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Capítulo 4 Relações Contratuais entre Fornecedores e GGR

4.1. A Autoridade da Concorrência e a Investigação Conduzida no Âmbito dos GGR e das

À entidade que tem por missão garantir a aplicação da política da concorrência no país, no caso concreto de Portugal, à Autoridade da Concorrência (AdC) interessa, portanto, aferir quais as consequências do exercício do poder de mercado dos grandes grupos retalhistas. Em particular, deverá ponderar os expectáveis efeitos positivos de curto prazo, decorrentes do pass-through para os consumidores (isto é, aferir se os preços mais competitivos obtidos junto dos fornecedores se repercutem em preços mais baixos para os consumidores) e os efeitos dinâmicos de médio/longo prazo que poderão ser lesivos da concorrência e do bem-estar, como os relacionados com a impossibilidade de sobrevivência de produtores/fornecedores e da concorrência, com a menor diversidade de produtos e menor inovação.

No âmbito das relações entre os GGR e os seus fornecedores, a AdC levou a cabo uma investigação para identificar possíveis práticas abusivas, lesivas da concorrência e de que forma estas se poderão estar a repercutir nas condições económicas dos dois tipos de agentes. Como ponto de partida, a AdC (2010) refere que os termos e condições regentes da relação comercial são quase sempre (previamente) definidos pelo distribuidor e impostos a serem aceites pelo fornecedor. É usual o recurso a contratos de adesão, cuja liberdade de estipulação e/ou de negociação de

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cláusulas se encontra limitada. Por este motivo, os fornecedores sentem a necessidade de colocar “cláusulas de melhores condições” (Most Favoured Nation), mediante as quais se obrigam a oferecer ao distribuidor as melhores condições de mercado, nomeadamente em termos de preços, ou do tipo “Meeting the Competition”, em que o vendedor se compromete a praticar o melhor preço que o comprador possa obter de outro vendedor presente no mercado, devolvendo a diferença entre os dois preços.

Segundo a AdC (2010), para se analisar o desequilíbrio negocial e as consequentes relações contratuais assimétricas entre fornecedores e retalhistas importa analisar três diferentes aspetos que constituem o contrato de fornecimento: condições gerais, condições específicas e outras características dos contratos.

As condições gerais têm por objetivo prever os termos e as condições base no âmbito das quais a relação comercial entre as partes se vai estabelecer, não sendo geralmente objeto de negociação mas meramente de aceitação ou adesão pelo fornecedor e sendo universalmente aplicáveis a qualquer fornecedor. Enquadram-se nas condições gerais a definição do conjunto de direitos e deveres das partes, a validade do contrato, disposições mais gerais sobre faturação, descontos, incumprimento, devoluções, embalagens, penalizações, prazos e condições de entrega, nível de serviço e cessação do contrato. Segundo a AdC (2010), a grande maioria destas cláusulas não manifesta o desequilíbrio negocial entre as partes, porém algumas alíneas específicas, como no caso dos descontos, devoluções, penalizações, prazos levantam alguma suspeição.

As condições específicas estabelecem os termos concretos da encomenda, nomeadamente o produto fornecido, respetivas características e quantidades, o preço, o conjunto de contrapartidas resultantes do fornecimento – descontos e/ou contrapartidas pela concessão de determinado desconto1 –, prazos de pagamento e prazos de validade a obedecer. De facto, da análise a múltiplos contratos realizada pela AdC (2010) transparece uma significativa variedade de contrapartidas do fornecedor ao distribuidor, apenas pelo facto do primeiro comercializar os produtos do último, como são exemplo os descontos incondicionais e/ou descontos comerciais. A existência deste tipo de

1 A estes acrescem outros tipos de contrapartidas: descontos financeiros, descontos em fatura, descontos associados à abertura, mudança de insígnia ou remodelação de loja, descontos de quantidade, descontos por ações promocionais, descontos por aniversário, descontos por competitividade, descontos de cartão cliente, desconto de investimento ou logísticos.

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contrapartidas é, segundo a AdC (2010), um elemento que faz denotar o desequilíbrio negocial entre as partes.

Para além da existência de descontos, os contratos entre fornecedores e retalhistas que, por norma, têm uma validade de doze meses renovável, são objeto de aditamentos ou adendas para assegurar contrapartidas adicionais às inicialmente previstas, justificadas pela realização de promoções ou campanhas pontuais. Desta forma, os retalhistas conseguem que os benefícios associados a descontos e outras contrapartidas se prolonguem no tempo.

O relatório da AdC (2010) revela ainda um conjunto de outras cláusulas que tipicamente são incluídas nos contratos por vontade do distribuidor e que agravam o desequilíbrio da relação entre as partes.

O primeiro ponto relevante é que o nível de detalhe das regras relacionadas com as embalagens e o processo de embalamento pode abranger aspetos relacionados com o tipo e dimensão da embalagem, impostas pelo distribuidor e correndo, o fornecedor, o risco de não acatamento das regras definidas, na medida em que isto se traduz, normalmente, em penalizações. Geralmente, o valor da penalização incide sobre uma determinada percentagem do valor total da encomenda ou sobre a parte não satisfeita.

O segundo ponto relevante é o recurso ao modelo da transmissão de dívidas entre fornecedores-terceiros ou ao modelo da compensação de créditos. O recurso a estes modelos traduz-se numa significativa facilitação do distribuidor em suportar o pagamento das suas dívidas aos fornecedores, já que lhe permite compensar com créditos que detenha sobre estes, ou transmitir o ónus de pagamento para outra sociedade comercial do seu grupo económico. Já no caso dos fornecedores, o recurso a este tipo de figuras jurídicas revela-se menos facilitado, sendo-lhe frequentemente negado ou dificultado.

4.2. Análise das Práticas Comerciais Encontradas à Luz da Legislação