• Nenhum resultado encontrado

AUTORIA DAS NOTÍCIAS

No documento EDUARDA DOS PASSOS GONÇALVES (páginas 149-158)

151 do jornalista brasileiro80 encomendada pela Federação Nacional dos Jornalistas, as mulheres são a maioria nas redações (64%) – predominantemente brancas, solteiras e com idade de até 30 anos. Já no jornalismo esportivo no Brasil, de acordo com dados da International Sports Press Survey (ISPS), apenas 7% das notícias produzidas são assinadas por mulheres (HORKY; NIELAND, 2011). Isso nos mostra que o jornalismo esportivo ainda é um ambiente de predominância masculina. Apesar dessa predominância de matérias assinadas por jornalistas mulheres em nossa pesquisa, devemos considerar que esses dados são de um contexto específico da Copa do Mundo de Futebol Feminino e que pode não representar a realidade da cobertura de outros eventos esportivos como uma cobertura da Copa do Mundo de Futebol Masculino, Jogos Olimpícos ou até mesmo do Campeonato Brasileiro de Futebol masculino. No entanto, ter mulheres cobrindo um evento deste tamanho é uma conquista significativa, levando em conta que em outros momentos muito do que era veiculado nas mídias sobre o futebol de mulheres era produzido por homens. Devemos também destacar a participação da jornalista Ana Thais Matos, que além de produzir matérias sobre a Copa em seu blog vinculado ao Globoesporte.com, também foi comentarista nas partidas ao vivo da seleção brasileira transmitidas na televisão aberta pela emissora Rede Globo.

A presença de mulheres na cobertura da Copa do Mundo de Futebol Feminino França 2019 representa, ainda que ainda de forma isolada, a quebra de um paradigma da hegemonia masculina no âmbito esportivo que ultrapassa o campo de jogo e alcança as redações jornalísticas. Carvalho e Grohmann (2016), por exemplo, verificaram em canais esportivos que os homens são constantemente presentes (quem fala) nas transmissões de jogos de mulheres (de quem se fala) e de programas teoricamente destinados aos homens (pra quem se fala). Além disso, a pesquisa verificou que das 22 pessoas presentes na análise (narradores, comentaristas e apresentadores), apenas 7 eram mulheres, sendo que 3 eram ex-atletas e só comentavam sobre suas modalidades. Esta invisibilidade/ausência das mulheres na produção jornalística também é relatada no estudo de Araújo e Ventura (2019). Os autores realizaram uma análise do programa esportivo Globo Esporte São Paulo e verificaram que nas 10 edições observadas (sendo 5 edições em 2017 e outras 5 em 2019) as mulheres ocuparam um espaço mínimo e que nesse intervalo de tempo pouca coisa mudou, já que em 2017 houve a inexistência de representatividade de mulheres e em 2019 a atuação delas foi de 9%. Além disso, a pesquisa também mostrou a inexistência de mulheres como comentaristas no programa. Embora seja mais frequente ver mulheres ocupando espaço de apresentadoras em programas esportivos, recentemente podemos ver um avanço nesse cenário. Hoje alguns programas esportivos possuem mulheres comentando nas chamadas mesas redondas, como a jornalista Daniela Boaventura no canal ESPN, e Ana Thaís Matos e Renata Mendonça (do Dibradoras) no canal SPORTV. Além disso, Renata e Ana Thaís ganharam espaço de comentaristas 80 BERGAMO, Alexandre; MICK, Jacques; LIMA, Samuel. Perfil do jornalista brasileiro: características

nas transmissões dos jogos do Brasileirão masculino. A relação entre esporte, gênero e mídia também é abordada no estudo de Brum e Capraro (2015). A partir de entrevistas com 10 mulheres jornalistas – minoria nos editoriais de esporte dos meios de comunicação, o estudo revela as dificuldades e estratégias das mulheres para selecionar e produzir notícias em um campo onde predomina a reprodução de um modelo sob a dominação masculina e capitalista. Neste contexto, as mulheres jornalistas destacam que a participação de mulheres na cobertura de eventos esportivos poderia trazer como um diferencial a contribuição de um “olhar próprio”, ou seja, um olhar diferenciado que estaria relacionado “a sua própria capacidade de, como mulheres, utilizarem atributos comumente associados ao feminino como fatores para auxiliá-las no trabalho” (p.965). Assim, para as entrevistadas, a mulher jornalista, minoria na redação, teria a visão além do alcance que consegue ver que a mulher é minoria no esporte (p. 965) Assim, de acordo com os autores, a mulher jornalista tem uma sensibilidade. Uma das entrevistadas destaca ainda que a sensibilidade da mulher jornalista pode trazer leveza e suavidade ao campo do jornalismo esportivo, uma sensibilidade que conseguiria ver o atleta como pessoa e humanizá-lo (p.965). Porém, de acordo com Brum e Capraro (2015), as entrevistadas revelaram que embora percebam uma maior abertura em relação à participação de mulheres no jornalismo esportivo, o “olhar próprio” das jornalistas se limita ao modo de construção das narrativas e não consegue interferir no processo editorial se seleção e encaminhamento das pautas – que depende da aprovação de superiores geralmente homens – reforçando, em uma análise bourdieusiana, a dominação masculina no campo jornalístico esportivo (p. 969).

Ao analisarmos os portais abordados nesta pesquisa, o Dibradoras, com predominância feminina no corpo editorial, parece conseguir realizar uma mudança nas características das pautas, construindo narrativas mais críticas que tendem a não reforçar estereótipos femininos. Em direção oposta, as jornalistas do Globoesporte.com, embora tenham alcançado representatividade na cobertura na Copa 2019, talvez possuam menor possibilidade de escolha e alteração da pauta, já que fazem parte de um grande portal de jornalismo esportivo onde as decisões são hegemonicamente masculinas.

Em relação à autoria das notícias no portal Globoesporte.com, tivemos um total de 39 autores produzindo notícias. De certa forma, já era esperado que um siteportal deste tamanho e importância tivesse um maior número de contribuições, pois dispõe de recursos, estrutura e grande equipe de jornalistas para cobrir o evento – in loco ou nas redações espalhadas em diversos locais do países do mundo. Mas um dado interessante diz respeito à quantidade de matérias que cada jornalista produziu. Das 233 notícias encontradas no portal durante a Copa, 104 foram assinadas pela redação do Globoesporte.com, alcançando 41% das autorias. Um fato que pode ter contribuído para isso diz respeito às transmissões ao vivo(Lance a lance) que são disponibilizadas no portal a cada partida

consequência, outros jornalistas só produzem matérias para complementar, são profissionais que não necessariamente se prepararam ou se especializaram para cobrir o futebol de mulheres e espeficicamente a Copa 2019. Assim, eles têm que abordar sobre diversos assuntos esportivos ou não, sem condições para se aprofundarem na temática e nos acontecimentos. Assim, acabam escrevendo notícias de modo factual, seguindo o padrão editorial da empresa e muitas vezes com mais características de entretenimento que de jornalismo (SANTOS; MEZZAROBA; SOUZA, 2017).

Outro ponto importante é que apesar de a jornalista Amanda Kestelman ter produzido mais notícias sobre a Copa 2019, pode acontecer que ela tenha sido orientada a seguir o “formato padrão” de notícias do Globoesporte.com. Para que se entenda o que pode fazer um jornalista, como já alertava Bourdieu, é necessário observar tanto “a posição do órgão de imprensa no qual ele se encontra no campo jornalístico” quanto “sua própria posição no espaço de seu jornal e de sua emissora”(BOURDIEU, 1997, p. 57). Ou seja, como jornalista, ela tem que seguir o padrão editorial da emissora que trabalha, e isso pode ser um fator limitador na construção da notícia.

Já no Portal Dibradoras, do total de 45 matérias produzidas durante o evento, a Jornalista Renata Mendonça produziu 31 matérias, sendo responsável por 69% das produções, a jornalista Roberta Nina produziu 10 notícias, sendo responsável por 22%, e a Redação assinou 4 notícias, colaborando com os 9% restantes. Aqui, percebemos que duas jornalistas que se dedicam à cobertura do esporte de mulheres, em especial do futebol, produziram a maior parte das notícias, o que, em tese, permite maior aprofundamento nos conteúdos produzidos e nos dão indícios de uma cobertura que, aliada à política editorial do portal, pode ser propícia à enquadramentos temáticos (contextualizados, aprofundados, não limitados apenas ao factual).

Bourdieu (1997) afirma que os jornalistas exercem uma “formidável censura”, no sentido de que para um assunto vir ao debate público é necessário passar pelo processo de seleção dos jornalistas. No entanto, é preciso olhar com cuidado para isso, pois apesar de possuírem certo grau de autonomia, os jornalistas devem seguir as características editoriais das empresas onde trabalham. Além disso, o autor ressalta que:

se quero saber hoje o que vai dizer ou escrever tal jornalista, o que ele achará evidente ou impensável, natural ou indigno dele, é preciso que eu conheça a posição que ele ocupa nesse espaço, isto é, o poder específico que possui seu órgão de imprensa e que se mede, entre outros indícios, por seu peso econômico, pelas fatias de mercado, mas também por seu peso simbólico, mais difícil de quantificar. (BOURDIEU, 1997, p.58)

Portanto, os jornalistas possuem certa autonomia dependendo do espaço que ocupam dentro dos jornais, no entanto, se a lógica da empresa é vender um produto de entretenimento, eles terão

treinadores, e o Globoesporte.com além de ouvir atletas e treinadores, deu espaço à manifestações de torcedores/espectadores.

No documento EDUARDA DOS PASSOS GONÇALVES (páginas 149-158)