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É notório que há uma lacuna existente entre a formação inicial dos profissionais

de educação e a exigência de uma formação continuada

com conhecimentos específicos. Que o ofício de ensinar, juntamente com os educandos, reivindicam mais conhecimentos por parte do professor, uma vez que, na perspectiva de uma educação voltada para a diversidade, cada aluno deve ser visto em sua individualidade, com seu perfil, dificuldade e potencialidades e, que o ato de ensinar vai muito além do que transmitir conhecimentos. Como nos ensinava Freire (2002, p.13), ―Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção‖.

Quando falamos de formar, ensinar e educar, estamos transitando numa esfera humanística, onde consideramos como ganho, cada avanço e desenvolvimento dos alunos com e sem surdez. Desde a sua interação social com os seus pares e com os professores, na aquisição da aprendizagem de regras de convivência, no desenvolvimento de fatores sócio emocionais, entre outros.

Muitos professores têm buscado conhecer mais sobre como ensinar e como seus alunos surdos aprendem, por meio da autoformação. Referimo-nos aqui, a profissionais que mesmo com pouco investimento financeiro em estrutura escolar, material didático e capacitação por parte dos governos ou empresários donos de escolas, buscam desempenhar um trabalho comprometido com a aprendizagem do seu alunado com e sem surdez.

Referimo-nos, também, àqueles professores formados em uma determinada área, por exemplo, Letras, mas que pela força das circunstâncias se vêem alfabetizando crianças, sem ao menos entenderem o conceito e os processos da alfabetização. Muitos desses professores aprenderam a buscar conhecimentos específicos e aliá-lo aos saberes já existente e a sua criatividade, mostrando-se,

55 assim, um ser ativo de seu próprio processo de conhecimento, formando-se continuamente.

Teixeira, Silva e Lima (2010, p. 6),afirmam que a autoformação é:

Processo permanente de desenvolvimento docente que se reflete diretamente na maneira de como o professor constrói a

sua realidade profissional, transformando a si mesmo, no bojo das atividades concretizadas na cotidianidade da prática pedagógica. Segundo Sanches (2010), existe a heteroformação que é o processo de formação que vem de fora do sujeito; e a autoformação que é o processo de formação que é elaborado pelo próprio sujeito na interação com o mundo e com os outros. A exemplo, cito a minha experiência como professora licenciada em Letras, que se vê na iminência de alfabetizar uma criança surda, descrita nesse trabalho autobiográfico.

A autoformação não é, e nem pode ser concebida como um processo isolado. A autoformação se concebe quando o profissional se apropria de conteúdos formativos ligados à área em que ele mesmo se encontra inserido, de modo a contribuir para o aperfeiçoamento de suas habilidades. No nosso caso, transitamos de nossa área de formação para outra área de, certa forma, desconhecida – da Alfabetização. Contudo em uma situação que faz parte de nossa cotidianidade que é o envolvimento direto com uma criança surda. Em nosso parecer, em concordância com Castro e Carvalho (2001), uma atitude que veio favorecer o questionamento sobre nós mesmo, sobre a escola e a sociedade, permitindo-nos redimensionar a nossa relação com a realidade.

No dizer de Galvani (2002, p.2), a autoformação ―[...] é um componente da formação considerada como um processo tripolar, pilotado por três pólos principais:

Si (autoformação), os outros (heteroformação), as coisas (ecoformação).‖

A autoformação é um modelo de aprendizagem onde o aprendiz se torna responsável e autor de seu próprio processo de formação, onde ele assume um lugar central no seu processo formativo, se engajando numa busca contínua pelo conhecimento. Tal como Freire (2002, p.17), nos fala sobre esta busca de conhecimentos no próprio ato de ensinar e de pesquisar:

Enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo.

56 Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade.

Contudo, mesmo se tratando do modelo de aprendizado autoformativo, que parte do ―eu‖, ainda assim o profissional ao final do seu processo formativo terá influências dos meios externos, tais como da cultura, família, educação, o meio ambiente em que vive ou, até mesmo ao clima em que vive exposto, etc. Logo, isso envolve também, a eco e heteroformação. Galvani (2002, p. 3) ainda ressalta que:

A autoformação é um processo paradoxal que se alimenta de suas dependências. Ela é constituída pela tomada de consciência e de retroação sobre as influências heteroformativas e ecoformativas. Assim, a autoformação ultrapassa, integrando-os, os limites da educação entendida transmissão aquisição de saberes e de comportamentos.

Segundo Dumazedier (2004), autoformação é reforço do desejo e da vontade dos sujeitos de regular, orientar e gerir cada vez mais eles próprios o seu processo educativo. É quando o sujeito toma às rédeas de seu próprio desenvolvimento educacional. Corrobora-se com Sanches (2010, p.113), quando este esclarece que:

A autoformação é a conscientização do caminhar para si e com o outro, num ato de partilhas de significados consigo mesmo e com o grupo. O aprendente é um caminhante, que caminha consigo mesmo, mas também acompanhado.

Entende-se que a autoformação é um processo contínuo e permanente de buscas constantes e atualizações sobre o autoconhecimento, que é o conhecimento de si, relacionado a autoformação, heteroconhecimento que está relacionado aos outros, relacionado a heteroformação. E o ecoconhecimento que está relacionado ao ambiente que lhe envolve, ligado a ecoformação.

Portanto, entende-se que, para que haja uma prática consciente no campo da autoformação, o indivíduo deve buscar o autoconhecimento, utilizando todas as ferramentas disponíveis para tal, por exemplo: a escrita de si, relatos autobiográficos acrescidos de um tempo de reflexão sobre cada situação elencada e apresentada. Que utilize as perguntas autorreflexivas, tais: como me tornei quem sou?, porque exerço esse tipo de prática em minhas ações diárias?. A fim de tomar consciência da própria história e estar apto a inferir nas histórias de seus alunos.

A autoformação nunca termina, pois o indivíduo autônomo, e consciente da importância do aprendizado, nunca deixa de buscar o conhecimento através da

57 formação continuada, fazendo uso de cursos on line, leituras de livros, participações em congressos e eventos, entre outros meios.

Enquanto educadores e formadores, urge a latente necessidade de se entender nosso próprio processo de formação. Finger e Nóvoa (2010) alertam que, sem antes ter procurado compreender o nosso próprio processo de formação, dificilmente pode-se pretender interferir na formação dos outros.

Tardif (2002) aponta saberes que são estruturais na formação e atuação docente: Teórico, técnico e prático. Os conhecimentos teóricos e técnicos são alcançados ao longo da formação inicial e continuada. Porém, o conhecimento prático é adquirido enquanto se caminha, no dia a dia da ação docente e na reflexão crítica que pode ser alcançado através do exercício do autoconhecimento.

58 3. A SURDEZ EM TEMPOS DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA – PARA APRENDER A CONHECER, APRENDER A FAZER, APRENDER A VIVER COM OS OUTROS E APRENDER A SER.

É notório que a educação é um direito de todos. Afirma o artigo 205 da Constituição Federal de 1988: "A educação, direito de todos é dever do Estado e da família...‖ A educação também é papel do estado como consta na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN), em seu artigo 22: ―A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores‖ (BRASIL, 2017, p. 20).

Direito este, que muitas vezes tem sido negado a inúmeras crianças surdas, na maioria das vezes, não por intencionalidade, mas por imperícia dos profissionais e familiares responsáveis pela educação da criança surda, que não sabem por onde começar, quais metodologias utilizar, nem o que fazer para favorecer o processo de aprendizagem bilíngüe da criança surda.

Dentre os temas mais discutidos no âmbito da educação estão a alfabetização e o letramento, certamente por estarem intimamente relacionados aos quatro pilares fundamentais da educação: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver com os outros, aprender a ser (DELORS, 1999, p.90). Vistos como ferramenta indispensável para ensinar e compartilhar conhecimentos, esses pilares são de suma importância, também, na alfabetização e letramento bilíngue de crianças surdas.

Mergulhando no pilar do ―aprender a conhecer‖ reflete-se sobre o fato de que uma criança surda para ser alfabetizada e letrada precisa de antemão construir sua identidade, compreender qual é o seu lugar no mundo, a que grupo familiar pertence, que grupo social compõe, qual é a linguagem que usa para comunicar-se. Entender porque sua língua é diferente da maioria daqueles que a cerca, quais as vantagens e desvantagens de ser quem é, além de saber quais são seus direitos e deveres.

Acredito que ninguém pode ser completo sem antes aprender a conhecer a si mesmo. E, aprender a ser, passa pelo viés de aprender a conhecer. Mas, aprender a ser o quê? Especificamente, uma criança surda tem o direito e a necessidade de

59 aprender a ser bicultural e bilíngue, pois independente do país onde more ela terá de conviver com a língua majoritária de seu país e a sua língua materna, no caso dos surdos não oralizados uma língua visual/espacial.

Dentro de uma família ouvinte a criança surda terá de conviver com as particularidades ouvintes do meio familiar e sua realidade visual. Precisa aprender a ser um representante da comunidade surda bilíngue, que luta pela efetivação e cumprimento de seus direitos, além de reconhecer-se como um individuo que aceita sua própria identidade. Reforço que só é possível aceitar algo que se conhece, pois quando se conhece a si mesmo sabe-se qual o nosso lugar na família, na sociedade e no mundo, e só a partir desse momento, então, podemos dizer: ―eu sou‖. Para tal consciência de si é preciso o contato com o meio em que se vive, mediado pela linguagem.

O aprender a viver é um desafio para todos, mas aprender a viver e relacionar-se com pessoas que não falam a sua língua, torna-se um desafio ainda maior. É responsabilidade, portanto, da família e da escola ensinar a criança surda a viver e a interagir com o diverso, enfrentando os obstáculos resultantes das dificuldades.

Logo, não basta ensinar-lhe uma língua, o surdo consciente de que é pertencente a uma minoria linguística saberá que para entender e se fazer entendido no dia a dia precisará usar de vários artifícios comunicacionais, tais como: apontar para algo que queira comprar, escrever no papel o nome do produto ou mesmo apontar a cor e sinalizar para que parte do corpo serve. Utilizando-se, assim, dos princípios da ‗condicionalidade social do desenvolvimento, da perspectiva do futuro e da compensação‘ explicados por Vygotsky, citado por Sá (1999, p. 41):

1) A inadaptação da criança ao meio sociocultural cria poderosos obstáculos na via de desenvolvimento da sua psique (o principio da condicionalidade social do desenvolvimento);

2) Estes obstáculos servem de estímulo para o desenvolvimento compensador, convertem-se em seu objetivo e dirigem todo o processo (o princípio da perspectiva do futuro);

3) A presença de obstáculos aumenta e faz aperfeiçoar as funções psicológicas, conduzindo à ultrapassagem desses obstáculos, isto é a adaptação. (princípio da compensação)

60 No caso de crianças surdas, o maior obstáculo está no fato de a maioria nascer em famílias ouvintes que, infelizmente, não dominam a língua de sinais, tal como expõe Skliar (1997, p. 132):

Diferentemente da criança ouvinte, que desde cedo tem contato com a linguagem oral, a criança surda está inserida num contexto no qual as interações linguísticas não são compartilhadas, considerando que 95% são filhas de pais ouvintes, os quais, em geral, desconhecem ou rejeitam a língua de sinais.

Tal realidade é agravada no momento em que ingressam na escola comum onde encontram profissionais que, também, não aprenderam a se comunicar por meio dessa língua. Assim, essas crianças têm cerceado o seu direito de aprender a viver usufruindo dos saberes, com sentido e significado, comuns a todos os ouvintes e a ocupar seu lugar devido e desejado na sociedade.

Advogo que somente uma educação de qualidade e comprometida com as diferenças, com profissionais capacitados na perspectiva do acolhimento e atenção as diferenças de ser e de aprender dos humanos, que se comuniquem em língua de sinais, no caso brasileiro a Libras, assegurará o direito da criança surda aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver com os outros iguais e diferentes em sua condição auditiva e aprender a ser amplamente.

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