outras formas de diferenciação e de vivência de opressões, que podem estar relacionadas à sua orientação sexual, classe social, entre outras, que também estão abarcadas na sua forma de se colocar no mundo. E, no caso das organizações globais, multinacionais, estas também influenciam no seu modo de jogar este complexo jogo de poder que se refere a ter que dialogar com aspectos de sua vida individual, pessoal, com regras, modelos, padrões sociais das organizações que estão relacionadas a uma homogeneidade racial, social e de gênero. Ou seja, são espaços brancos, masculinos e de classe alta que estão inseridos, opostos aos ambientes sociais, comunitários e familiares de onde elas provêm.