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CAPÍTULO III – O NOVO MODELO ADOTADO PELO REGULAMENTO GERAL

3.7 Autodeterminação Informacional

Aos titulares dos dados são conferidos instrumentos que têm como finalidade resguardar a autodeterminação informacional dos mesmos. No sentido de elucidar a origem da ideia de autodeterminação informacional, que norteia a Abordagem de Autodefesa, é necessário citar o Tribunal Federal Constitucional Alemão. O Tribunal, ao analisar um processo136 que rezava sobre informações que foram recolhidas das pessoas durante o senso de 1983, levou em consideração o processamento moderno da época, visando uma maior proteção para as pessoas, no que toca a recolha, armazenamento, uso e divulgação de forma ilimitada dos dados pessoais, sendo assim, abrangido pelos direitos gerais das pessoas. Tais direitos estavam garantidos na Constituição alemã como direitos fundamentais. Desta forma, as pessoas teriam uma capacidade maior de decidir a respeito do uso e divulgação dos seus dados pessoais. Apenas o interesse público imporia limitações à autodeterminação informacional.

A doutrina portuguesa137 rececionou a autodeterminação informacional no seu Art.º 35.º

da Constituição portuguesa, conseguindo desta maneira proteger uma amplitude de direitos fundamentais, impedindo a transformação das pessoas em objeto/fonte de informação remunerada.

O direito de autodeterminação informacional é: “el control que ofrece a las personas sobre el uso por terceros de información sobre ellas mismas”138139.

Da autodeterminação informacional emanam três direitos140, são eles:

- Acesso dos titulares dos dados a todos os registos informáticos que lhes digam respeito, bem como a sua retificação e a complementação dos mesmos;

- O sigilo referente aos responsáveis de ficheiros automatizados e o direito à sua não interconexão e

- O não tratamento informático de alguns tipos de dados pessoais.

136 SCHWABE, Jürgen - Cinqüenta Anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão.

[Em linha]. [2006]. [Consult. 21 nov. 2018]. Disponível em

WWW:<URL:https://www.kas.de/c/document_library/get_file?uuid=c0b3d47d-beba-eb55-0b11- df6c530ddf52&groupId=252038>.

137 CANOTILHO, José Gomes e MOREIRA, Vital - Constituição da República Portuguesa - Anotada -

Volume I - Artigos 1º a 107º. Coimbra: Coimbra Editora, 2014, p.553.

138 CUEVA, Pablo Lucas Murillo de la e MANÃS, José Luís Piñar - El derecho a la autodeterminación

informativa, Madrid, Fundación Coloquio Jurídico Europeo, 2009, pág. 11.

139 PINHEIRO, Alexandre Sousa - Privacy e proteção de dados pessoais: a construção dogmática do

direito à identidade informacional. Lisboa: AAAFDL, 2015, pág. 803.

140CANOTILIO, José Gomes e MOREIRA, Vital - Constituição da República Portuguesa - Anotada -

51 Para além dos direitos e princípios que coroam a matéria em questão, o facto da igualdade141 tem uma forte presença em tela, pois, todas as pessoas precisam estar no mesmo patamar de igualdade para que se possa reagir ao eventual tratamento de dados pessoais, de forma positiva ou não142. A igualdade entre pessoas é sinónimo de justiça, o que também contribui para os fins do RGPD.

A Abordagem de Autodefesa possui, como aliado, um princípio que é o da transparência. O princípio da transparência vem plasmado no RGPD e postula que deverão ser tomadas medidas adequadas pelo RT ao comunicarem com os titulares dos dados, de forma concisa, transparente, inteligível e de fácil acesso, com uma linguagem clara e simples, atenção redobrada nos casos em que as informações são direcionadas para as crianças143. Observa- se que o princípio da transparência é um princípio geral em matéria de proteção de dados e que se encontra nos Art.º s 12.º ao 15.º da norma.

Não obstante o princípio da transparência se encontrar devidamente regulamentado, poderá ser questionado a ininteligibilidade das pessoas em relação aos algoritmos, devido a complexidade da lógica relacionada com o Big Data.

Segundo o Art.º 13.º, n. º2, alínea f) do RGPD deverá ser apresentado da seguinte forma: “informações úteis relativas à lógica subjacente, bem como a importância e as consequências previstas de tal tratamento para o titular dos dados”. Assim, fica o RT com a função de fornecer informações que sejam úteis e com a clareza que a matéria obriga. As informações deverão ser úteis, isso significa que deverão ser explicadas de forma que todas as pessoas possam entender. Desta forma o RT deverá criar meios para que consiga transformar determinada informação e transmitir de maneira o mais acessível que for possível.

Neste sentido, defende-se o direito à explicação144, para que as pessoas possam ter conhecimento do facto e compreendê-lo, terem consciência que os resultados de uma análise proveniente de técnicas de machine learning (por exemplo), possa ter reflexo de carácter discriminatório nas vidas das pessoas.

141 MENDES, João Castro - Direito Comparado. Lisboa: AAFDL,1983, p. 335.

142 CLARO, João Martins - O Princípio da Igualdade, in Nos Dez Anos da Constituição, obra coletiva.

Lisboa, 1987, p. 31.

143 Art.º 12.º, n. º 1 do RGPD.

144 Sobre o direito à explicação ver WACHTER, Sandra - Why a Right to Explanation of Automated Decision-Making Does Not Exist in the General Data Protection Regulation. [Em linha]. [2017]. [Consult.

12 jan. 2019]. Disponível em

52 Dito o exposto, a Abordagem de Autodefesa é então um direito oferecido aos titulares dos dados pessoais pelo RT, para que por meio da autodeterminação informacional, possam ter o controlo e domínio dos seus dados pessoais. Os titulares podem solicitar informações claras, que permitam o perfeito conhecimento e compreensão da matéria a seu respeito. Dessa forma, o direito à autodeterminação informacional é reconhecido e assume realce no domínio do tratamento dos dados pessoais. Assim visa proteger a privacidade, não deixando de salientar que o referido direito flanqueia e alarga a tutela dos direitos fundamentais da liberdade de comportamento e da privacidade145, após a revisão constitucional de 1997, que veio consagrar expressamente o direito de cada pessoa de traçar o seu próprio plano de vida, sendo o direito de livre desenvolvimento da personalidade146. A autodeterminação informacional faz parte de um direito que atribui a cada cidadão o direito de ser ele próprio, decidindo quando e os limites que os seus dados pessoais podem ser revelados.